Hoje é Halloween! Essa data especial, nos dias atuais, serve para lembrar os mortos, se fantasiar de monstros e assistir filmes de horror para sentir muito medo. O medo é importante. Foi a partir do medo que a nossa espécie conseguiu se manter viva e, pelo medo, construímos comunidades para nos sentir seguros. As reações fisiológicas estimuladas pela sensação de medo nos torna mais alertas, mais atentos e capazes de ativar uma reação entre lutar ou fugir.
O cortisol, ocitocina, adrenalina, serotonina… todos esses hormônios liberados em um momento de pânico desencadeiam alterações fisiológicas como aumento da frequência respiratória e cardíaca, aumento do foco e da atenção. Quando o nosso sistema límbico entende que não estamos de fato em perigo, a sensação de bem estar causada pela adrenalina é o que vai possuir o indivíduo – muitas vezes causando risadas nervosas. Muitas vezes, estes são os mesmos hormônios liberados em situação de felicidade ou até mesmo de paixão.
Apesar de tudo isso, o “medo” tem características subjetivas. Eu, por exemplo, tenho tripofobia – coloquem no google (ou não) – e isso me causa um desconforto extremo, além de ter medo da aranha e do escuro. Apesar de serem medos comuns, não são universais. Existem vertentes de estudos que dizem que o medo é “culturalista”, que o objeto do medo vai ser diferente em cada indivíduo, grupo, cultura etc. e o medo “naturalista” que consiste em padrões gerais capazes de amedrontar.
Considero ambas as vertentes corretas, até certo ponto. O medo do escuro, do desconhecido, do barulho na cozinha quando você está sozinho na sala de casa… tudo isso causa um grande desconforto, capaz de gerar as reações já citadas, mas, também é comum conhecer quem não se incomoda em vagar pelo escuro – sem temer o demônio se aproximando – e quem sempre culpa o gato pelo barulho desconhecido. O fato é que, sendo indivíduos únicos e pensantes, cada um tem seu medo, específicos ou mais generalizados.
Toda essa introdução para perguntar, afinal, por que assistimos – e gostamos – de filmes de terror? Zumbis, vísceras, sangue, perseguição, gore, demônios, fantasmas e bichos-papão. Qual o sentido de continuarmos consumindo e pagando por algo que nos deixa desconfortáveis e desperta sentimentos tão fortes e intensos?
De acordo com um estudo realizado por uma universidade da Finlândia, as áreas do cérebro estimuladas pelos indivíduos que assistiam filmes de terror eram áreas ativadas quando sentimos algum que consideramos real, tangível, e as principais reações eram o aumento da percepção visual e auditiva, além do impulso no processamento de emoções e na tomada de decisões.
Porém, vale ressaltar que, apesar do medo ser bem real, os filmes são situações de pânico controlado. Não estamos realmente em perigo ao assistir algo – a menos que seja a fita de O Chamado (2002). Ou seja, nós sentimos as mudanças fisiológicas e a recompensa no final sem correr de fato risco nenhum de ser perseguido por algum assassino mascarado ou monstro implacável.
Margie Kerr, socióloga, aponta outras características interessantes sobre porque gostamos de filmes assustadores. Nós conseguimos, através da experiência de assistir alguém ser perseguido, aumentar nossa capacidade empática, nos importando com os personagens e criando laços afetivos Isso pode até mesmo ser um dos motivos que nos torna mais propensos a repetir a situação, a sensação de torcer por alguém.
Outro ponto apontado por Kerr é que, assim como nós mudamos ao crescer, nossas experiências com a vida e com as obras de terror também mudam. É muito comum você assistir algo quando criança que dava muito medo e, quando mais velho, não vê nada demais. Suas experiências alteram sua percepção sobre o que pode ser, ou não assustador. Mas também é muito comum você assistir um filme mais novo e, ao reassistir depois de anos, captar muitas mensagens não entendidas da primeira vez.
A compreensão do subtexto do horror é muito importante para fazer com que consigamos nos pôr no lugar dos personagens e isso é interessante pois, novamente, nos transporta a uma situação de traumas e medos pessoais que podemos superar através de terceiros, sem precisar nos expor ao estímulo nocivo. Tomar o mundo fictício por algo mais significativo e conseguir transformar a experiência do filme em algo catártico, como acompanhar uma final girl que sobrevive e, além de tudo, desce a porrada no seu perseguidor.
Uma experiência pessoal minha foi com o filme No Cair da Noite (2003). Para quem não conhece, esse filme é um horror com a fada dos dentes, que espreita no escuro e mata quem consegue vê-la. Com meus jovens oito anos de idade acabei assistindo esse filme com a minha família e a experiência foi tão traumática que eu simplesmente não conseguia dormir sem me cobrir completamente – algo que é simbolizado no filme – e sempre imaginava que a bruxa estava me observando no quarto. Por anos eu tive essa sensação de estar sendo observado no escuro e tudo remetendo a esse filme. A uns cinco anos atrás eu decidi rever o filme e, pasmem, ele é bem ruim e eu ri bastante assistindo, me ajudando muito a superar o medo.
Essa minha experiência, aliás, é outro grande motivo de assistirmos a filmes de terror. Sabe quando vemos O Exorcista (1973) ou Holocausto Canibal (1980) pela primeira vez, mesmo com medo ou nojo, mas chegamos até o fim? Sabe aquela sensação de felicidade por conseguir ter aquela experiência, mesmo com medo? Essa é uma experiência catalisadora que pode te fazer assistir a muita coisa que você antes julgava impossível, que te deixa desconfortável. O prazer da recompensa anula quase que completamente o medo.
O último ponto que tinha a ressaltar, já citado acima, é a tomada de decisões. O ser humano é julgador de forma nata. O entusiasmo de julgar as decisões erradas realizadas por protagonistas burros nos deixa com raiva, mas, ao mesmo tempo, nos deixa orgulhosos já que inconscientemente nos sentimos superiores aos mocinhos que vemos em tela, aguçando nossos sentidos. Até porque não somos burros o suficiente para ler as inscrições em uma língua estranha de um livro feito com carne humana, não é mesmo?
Enfim, existem diversos motivos, científicos e empíricos, para filmes de terror serem consumidos cada vez mais e talvez você se identifique com alguns dos citados acima, talvez não, mas o que importa é que não há nada de errado em gostar do gênero, até porque “filmes não criam psicopatas”.