De 1930 a 1968, nos Estados Unidos, estava em vigor o Código de Produção de Cinema, mais conhecido como Código Hays, que tinha como objetivo a regulação dos filmes produzidos pela indústria do país através de normas que prezavam pela “moral e bons costumes”. Com a lista do que podia ou não podia ser mostrado, vários cineastas da época sofreram o boicote e a proibição de exibição de seus longas motivados pelos princípios de seus censores.
Com o enfraquecimento e posterior substituição do Código Hays pelo sistema de classificação indicativa, vigente até hoje, a sensação de “liberdade” para produção de obras mais ousadas deu início a uma corrente de filmes cada vez mais sangrentos e desafiadores: os filmes splatter (ou gore).
Com o termo cunhado pela primeira vez por George A. Romero ao se dirigir sobre o seu próprio filme, O Despertar dos Mortos, de 1978, o subgênero do horror se popularizou cada vez mais, dando origem a um dos maiores e mais controversos estilos cinematográficos. Com seus altos e baixos, o splatter brinca com a fragilidade humana e o desejo primitivo do ser humano por violência.
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Apesar do termo ter se popularizado no fim dos anos 1970, não significa que não existissem filmes do gênero anteriormente. Em 1916 o diretor – e racista – D. W. Griffith lançou Intolerância (Intolerance), um filme que provocava os críticos de seu filme anterior, o polêmico O Nascimento de Uma Nação (The Birth of a Nation, 1915), que exaltava a Ku Kux Klan. Em Intolerância, o diretor retratou decapitações em tela pela primeira vez, fazendo alusão aos sangrentos espetáculos do famoso Teatro Grand Guignol, de Paris. O Grand Guignol foi palco de diversas obras extremas contendo violência gráfica tão real que eram comuns desmaios, gritos e pessoas vomitando.
Mas o que é considerado por muitos o primeiro filme splatter do cinema foi o longa Banquete de Sangue (Blood Feast), de 1963, dirigido por Herschell Gordon Lewis (que carrega a alcunha de “padrinho do gore” desde então). Narrando a história de um assassino que busca partes femininas para realizar uma oferenda a uma divindade egípcia, o longa utiliza toda a brutalidade e as vísceras do subgênero na intenção de chocar com a violência gratuita. O filme foi massacrado pela crítica na época – e até hoje não é muito admirado em questões técnicas – mas foi um sucesso de bilheteria, ganhando notoriedade justamente por conta das controvérsias criadas pelos maiores críticos ao filme.
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Em 1970 foi lançado Eu Bebo Seu Sangue (I Drink Your Blood), do diretor David E. Durston, que foi o primeiro filme a receber a maior classificação etária da indústria devido apenas a violência explícita, e não sexo – o que era mais comum de se censurar. O longa que narra as desventuras de uma comunidade aterrorizada por membros de um culto infectados com raiva possui cenas consideradas extremamente perturbadoras na época.
A década de 80 foi, talvez, o momento em que o splatter mais brilhou. Filmes como Holocausto Canibal (Cannibal Holocaust, 1980), Uma Noite Alucinante: A Morte do Demônio (Evil Dead, 1981), Re-Animator (1985), a série Guinea Pig (Za ginipiggu) e Hellraiser – Renascido do Inferno (Hellraiser, 1987) são apenas alguns dos filmes do subgênero que causaram mais comoção e foram mais aclamados.
O falso documentário Holocausto Canibal foi tão controverso e realista que as polêmicas foram parar no tribunal. O diretor Ruggero Deodato, que, ciente da possível repercussão, colocou uma cláusula no contrato dos atores que dizia que eles não poderiam aparecer durante um ano para dar a impressão de que eles estavam realmente mortos, precisou ele mesmo pedir para a cláusula ser rompida quando foi intimado por um juiz para responder às acusações de ter matado os atores do filme, além de acusações de crueldade animal (que, aliás, realmente aconteceu).
A série de filmes japoneses Guinea Pig tem uma história similar, onde ninguém menos que o ator Charlie Sheen (Dois Homens e Meio) denunciou o segundo filme da série ao FBI pois acreditava ser um filme snuff (filmes com gravações de mortes reais). A qualidade e atmosfera perturbadora do filme fez com que não só Charlie, mas outras pessoas também denunciassem o filme sob suspeita de que se tratava de assassinatos reais. Tudo foi esclarecido quando os envolvidos lançaram um documentário que acompanhava o making off do filme.
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A Morte do Demônio rende frutos até hoje. A franquia virou série de TV, Ash vs. The Evil Dead (2015) e finalizou uma trilogia, onde, a partir de seu segundo longa, Uma Noite Alucinante II (Evil Dead 2), levou a história de Ash Williams para uma mistura de horror gore e comédia, classificada pelo termo slapstick – um gore mais voltado para a galhofa.
Ainda nos anos 80 e 90 o terror foi tomado quase que completamente pelos filmes slasher adolescentes, criando, entre outras, as franquias Sexta Feira 13 (1980), A Hora do Pesadelo (1984), O Boneco Assassino (1988), Pânico (1996) e Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado (1997). O slasher, obviamente, bebe bastante da fonte do splatter, incorporando seu sadismo e efeitos práticos de sangue e tripa como parte fundamental do desenrolar da história assim como costuma utilizar de um erotismo exacerbado, com cenas de sexo e nudez que se tornaram inclusive um clichê utilizado em diversas sátiras como em Todo Mundo em Pânico (2000) e O Segredo da Cabana (2012).
Mas o que diferencia os subgêneros é que no slasher existe também uma grande influência do giallo, subgênero italiano que prezava pelo uso das sombras e do subentendido para gerar suspense. No splatter isso não existe. O lema é: quanto mais gráfico, melhor.
Apesar da maior incorporação ao slasher durante as décadas de 1980 e 1990, nos anos 2000 o splatter ganhou uma revitalização nos cinemas, além de ganhar uma “nova roupagem”. Com filmes como Ichi, O Assassino (2001) – que inspirou o Heath Ledger na criação do seu Coringa –, Cabana do Inferno (2002), Amanhecer dos Mortos (2004), entre outros, o subgênero voltou a criar interesse no público.
Também nos anos 2000, houveram duas vertentes do splatter que dominaram (e até hoje fazem sucesso com os fãs) os cinemas mas principalmente o home videos: o torture porn e o Novo Extremismo Francês.
O torture porn, cunhado pelo crítico David Edelstein, foi um termo usado para se referir a filmes que levam a glamourização da violência ao próximo nível, tornando as torturas e as eviscerações o verdadeiro objeto do filme, primário ao roteiro ou qualquer outra temática. Os principais filmes desse estilo são Jogos Mortais (2004), O Albergue (2005) e A Centopeia Humana (2009).
Já o “Novo Extremismo Francês” foi o termo cunhado pelo crítico James Quandt para falar sobre os filmes subversivos desenvolvidos no país que narravam histórias de com forte apelo gráfico e com foco na desilusão humana com a vida. Embora o subgênero não possua em seu core apenas filmes sangrentos – Espionagem na Rede (2002) é um exemplo –, existem muitos exemplares violentos e desconfortáveis como Em Minha Pele (2002) e o mais conhecido Mártires (2008).
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É bom ressaltar que, apesar de ser um estilo de filme que costuma ser tido como algo que beira o trash, existem filmes que suscitam uma crítica social, como críticas aos papéis de gênero, ao consumismo, a polícia etc. O sucesso e resistência do splatter pelas décadas levanta um debate sobre: por quê gostamos de sentir medo e repulsa? Mas essa questão é um caso para outro momento.
Esse foi um resumo rápido sobre o splatter e como o subgênero influenciou o horror que consumimos e amamos até hoje. Comenta com a gente aqui embaixo qual o seu filme preferido do gênero!