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Bruxas no Cinema: 5 filmes da década de 1960 para assistir

O cinema de horror é povoado por monstros antigos, como bruxas, vampiros e lobisomens. Apesar de estes personagens parecerem invenções da literatura e do cinema, na verdade eles possuem raízes muito mais antigas.

Todos já vimos filmes, lemos livros e escutamos histórias sobre bruxas más que se alimentam de criancinhas, fazem feitiços e poções e se comprometem com alguma entidade ruim, certo? Por mais que nossa mente esteja repleta de exemplos cinematográficos e literários, a bruxaria e as bruxas são questões históricas extremamente complexas (não é à toa que estudos sobre esses temas nunca se esgotam!) que contam com origens situadas muito antes das famosas caças às bruxas aconteceram (é sempre interessante lembrarmos como as pessoas não acordaram de um dia para outro com medo de bruxaria, bruxas e magia. Foi um processo lento e influenciado por inúmeros fatores!).

Esse estereótipo negativo da bruxa como a mulher maligna associada ao Diabo, o qual estamos acostumados a assistir e ler, é resultado de uma tradição milenar que liga as mulheres ao Mal (discutimos um pouco acerca do Mal feminino no RdMCast #207, o qual você confere aqui). Unido a questões políticas, culturais e religiosas da época, isso foi o “suficiente” para incitar as famosas perseguições e fogueiras (com exceção da Inglaterra e Nova Inglaterra onde as bruxas eram enforcadas e não queimadas).

A associação entre mulheres e bruxaria foi ainda mais destacada por escritos como O Martelo das Feiticeiras (originalmente conhecido como Malleus Maleficarum), publicado por dois frades germânicos em 1487 e que é até hoje a obra mais famosa sobre os delitos de bruxaria, mas não a única. O Martelo estabelece uma ligação direta entre o feminino e a bruxaria demonolátrica, ou seja, aquela que venera ao Diabo. Apesar da sua fama, é sempre importante relembrar que o discurso antifeminino presente na obra, que associa mulheres ao Mal e ao Diabo, não foi uma novidade, ganhando impulso a partir do final da Idade Média.

Ao contrário do que frequentemente se acredita, o auge das caças às bruxas não foi durante o Medievo, mas sim durante a Modernidade. O apogeu ocorreu entre 1560 e 1630, variando muito entre os territórios. Nesse sentido, é sempre importante não generalizarmos as perseguições, pois estas variaram cronológica, sociológica e geograficamente. O maior número de mortes e perseguições, contudo, ocorreu nas terras germânicas de fala alemã e em seus vizinhos imediatos, como a Polônia.

Mesmo com o fim das perseguições, as bruxas continuaram vivas na nossa imaginação em livros, filmes e programas de TV e o tema das perseguições continua fascinando e intrigando todos nós. São personagens recorrentes no cinema, seja em produções silenciosas como o filme sueco-dinamarquês Häxan (Benjamin Christensen, 1922) ou clássicos estadunidenses como O Mágico de Oz (Victor Fleming, 1939).

Contudo, foi no horror que elas mais se destacaram. Neste gênero cinematográfico que tanto amamos, filmes com bruxas malignas e ambiciosas se popularizaram principalmente a partir dos anos 1960, década na qual essa série de textos começa. Não sabe o que assistir durante essa quarentena? Está de casa de bobeira sem ter o que fazer? Tem interesse em bruxas, mas não sabe por onde começar? Vem comigo que hoje vou te indicar 5 filmes de bruxas da década de 1960 para assistir.

A MALDIÇÃO DO DEMÔNIO (1960)

Também conhecido como A Máscara de Satã esse é um filme imprescindível tanto para quem gosta de bruxas quanto para os fãs de horror no geral. Dirigido pelo mestre italiano Mario Bava, a história se inicia no século XVII na Moldávia, quando a bruxa Asa (interpretada pela maravilhosa Barbara Steele) é condenada à morte junto com seu amante e cúmplice. Atentem que na versão original, seu crime era ainda mais polêmico, pois seu amante era também seu irmão. Contudo, tal detalhe foi barrado pelos censores e cortado das versões britânica e estadunidense.

Antes de morrer (uma morte bem horrível e marcante, diga-se de passagem), ela chama pelo Diabo e jura vingança contra toda sua família e descendentes. Duzentos anos depois, Asa é acidentalmente ressuscitada por dois viajantes que exploram sua cripta e inicia uma implacável vingança enfeitiçando, seduzindo e assassinando os homens da região e tentando roubar o corpo de sua descendente Kátia, a qual possui uma inegável semelhança física com a bruxa (ambas são interpretadas por Steele).

O filme é um clássico do gótico italiano e um ótimo trabalho de Bava. É baseado vagamente no conto do escritor Nikolai Gogol, Viy, o qual possui uma adaptação cinematográfica soviética homônima de 1967. Misturando horror, sexualidade, violência e bruxaria, a obra chama atenção pelas belíssimas cenas, pelos diálogos recheados de blasfêmia e pela atuação de Steele, em um papel duplo memorável. Vale a pena conferir também pela cena inicial de execução da bruxa e pela maquiagem feita em Steele, as quais frequentemente rendem um lugar para o filme na lista de momentos mais assustadores do cinema.

Barbara Steele como a bruxa Asa

Contando com altas doses de violência para o padrão da época, a obra foi proibida no Reino Unido até 1968 e altamente censurada e modificada para ser lançada nos Estados Unidos em 1961. Entretanto, isso não atrapalhou seu sucesso de bilheteria nem sua alçada à fama. A Maldição do Demônio também influenciou diversos outros filmes sobre bruxas, assim como o trabalho de cineastas como Tim Burton e Francis Ford Coppola em Drácula de Bram Stoker (1992).

Curiosidade: considerada a sacerdotisa do horror, Barbara Steele possui inúmeros papeis marcantes. Vale a pena conferir: O Poço e o Pêndulo (dirigido pelo magnífico Roger Corman, 1961), O Horrível Segredo do Dr. Hitchcock (1962), Dança Macabra (1964), A Máscara do Demônio (1965), The She Beast (1966), Um Anjo para Satã (1966) e A Maldição do Altar Escarlate (1968).

HORROR HOTEL (1960)

Lançado no mesmo ano de A Maldição do Demônio, o britânico Horror Hotel se inicia em 1692 na cidade fictícia de Whitewood, Massachusetts, com a bruxa Elizabeth Selwyn (Patricia Jessel) sendo queimada na fogueira. Antes de morrer, Elizabeth e seu cúmplice vendem suas almas para o Diabo em troca de vida eterna e vingança contra os habitantes da cidade. Na primeira versão lançada nos Estados Unidos, alguns minutos dos diálogos foram removidos, inclusive algumas falas iniciais em que a bruxa pede ajuda ao Diabo.

Mais de duzentos anos depois, o filme mostra o professor universitário de História, Alan Driscoll (Christopher Lee), aconselhando a estudante Nan Barlow (Venetia Stevenson) a visitar a cidade de Whitewood durante as férias para aprofundar sua pesquisa sobre bruxaria (a mensagem do filme é clara: nunca confiem em historiadores/as!). Seguindo o conselho do professor, a jovem se hospeda em uma pousada construída exatamente no local onde a bruxa foi queimada anos antes. O local é administrado pela Sra. Newless, na verdade, Selwyn, que teve seu pedido atendido pelo Diabo e agora lidera um covil de bruxas satânicas que para manter a imortalidade devem sacrificar anualmente duas jovens virgens. Obviamente, Nan é atraída para uma armadilha e desaparece. Duas semanas depois, seu noivo e seu irmão resolvem investigar e vão atrás dela com ajuda de Patricia, a neta do padre de Whitewood.

Patricia Jessel e Christopher Lee

Ao escolher o estado de Massachussets na Nova Inglaterra (atual Estados Unidos) e o ano de 1692 para os eventos inicias do filme, Horror Hotel faz uma inteligente e gostosa alusão aos acontecimentos históricos da cidade de Salem, também situada no estado de Massachussets e conhecida pelas acusações e julgamentos de bruxaria entre 1692 e 1693.

Essa produção britânica, considerada a primeira do estúdio Amicus (conhecido como o grande rival da Hammer) e obra de estreia do cineasta John L. Moxey, vale a pena ser conferida pela atuação de Patricia Jessel como a maligna Selwyn e pela pequena participação de um jovem Christopher Lee, assim como pelo enredo que agrada qualquer fã de horror. Além do mais, o filme se destaca pela ambientação da cidade de Whitewood que encoberta por uma névoa intensa, povoada por moradores suspeitos e marcado por cemitério em ruinas é para lá de macabra.

Curiosidade: lançado apenas três meses depois de Psicose de Alfred Hitchcock, ambos possuem semelhanças marcantes: uma protagonista loira, presumidamente a mocinha da trama, que viaja sozinha, se hospeda numa pousada e desaparece, quebrando com as expectativas do público, sendo que seus familiares e amigos vão atrás investigar.

A FILHA DE SATÃ (1962)

Com um título em português que não faz muita alusão ao original, A Filha de Satã (no Reino Unido: Night of the Eagle e nos EUA: Burn, witch, burn!) é um filme de 1962 dirigido por Sidney Hayers e baseado no livro de 1943 do escritor estadunidense Fritz Leiber, Conjure Wife. A história é centrada num cético professor universitário de psicologia, Norman Taylor, (Peter Wyngarde) que leciona sobre sistemas de crença e superstição. Contudo, ele logo descobre que sua querida esposa, Tansy (Janet Blair) está praticando magia (nada maligna, só para deixar registrado) em favor do sucesso de sua carreira acadêmica. Irritado e acreditando que tudo não passava de uma superstição boba por parte de sua companheira, o professor queima todos os instrumentos de magia utilizados por ela. Contudo, ele não contava com o fato de que as coisas começariam a dar muito errado a partir dai.

Janet Blair e Peter Wyngarde

O filme não é muito conhecido e se diferencia das outras produções desta lista por representar a bruxaria e magia de maneira diferente, com os feitiços e poderes retratados em um ambiente cotidiano e muito mais “próximo” do espectador/a, além de constantemente contrapostos com a racionalidade do personagem Norman. Outro ponto interessante é a rivalidade acadêmica entre o professor e seu outro colega, Lindsay Carr (Colin Gordon), que desencadeia consequências catastróficas. Vale a pena conferir pela trama que te prende até o fim, pela direção de Hayers e pela atmosfera de horror e suspense que é muito bem conduzida.

BRUXA: A FACE DO DEMÔNIO (1966)

Produzido pela Hammer e dirigido por Cyril Frankel, o filme conta a história de uma professora, Gwen Mayfield (Joan Fontaine), que é contratada por um casal de irmãos, Alan e Stephanie Bax (Alec McCowen e Kay Walsh, respectivamente), para comandar uma pequena escola particular em um vilarejo rural na Inglaterra. Stephanie é uma rica, extrovertida e famosa jornalista, conhecida por seus comentários e textos inteligentes. Logo, ela e Gwen se tornam amigas, enquanto Alan se mostra mais tímido e excêntrico, com o estranho hábito de se vestir como padre mesmo não sendo um (sim, isso mesmo que você leu!). Contudo, aos poucos a professora passa a notar o comportamento estranho dos moradores da cidade e fatos estranhos e inexplicáveis acontecem, até que por fim ela descobre que a cidade está sob a influência de um poderoso culto demonolátrico liderado por uma bruxa com um sinistro objetivo.

A produção conta com atuações sensacionais de Joan Fontaine e Kay Walsh, além de um roteiro intrigante que te prende até o fim. Vale a pena conferir também pela ambientação e os estranhos habitantes da pequena cidade que conferem ao filme uma aura à la O Homem de Palha (1973). Fique atenta/o para o clima perturbador e quase histérico do clímax do filme.

Joan Fontaine como a professora Gwen

Misturando sutilmente elementos de bruxaria conhecidos no imaginário popular (como o famoso companheiro animal da bruxa chamado de familiar) o filme pode não ser a obra mais famosa da Hammer, mas mesmo assim merece ser conferida!

Curiosidade: esse é um dos últimos papeis cinematográficos da famosa Joan Fontaine, que recebeu um Oscar em 1941 pela sua atuação no filme Suspeita dirigido por Alfred Hitchcock. Outra ótima contribuição da atriz com o diretor é Rebecca, a Mulher Inesquecível (1940) que merece ser assistido!

O CAÇADOR DE BRUXAS (1968)

O último filme dessa lista é um pouco diferente, mas em compensação traz Vincent Price em um dos melhores papeis de sua carreira. Dirigida pelo britânico Michael Reeves (que em sua curta jornada como cineasta também dirigiu o filme The She Beast com Barbara Steele), a obra não é exatamente sobre bruxas, mas sim sobre caça às “bruxas”.

Ambientado em 1645, durante a Guerra Civil Inglesa, o filme segue as atrocidades cometidas por Matthew Hopkins, um autointitulado e sádico caçador de bruxas que promove um reinado de terror por onde passa. Com o objetivo de enriquecer, ele e seu ajudante, John Stearne (Robert Russell) se deslocam entre vilarejos arrancando confissões de bruxaria por meio de tortura e maus tratos. Contudo, eles passam a ser perseguidos pelo soldado Richard Marshall (Ian Ogilvy) que deseja vingança após a dupla ter atacado e abusado de sua noiva Sara (Hilary Dwyer) e executado o tio da moça.

A produção, baseada no livro Witchfinder General (1966) do escritor britânico Ronald Bassett, é um relato bastante fictício da vida de Matthew Hopkins, que existiu de verdade! (assim como Stearne). Entre 1645-47, o condado de Essex na Inglaterra foi um dos lugares de atuação deste famoso e autointitulado caçador de bruxas que realizava perseguições com o intuito de ganhar dinheiro. Hopkins ficou conhecido por seus métodos de tortura, como privar por dias as acusadas de sono e espetar em seus corpos afiadas agulhas para encontrar as “marcas da bruxa”.

Como consequência, diversas mulheres confessavam relatos de terem encontros noturnos, assinado pactos com o Diabo com o próprio sangue e mantido relações sexuais com demônios. O interessante é que Hopkins não possuía muito apoio de seus pares e era uma das poucas figuras na tradição inglesa que acreditava que as bruxas se encontravam regularmente em sabás para venerar o Diabo e planejar ações malignas (a Inglaterra possuía uma tradição de bruxaria muito diferente de outros territórios, como a Alemanha). Ele inclusive escreveu um panfleto sobre o assunto em 1647: The Discovery of Witches. Cerca de 250 pessoas foram acusadas nos julgamentos em Essex e 71 sentenciadas à morte.

Vincent Price como Matthew Hopkins

O filme de Reeves possui cenas de tortura e violência que eram consideradas extremamente sádicas na época, o que desagradou muitos censores e críticos, mas não impediu o sucesso de bilheteria nos Estados Unidos, por exemplo.

Além de todas as referências históricas, vale a pena conferir pela atuação de Price como o perverso Matthew Hopkins, que como sempre está maravilhoso. Apesar de alguns excessos na dose de violência, o filme também merece atenção pela ótima direção e o enredo, principalmente o desfecho, que conseguem passar um pouco dos horrores das perseguições.

O Caçador de Bruxas influenciou diversas outras produções cinematográficas da década de 1970 sobre bruxaria, as quais vamos conferir no próximo texto dessa série, fiquem ligados! 🙂