A Blumhouse e a nova forma de fazer horror
O cinema de terror está melhor do que nunca! O horror (ou terror, como é mais popularmente conhecido no Brasil) dispensa apresentações, nos brindando há mais de um século com monstros e sustos inesquecíveis. Mas a forma de se fazer filmes de terror nem sempre foi a mesma. Passando sempre por altos e baixos, o gênero está constantemente dançando entre a marginalização e o mainstream. Esses dois momentos podem ser notados em sua recente história, que tem na produtora Blumhouse, de Jason Blum, seu maior expoente hoje. A relação entre formas de produção, focadas no talento artístico, além da qualidade dos filmes, provam porque uma “pequena” produtora conseguiu estrear um novo marco na história do gênero. O presente texto pretende observar a produtora Blumhouse e sua nova – ao menos renovada – forma de fazer horror vem oxigenando o gênero.
Horror e baixo orçamento
A marginalidade do horror não é apenas um dos seus charmes: por ser temido e perseguido, nunca pôde contar com grandes orçamentos e distribuição. A obras acabavam indo parar em double features baratos de bairro ou direto para o saudoso VHS. Como baixo orçamento não é necessariamente sinônimo de má qualidade, os monstros se proliferaram desde que foram “expulsos” dos grandes estúdios na década de 1940. O resultado foram relíquias como “O massacre da serra elétrica” (1974) de Tobe Hooper e “Halloween” (1978), de John Carpenter.
A exceção mais notória, nesse caso, fica com o majestoso “O exorcista” (1973), de William Friedkin. Com o riquíssimo orçamento de 12 milhões de dólares, o filme se diferenciava dos outros dois que, juntos, não chegavam a meio milhão. Contudo, ele mesmo sofreu com um boicote interno dos membros da Academia: indicado a 10 óscares, levou apenas 2. Mas apesar de todos os problemas, a verdade é que, com pouco orçamento e sem um estúdio engessando o projeto, os novos diretores de terror puderam revolucionar o gênero, criando uma legião de fãs fiéis.
De volta ao mainstream
Mas o cenário do gênero como um todo começou a mudar quando os estúdios voltaram a querer investir em seus filmes. De olho nas bilheterias e no público já bem estabelecido, diretores renomados e grandes estrelas se viam agora envoltos em grandes produções de monstros, de forma mais massiva do que esporádica. Filmes como “O silêncio dos inocentes” (1991), de Johnathan Demme e “Drácula de Bram Stolker” (1992), de Francis Ford Coppola saltavam aos montes. Mas como nada é de graça, esses filmes passaram a se projetar para um público maior, se afastando do gore e optando por abordagens menos críticas. Sim, o horror é um gênero muito crítico! Ele sempre está disposto a balançar os padrões estabelecidos.
O impacto dessa volta aos estúdios gerou dois momentos. No primeiro, a partir dos anos 2000, monstros se tornam uma máquina acéfala de criar sustos. É o império dos spooky movies, que reinam absolutos nas bilheterias até hoje, se consolidando como máquinas de fazer dinheiro e jump scares. Vazios e preguiçosos como o clichê de uma virada de espelho, com monstros esquecíveis e frágei. Esse período tem como representante mais recente “A freira” (2018), de Corin Hardy, um spin off da franquia da Warner “Invocação do mal” (2013), de James Wan. Com o orçamento de 22 milhões de dólares, o filme teve distribuição internacional quase simultânea, arrecadando mais do que os outros quatro filmes do universo, mesmo tendo sido um fracasso de crítica.
Já no segundo momento, a partir de 2010, surgem aos poucos apostas semimarginais com orçamentos pequenos e liberdade artística que irão deslocar novamente o monstro para seu lugar incômodo. É irônico que o florescimento de um horror mais crítico e contundente tenha sido proporcionado justamente por sua maior característica histórica em todo mundo: o baixo orçamento. Ao longo da história, poucos filmes de horror ganharam prêmios importantes. Poucos foram dirigidos por diretores renomados e laureados. Poucos alcançaram uma bilheteria digna de um filme de grande orçamento, um já nascido arrasa-quarteirão, isto é, com muito investimento e muito retorno. Porém, uma vez alcançado seu espaço, fizeram barulho e muito dinheiro, tornando a exceção histórica quase uma regra.
A Blumhouse e sua pequena revolução
É nesse momento que entra a Blumhouse, criada em 2000 por Jason Blum. O executivo do antigo quadro da Miramax, que trabalhava para Harvey Weinstein, pensou em direcionar suas produções para o terror de micro-orçamento. Seu primeiro hit, no entanto, foi inesperado: trata-se de “Atividade paranormal” (2007), de Oren Peli, lançado apenas em 2009. O found footage quase caseiro de 15 mil dólares acabou obtendo o maior rendimento de todos os tempos (custo/benefício), embolsando a cifra de 200 milhões de dólares. Com “Sobrenatural” (2010), de Leigh Whannell, veio a estabilidade e o nome.
Portanto seria, no mínimo, injusto não dar créditos a uma pequena produtora de nicho que apostou no alinhamento entre horror e maior relevância artística. Evitar riscos na era do streaming e do YouTube tem sido prioridade em todas as produtoras e distribuidoras ao longo do mundo.
Por mais que o cinema não esteja mais diretamente ligado às bilheterias como em outros tempos, um fracasso nas salas ainda pode dificultar a sua venda para TV e para os streamings. Outro fator importante é que se esses filmes forem bem recebidos pela crítica, como têm sido de fato, as portas permanecem abertas para realizadores mais compromissados com o gênero.
Em um mundo onde grandes estúdios estão fazendo menos filmes para se concentrar cada vez mais em franquias baseadas em quadrinhos ou vídeo games, como os heróis da Marvel e DC, o horror se tornou um novo paraíso artístico para o talento. O vazio deixado por dramas de orçamento médio, nos quais diretores e estrelas historicamente deixaram sua marca e ganharam prêmios, está sendo hoje preenchido por essa nova forma de fazer horror.
A Blumhouse e o futuro do horror
Em uma entrevista à jornalista Nicole Laporte em 2018, Jason Blum afirmou que o horror está saindo de um gueto. Os filmes de terror são baratos porque geralmente são filmados em um único local, com poucas ou nenhuma estrela importante. Seus orçamentos giram em torno da casa de 5 milhões de dólares. Para se ter uma ideia, o preço médio de filmes grandes gira em torno de 150 milhões de dólares. O filme de terror “It: a coisa” (2017), de Andy Muschietti é um bom exemplo. Ele teve um orçamento médio de 35 milhões de dólares, alcançando a cifra de 700 milhões mundialmente, e desbancando “O exorcista” como maior bilheteria de horror de todos os tempos. Além disso, esses filmes têm feito mais dinheiro no mercado internacional do que nos EUA.
O modelo da Blumhouse – responsável por filmes como “Corra!” (2017), de Jordan Peele, “Halloween” (2018), de David Gordan Green e “O homem invisível” (2020), de Leigh Whannell, além da série de TV da HBO “Objetos cortantes”, dirigida por Jean-Marc Vallée – é bem fácil: faça um filme muito, muito barato, e terá toda a liberdade que quiser. Nem todo filme será bom, mas suas chances são maiores quando os cineastas conseguem sustentar sua visão sem restrições dos estúdio e preocupações de marketing. Esse aceno livre de preocupações por parte de produtoras como a Blumhouse tem atraído cineastas mais apaixonados pelo gênero e preocupados em alcançar uma excelência artística, mantendo um diálogo político afiado.
Reconhecimento e prêmios
O reconhecimento da estratégia de boas histórias, baratas e distantes do star power – já que Tom Cruise foi incapaz de assegurar algum sucesso para “A múmia” (2017), de Alex Kurtzman – colocou a Blumhouse na direção do projeto do Dark Universe. A Universal pretende relançar seus monstros clássicos dos anos 1930 e 1940) coroado pela bem sucedida refilmagem de O homem invisível.
Nesse ano, a produtora ainda assinou um contrato com a Amazon Prime, cujo nome é “Welcome to the Blumhouse”. O projeto prevê o lançamento ainda em 2020 de quatro filmes. “The Lie” foi dirigido e roteirizado por Veena Sud; “Black Box”, por Emmanuel Osei-Kuffour Jr.; Zu Quirke assina roteiro e direção de “Nocturne”; e “Evil Eye”, foi realizado pela dupla da dupla Elan Dassani e Rajeev Dassani. Três desses filmes são assinados por cineastas iniciantes, o que reitera a proposta da produtora de dar espaço a novos talentos, uma vez que os riscos são controlados.
Por esses motivos, a mudança de “Corra!” para o gênero de comédia em 2017 para concorrer ao Globo de Ouro foi paradigmática. Mas o oscar que Peele ganhou por roteiro original no mesmo ano apenas reforça que esse novo horror, chancelado pela Blumhouse, vem cada vez mais exigindo seu espaço, e não há hora para as luzes se apagarem.