Invocação do Mal 2

Invocação do Mal 2
(The Conjuring 2)
Data de Estreia no Brasil:  09/06/2016
Direção: James Wan
Distribuidora: Warner Bros

“Invocação do Mal 2” parece ter saído direto dos anos 70. Sua ambientação e reconstituição de moda e cultura é tão bem feita que ganham proporções ainda maiores quando observamos a estética criada por James Wan o qual, cercado por um elenco que homogeneamente faz um trabalho tão preciso que soa completamente natural, não parece nenhum pouco intimidado com a fama que o primeiro filme fez gerando uma enorme expectativa para esta sequência. Muito pelo contrário, Wan parece se divertir a beça com seus enquadramentos e movimentos de câmera os quais criam uma lógica narrativa fluida e interessante, balanceando bem a tecnologia moderna com técnicas bem “old school”.

O que acaba diferenciando este filme, porém, de todas as outras bobagens de terror que já fomos obrigados a assistir este ano, não é somente seu primor técnico, mas também seu roteiro. Escrito por oito mãos (Carey e Chad Hayes, os quais também foram responsáveis pelo do primeiro filme, David Leslie Johnson e o próprio James Wan) o script consegue trazer empatia para todos os personagens principais envolvidos no famoso caso do Poltergeist de Enfield, criando momentos de puro afeto entre os personagens, bem como constrói diálogos e motivações palpáveis.

Dessa forma, é extremamente interessante perceber como, aqui e ali, o roteiro parece dar pequenos apontamentos da própria descrença do casal Waren para com diversos ocorridos, fazendo com que o próprio espectador sinta certa comoção com a situação da família inglesa que vive numa linha constante de ser acusada de falsificar as atividades paranormais e ser acudida por especialistas – e este elemento causou um impacto ainda maior em mim que, após ter estudado o caso real, nutria certa descrença e que ao longo da projeção me vi cada vez mais envolvido com todos os personagens. O auge da empatia chega numa cena envolvendo uma música do rei do rock, Elvis Presley, que consegue reunir todos os temores e esperanças dos personagens de uma maneira que, além de tudo, comove.

Provando que uma adaptação não precisa ser uma transcrição de sua fonte original (seja ela um livro, outro filme ou mesmo um caso real) “Invocação do Mal 2” é inteligente o bastante para tomar liberdades criativas quanto aos eventos reais, mas sempre o fazendo em nome de uma construção maior da tensão. Até mesmo o envolvimento do casal de paranormais, que na vida real foi ínfimo, neste filme se mostra bem construído e justificado já que a participação deles ecoa tanto no desenvolvimento da história quanto dos personagens (e notem como a participação do casal é colocada de uma forma com que não pareça qualquer interferência direta nos relatórios oficiais do caso real).

É neste ponto que a direção de James Wan deve ser mesmo aclamada. Criando uma sequência de abertura passada em outro famoso caso paranormal, Amityville, o qual não só dá o tom e motivações interessantes ao filme como também estabelece a sua lógica narrativa, o diretor de origem malaia utiliza de planos levemente inclinados que aparecem ao longo do filme para indicar a presença de entidades fantasmagóricas, combinados nesses momentos com uma fotografia saturada muito bem orquestrada. Wan ainda lança mão de Jump Cuts, zoons rápidos em rostos e planos longos que parecem flutuar pela casa. É uma estética extremamente rica e bem pensada que mesmo quando apela para os famosos jump sacres o faz de maneira bem orquestrada já que o clima de tensão que leva até tais desfechos de susto chega a ser palpável.

Contando ainda com referências maravilhosas do caso real (como uma reconstituição da famosa foto do garotinho de Amityville), esta estética da sequencia inicial perpassa por todo o longa, com o espectador sendo brindado com um plano sequencia dentro da casa de Enfield o qual de uma forma elegante prepara a platéia para a disposição geográfica do local. Inclusive, quanto a tais referências, o trabalho que a direção de arte faz é estrondoso já que eles tomam o cuidado para repetir uma constituição quase idêntica do quarto da família Hodgson, com o figurino e a maquiagem fazendo uma constituição magnífica da garotinha Janet em seu pijama vermelho, corte de cabelo e dentes tortos.

A lógica visual do filme é tão impressionante que podemos notar ela em cada pequeno detalhe que revela algo importante sobre um personagem ou a trama em si. Por exemplo, a cor verde que está presente não só nos brincos e colares de Loraine Warren, como também nas cortinas e vitrais da porta da residência em que esta vive com sua família, denotam o contexto paranormal em torno da família, já que o verde remete a morte e, neste caso, a uma ligação com o mundo pós morte. Há ainda um uso de cores combinadas entre os vestidos desta e as gravatas de seu marido, algo que fortalece ainda mais a ligação entre os dois para os olhos do espectador.

Quanto à revelação da trama (E NÃO LEIA O RESTANTE DESTE PARÁGRAFO CASO NÃO TENHA VISTO O FILME AINDA) é interessante como os realizadores do longa tiveram o cuidado de colocar as letras que formam o nome do demônio na estante ao lado  de Loraine na sequencia em que esta tem uma visão da entidade, ou mesmo na cena que se passa dentro da cozinha dos Warren, logo após Ed revelar a pintura do demônio que apareceu em seu sonho, onde na parede aparece novamente as letras. Criando a curiosidade de que vejamos o filme novamente para encontrarmos outros “easter eggs”.

Mesmo assim, deve-se alertar que o filme não é perfeito e derrapa justamente na composição de uma criatura feita por animação digital, indo longe demais na composição com aspectos retrô dentro do filme. Além disso, há uma abundância de clichês do gênero facilmente identificáveis por qualquer fã do terror. Ainda assim, estes são elementos que mesmo saturados acabam funcionando pelas interpretações poderosas de seus atores principais, com um destaque exemplar para Vera Farmiga como Loraine Warren, Patrick Wilson como Ed Warren e o jovem talento de Madison Wolfe como a pequena e atormentada Janet Hodgson, sendo impossível (graças ao roteiro e atuações) não torcer por cada um dos personagens.

De qualquer forma, “Invocação do Mal 2” conquista de vez logo após seus créditos iniciais ao apostar numa cena a qual, ao som da espetacular música do The Clash “London Calling”, faz uma reconstituição da Inglaterra da década de 70, num primeiro anúncio do caminho que o filme tomaria. A partir de então, com o título do filme sendo lançado na tela numa referência clara de clássicos como “O Exorcista”, o filme se torna uma viagem que assusta e deixa tenso sem relegar seus personagens ao segundo plano. Uma qualidade que já é digna de aplausos a qualquer gênero cinematográfico, mas que engrandece ainda mais o poderoso filme de James Wan.