MW-EQ389_amityv_ZG_20160629095319

História | Casas Mal-Assombradas nos Tribunais

Imagine o seguinte cenário: você alugou uma casa, mas ela é assombrada por fantasmas assustadores. O que fazer? Você tem direito ao ressarcimento do aluguel? Esses dois julgamento do século XVI podem te ajudar a entender:

A Construção Mal-Assombrada de Tours

A primeira história que contaremos hoje aconteceu em pleno século XVI. Em 1573, na cidade de Tours, na França, Gilles Bollacre alugou uma propriedade de Daniel Macquerel. O contrato de aluguel teria duração de 5 anos. O locatário pagou 14 meses adiantado, contudo, após o fim desse período, Bollacre pediu para romper o contrato. O motivo? A propriedade era mal-assombrada.

A construção alugada era grande, iria abrigar o comércio de Bollacre. Os seus funcionários, no entanto, se tremiam de medo toda vez que iam trabalhar, pois viam uma aparição assustadora que parecia não gostar muito que eles estivessem ali. A confusão foi parar nos tribunais, afinal, quebra de contrato era coisa séria.

O juiz nomeou alguns interventores para analisarem o caso de perto, eles investigaram o local e as casas vizinhas, a fim de verificar se não havia barulhos que poderiam ser mal-interpretados. A conclusão do relatório foi surpreendente. O fantasma que assustava os comerciantes era a falecida esposa de Macquerel que, aparentemente, voltara do túmulo pois não queria gente nova morando onde um dia ela viveu. Acontece que a parte da construção alugada por Bollacre correspondia justamente aos cômodos da mulher.

Com o relatório favorável à assombração, o juiz autorizou a quebra do contrato sem a necessidade do pagamento da multa prevista. Olha a jurisprudência aí! Mas esse caso ainda é tranquilo em comparação ao próximo, então segue o texto!

A Casa Mal-Assombrada de Bordeaux

Em 1591, na cidade francesa de Bordeaux, a viúva Louise Bouard decidiu alugar uma casa para Pierre La Tappye. O contrato firmado previa três anos de aluguel. Os dois primeiros anos se passarem de modo tranquilo, porém, ao término deles, o locatário pediu o rompimento do contrato pois não aguentava mais morar no local. A senhora Bouard não aceitou.

Muito inteligente, La Tappye decidiu sublocar a casa. Em 07/05/1594, Henry Guyton passou a ser o novo morador da casa. Apenas dois ou três meses depois da mudança, o novo morador saiu correndo de sua morada e a declarou inabitável por conta dos espíritos que a assombravam.

Guyton reclamou de um menino que aparecia de três a quatro vezes na semana, todo vestido de branco. Durante o dia, o fantasma se contentava em atormentar o morador com barulhos e objetos se mexendo. O verdadeiro problema era à noite. Quando Guyton ia dormir, a criança fantasma se aproximava de seu leito, subia na cama e se sentava em sua barriga e, com as mãos, fechava sua boca, o sufocando e o impedindo de gritar por ajuda.

Um exorcista foi chamado para expulsar o espírito, mas não obteve êxito. O fantasma continuava presente na casa. Louise Bouard entrou na justiça para receber o aluguel previsto no contrato. O advogado de La Tappye, o locatário, afirmou que, devido à casa ser mal-assombrada, o contrato deveria ser rompido. A defesa se sustentava em uma lei que permitia o rompimento do contrato em caso de peste.

Explicando melhor, em Bordeaux havia uma lei que permitia o rompimento do contrato de aluguel caso o locatário abandonasse a casa por medo da peste. O que o advogado de La Tappye fez, foi argumentar que pestes e fantasmas eram males parecidos.

O juiz, André de Nesmond, deu ganho de causa ao locatário. Não só ele ganhou o direito de romper o contrato, como ainda recebeu uma indenização da proprietária! Moral da história: sempre verifique muito bem o local antes de alugá-lo, você não quer nenhum fantasma subindo na sua cama, não é mesmo?

 

Referências
  • CALLARD, Caroline. Le temps des fantômes: Spectralités d’Ancien Régime XVIe-XVIIe siècle. Paris: Fayard, 2019.
  • Arquivos Nacionais da França: X/1a/5062, fol. 189r-192v.