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Entrevista com Felipe M. Guerra

Diretor do icônico Entrei em Pânico ao Saber o que Vocês Fizeram na Sexta-feira 13 do Verão Passado (2001) e sua continuação Entrei em Pânico ao Saber o que Vocês Fizeram na Sexta-feira 13 do Verão Passado Parte 2 – A Hora da Volta da Vingança dos Jogos Mortais de Halloween (2011), Felipe M. Guerra é um apaixonado por filmes de horror. O diretor gentilmente nos concedeu uma entrevista contando um pouco de seu processo criativo e falando sobre suas inspirações e paixões:

 

1 – Vamos começar igual o famoso assassino, qual o seu filme de horror favorito?

Argh, já começou com pergunta difícil! O caso é: sou incapaz de fazer listas. Se tento fazer, depois fico me sentindo um idiota por ter esquecido um filme ou outro. Ontem, por exemplo, eu revi “Phantasm”, do Don Coscarelli. Eu não diria que é o meu filme de horror favorito, mas certamente é um deles. Certamente, também, é a minha franquia de horror predileta, porque as continuações realmente continuam a trama em vez de apenas repetir a mesma coisa toda vez. Mas escolher um filme só como favorito é muito difícil. Eu já pensei muito na questão e certa vez considerava “Halloween”, do John Carpenter, o filme de horror perfeito, porque a maneira como ele trabalha o clima, os sustos, a tensão, a figura do vilão, é algo ímpar. Talvez seja o melhor filme para alfabetizar crianças pequenas em cinema de horror. Por outro lado, o filme que me fez gostar do gênero foi “Um Lobisomem Americano em Londres”, do John Landis. Ele tem um equilíbrio perfeito de terror e humor que acho que é essencial em qualquer obra do gênero. E num universo com obras-primas como “O Massacre da Serra Elétrica”, do Tobe Hooper, “O Enigma do Outro Mundo”, do Carpenter, e “Dawn of the Dead / O Despertar dos Mortos”, do George A. Romero, fica realmente difícil escolher um único preferido. Acho que se eu estivesse naquela famosa cena do “Pânico”, eu provavelmente nunca seria assassinado porque ia ficar falando uns cem filmes de horror para o Ghostface e ele ia pegar no sono, ou desistir de me matar!

2- Quais foram as maiores influências para o seu trabalho enquanto diretor?

Quando eu comecei a fazer meus próprios filmes, tive duas inspirações principais: Ed Wood e José Mojica Marins, o nosso Zé do Caixão. E por favor, não estou comparando a obra deles nem fazendo qualquer juízo de valor. Isso aconteceu porque tempos antes eu tinha visto “Ed Wood”, do Tim Burton, que tornou-se um dos meus filmes preferidos de todos os tempos, e lido “Maldito”, a maravilhosa biografia do Mojica escrita por André Barcinski e Ivan Finotti. Algo no tesão que o Ed e o Mojica tinham pelo fazer cinema me contagiou para sempre, aquela coisa meio ‘do it yourself’, de dois fodidos sem condições e sem dinheiro para serem cineastas, mas cheios de energia, querendo dirigir seus filmes de qualquer jeito, com uma trupe formada por amigos, todos fazendo as coisas do melhor jeito diante das circunstâncias. Praticamente todos os filmes que eu fiz na vida tem essa mesma pegada. Porque vendo/lendo as histórias de ambos, e conhecendo melhor sua obra, eu pensei comigo mesmo que não havia desculpa para não tentar também. Então pronto, foram Mojica e Ed Wood que me iniciaram nessa coisa do amor incondicional pelo cinema. Depois foram muito inspiradores o catarinense Petter Baiestorf, que também estava fazendo longas produzidos em vídeo numa cidade do interior, assim como eu (no caso dele, em Santa Catarina), e me mostrou que o caminho era possível, não era uma loucura como parecia de início. E claro, quando falamos em anos 1990, a carreira dos cineastas norte-americanos Robert Rodriguez e Quentin Tarantino também era inspiradora. Não só por essa coisa pós-moderna de jogar todos os filmes, livros, músicas e gibis lidos na vida no liquidificador para tentar criar novo a partir de coisa velha, mas também pela trajetória e história de vida, de serem dois caras surgidos do nada que de repente tornaram-se grandes e respeitados diretores. Acho que muita gente da minha geração cresceu com este mesmo sonho da “Geração Sundance”, de fazer um pequeno filme amador entre amigos – tipo o “El Mariachi” (1992), que foi a estreia do Rodriguez –, ou algo bem pequeno e quase teatral como “Cães de Aluguel” (1992), do Tarantino, e de repente conseguir vender o filme por uma fortuna e ser contratado para trabalhar em Hollywood. Óbvio que soava mais fácil do que realmente era, e a maioria continuou fazendo seus filmes de garagem pelo resto da vida…

Entrei em Pânico ao Saber o que Vocês Fizeram na Sexta-Feira 13 do Verão Passado - 22 de Dezembro de 2001 | Filmow
Pôster de Entrei em Pânico ao Saber o que Vocês Fizeram na Sexta-feira 13 do Verão Passado (2001)

3- Uma cena muito emblemática é quando os personagens trocam O Massacre da Serra Elétrica (1974) por Fome Animal (1992). Esses dois filmes possuem estilos e propostas diferentes. Confesso que ri muito e me identifiquei muito com as falas de Goti. Como foi a sua descoberta de Fome Animal (1992)? Lembra a primeira vez que o assistiu? Como esse filme em específico te impactou?

Acredita ou não, “Fome Animal” passou nos cinemas brasileiros em 1994 e eu li uma crítica do longa na Revista SET. Porque na época não existia internet e a gente ainda precisava comprar revistas para ler sobre filmes; olha que loucura, faz só vinte-e-poucos anos mas parece a pré-história! E eu fiquei louco para ver o filme, mas obviamente ele nunca chegou aos cinemas da minha região, no interior do Rio Grande do Sul. Então só fui ver “Fome Animal” quando saiu em VHS anos depois, mas foi amor à primeira vista. Para mim é o melhor filme do Peter Jackson, e eu acho que caras como ele não se dão muito bem trabalhando em Hollywood com grandes orçamentos, parece que a toda a inventividade deles vem de fazer cinema com alguns trocados e total liberdade.

“Fome Animal” me impactou muito pela maneira como ele mescla horror e humor, mas especialmente pela energia do filme. Parece que todo mundo ali está ligadão, sob efeito de cocaína ou algo mais pesado: a câmera nunca para, está sempre em movimento; a montagem é dinâmica, parece que nunca tira o pé do acelerador; e o sangue fica jorrando o tempo inteiro, de repente lembra aquelas guerras de tortas das comédias de antigamente e todo mundo leva sangue e gosma na cara. Tentei repetir isso em vários dos meus filmes depois, principalmente no final de “Entrei em Pânico… Parte 2”. Eu sempre achei divertido isso do banho de sangue falso. É tão absurdo e sem noção que a violência deixa de ser chocante para tornar-se algo mais escatológico, mais engraçado, que faz o público rir de nervoso. Enfim, é o extremo oposto de “O Massacre da Serra Elétrica”, que sugere mais do que mostra e por isso mesmo é muito mais chocante e perturbador. Fizeram várias sequências e remakes depois, e os novos filmes já mostram graficamente a serra destroçando a carne das vítimas sem deixar nada para a imaginação. O engraçado é que nunca tem o mesmo impacto do filme original, onde mal se vê sangue mas o conjunto é perturbador!

Esta era a ideia da cena em questão em “Entrei em Pânico…”: mostrar que aquela nova geração de fãs de horror, que começava a ver filmes nos anos 1990-2000, não estava preparada para ver longas clássicos com violência mais sugerida; o que eles queriam eram autênticos banhos de sangue, com pedaços de gente voando para todo lado, porque achavam isso mais engraçado/divertido do que perturbador.

É curioso, inclusive, porque dois anos depois, em 2003, foi lançado o remake de “O Massacre da Serra Elétrica” dirigido pelo Marcus Nispel, já bem gráfico e sangrento. Então quando eu fiz “Entrei em Pânico… Parte 2”, eu pensei seriamente em começar o longa da mesma maneira que o primeiro: com Goti vendo um filme, desta vez o remake de “O Massacre da Serra Elétrica”, e então falando algo tipo: “Agora eu entendo o que meu falecido irmão queria dizer”. Uma das mil ideias para a sequência que no fim eu não usei.

4- Quais as suas referências no humor? Entrei em Pânico ao Saber o que Vocês Fizeram na Sexta-Feira 13 do Verão Passado (2001), e também sua continuação, possuem um humor muito bem sincronizado, na medida certa. Os filmes conseguem homenagear e tirar sarro dos grandes clássicos – e dos “novos clássicos” – na mesma proporção. Como atingir isso?

Eu gosto de pensar nos dois “Entrei em Pânico…” como comédias românticas adolescentes que de repente são invadidas por um psicopata mascarado, e então o clima muda. Acho sinceramente que é por isso que os filmes funcionam tão bem com o público em geral: quem não gosta de horror curte a parte da comédia e se identifica com aqueles jovens porque todo mundo já foi assim; quem não gosta de comédia fica feliz quando aquela molecada começa a morrer e ainda reconhece as referências ao cinema de horror mais comercial e mais obscuro.

Para ser sincero, confesso que sempre fico surpreso ao perceber que os dois filmes funcionam enquanto sátira, porque eu sinceramente não acho que as piadas são tão boas. No primeiro as referências são um pouquinho mais sutis, mas no segundo eu cometi um erro enorme, que hoje me arrependo, de ter colocado os personagens conversando o tempo inteiro sobre filmes de horror, clichês de filmes de horror, citando títulos de filmes de horror, etc. Isso era algo que já me incomodava deveras nos “Pânico” porque, embora seja algo que aconteça na vida real – e eu mesmo fale muito sobre filmes e cinema com meus amigos –, sempre acho falso ver jovens conversando da mesma maneira em um filme. É algo que hoje eu faria de forma mais orgânica, menos escancarada. Mas como eu disse, fico feliz que os dois longas divirtam o público depois de tanto tempo e que essas referências ao gênero não incomodem tanto quanto incomodam a mim. Certamente é uma pegada diferente dos filmes da franquia “Todo Mundo em Pânico”, porque ali tudo que fazem é pegar uma cena de outro filme e refazer de maneira “engraçada”, mas se você não viu o original que inspirou a piada, a piada perde completamente o sentido.

Como eu contei antes, o filme que me fez gostar de cinema de horror foi “Um Lobisomem Americano em Londres”. Antes dele eu tinha medo de ver filme de terror. Mas o equilíbrio de horror e humor em “Um Lobisomem…”, pelo menos para mim, foi essencial. Quando você vê esse filme ainda criança, tipo eu fiz, você fica com medo do lobisomem, fica absolutamente de queixo caído com a transformação do David Naughton em homem-lobo, e fica chocado com as cenas sangrentas, mas aí o John Landis intercala estas cenas mais pesadas com momentos inesperados de humor, tipo os fantasmas das vítimas aparecendo para xingar o protagonista porque ele os matou. Isso é incrível, porém é muito difícil conseguir tal equilíbrio. Tentei fazer a mesma coisa nos “Entrei em Pânico…”: tudo é uma grande bobagem, você ri das piadinhas, você ri das besteiras que aquela garotada está falando, mas então pimba!, vem um jump scare quando você menos espera, ou então um personagem que você gosta é morto de maneira mais brutal e menos engraçada, e de repente você não está mais rindo.

 

5- Como foi a produção do primeiro Entrei em Pânico…? Foi fácil convencer as pessoas a embarcar na ideia? Como foram as filmagens?

Foi tudo muito divertido. Éramos jovens na faixa dos 15-20 anos e todos estavam muito animados participando do longa sem jamais desconfiar que ele chegaria tão longe, faria o sucesso que fez, apareceria no Fantástico certo domingo à noite e estaria sendo visto e analisado vinte anos depois. Em 1998 eu tinha lançado meu primeiro longa, uma comédia romântica chamada “Patricia Gennice”, que é uma mistura da ideia central do “Depois de Horas”, do Martin Scorsese, com o cinema de Tarantino e Rodriguez (todos os bandidos vestem terninho preto, e tal). O filme não saiu das fronteiras da minha cidade, mas virou meio que um cult ali, as pessoas realmente adoraram e tinha gente que viu tantas vezes que sabia os diálogos de cor.

“Entrei em Pânico…” nasceu, obviamente, do sucesso de “Pânico” e do revival do teen slasher no final dos anos 1990. Eu e meu amigo Eliseu Demari, que é astro e produtor do filme, tínhamos feito uma maratona de “Sexta-feira 13” e chegamos à conclusão que “Pânico” e todas as imitações recentes na mesma linha (“Lenda Urbana”, “Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado”, etc) eram muito pretensiosos. Porque os slashers de antigamente eram primitivos, absurdamente simples, tinha um assassino matando a molecada e acabou, por isso mesmo eram divertidos. Já os filmes daquela época sempre envolviam algum mirabolante mistério sobre quem era o assassino, no fim tiravam a máscara tipo Scooby-Doo e era alguém com um motivo absolutamente fútil. “Entrei em Pânico…” surgiu para tirar onda com isso tudo.

Meus amigos da mesma idade que eu, que tinham participado dos meus primeiros curtas e de “Patricia Gennice”, já não queriam mais fazer, porque eles estavam mais velhos e mais sérios. Então o elenco do filme é formado basicamente por amigos do Goti, que é meu irmão mais novo na vida real (seu nome é Rodrigo Guerra). Era uma outra geração que eu fui forçado a conhecer melhor enquanto filmávamos, mas ao mesmo tempo uma geração muito mais fácil de trabalhar porque eles tinham aquela mesma paixão e vontade de fazer que eu tinha. E todos estão muito bem e muito convincentes porque não estão interpretando; aquelas pessoas aparecem no filme como elas mesmas, com suas roupas, suas formas de falar, até seus apelidos. A única que tinha alguma experiência com teatro antes era a Niandra Sartori, que faz a protagonista do longa, e ironicamente dá para ver que ela é a que soa menos natural no elenco, porque fala seus diálogos de maneira mais decoradinha e menos coloquial. Perto do fim ela já estava mais entrosada, mas demorou um pouco porque realmente tinha decorado seus diálogos como estavam no roteiro!

Ninguém ganhou dinheiro, às vezes começávamos a filmar às onze da noite e terminávamos às três da manhã (porque todo mundo trabalhava de dia e tinha faculdade à noite), mas foi sempre uma grande diversão. Não lembro de ter rolado qualquer estresse ou briga durante as filmagens, o que eu não posso dizer da maioria das coisas mais profissionais que fiz depois. A produção de “Entrei em Pânico…” foi exatamente aquela farra que se vê no longa pronto, aquele clima de amizade, de camaradagem, e de todo mundo estar se divertindo muito. E foram alguns dos melhores momentos que eu passei com meus irmãos menores, Diego Guerra (que interpreta Ido) e Rodrigo (Goti). A gente era muito unido na infância, mas naqueles tempos já estávamos cada qual para seu lado, saindo com suas próprias turmas de amigos, logo a filmagem do longa nos reuniu outra vez e foi muito legal. Por trás das câmeras também havia muito daquela atmosfera alcoólica e “canábica” do filme – embora neste caso eu esteja falando apenas por mim, óbvio.

6- Do que foi feito o sangue falso que vemos no filme?

Como as filmagens foram em 2001 e nesta época a internet ainda era mato, você não encontrava fácil receitas de sangue falso no Google, e nem existia YouTube para ver tutoriais sobre isso, como hoje. Então todos os efeitos “especiais” foram criados meio na gambiarra pela gente mesmo. Eu assistia filmes como “Sexta-feira 13” no videocassete e passava as cenas de morte em câmera lenta para tentar entender como fizeram os efeitos. “Ah, aqui é fácil, dá para ver que o sangue esguicha por uma mangueirinha que vem de baixo”, “Isso é uma faca cortada no meio”, etc, etc. E tentava reproduzir o que dava sem ter dinheiro e sem ter o Tom Savini à minha disposição. Nós serramos várias facas e facões pela metade para dar a impressão de que eles estavam enfiados no corpo, esse que deve ser o efeito mais básico existente. Mas, lógico, o mais difícil foi conseguir fazer um sangue decente. Nós íamos testando e alterando a receita enquanto filmávamos, então você pode perceber que a cor e consistência do “sangue” vai mudando ao longo do filme. Inicialmente usamos xarope de groselha comum, porque era grosso e grudava na roupa. A cena inicial que satiriza “Pânico” foi filmada com isso. O problema é que na pele a groselha não pegava direito, a cor ficava muito clarinha, parecia água. Então tentamos misturar outras coisas à groselha, tipo catchup e tinta vermelha. Em pelo menos uma cena (a da morte do rapaz atravessado pelo facão na cama) usamos mercurocromo, aquele vendido em farmácia para aplicar em feridas, só que era um frasquinho pequeno e custava muito caro, logo inviável para seguir usando. Então eu descobri que o melhor material, o que ficava mais interessante na câmera, era tinta de carimbo vermelha, porque a cor era forte e a tinta secava na pele depois de um tempo, aí parecia um sangue coagulado grosso. O problema é que essa tinta desgraçada não saía fácil da pele, tinha que esfregar horas e horas com sabão-mecânico ou bombril, por isso eu não podia explicar para os atores que eles iam passar horas, talvez dias, com a cara vermelha. Com o passar das filmagens eles descobriram e não queriam mais que eu usasse aquilo neles. No fim, a maior parte do sangue que se vê no longa é uma mistura de suco de groselha com Coca-Cola, porque o refrigerante deixava a cor mais escura e mais marcada na pele. Óbvio que hoje eu já conheço receitas melhores e mais eficientes, mas naquele momento era o que havia e acho que funcionou razoavelmente bem.

 

7- Como surgiu a ideia para a continuação? Como foi a adaptação do roteiro para os anos 2010? Pergunto isso, pois os diálogos estão sempre muito em sintonia com os filmes da época. Você sempre consumiu muitos filmes de horror?

Eu comecei a pensar a sério em fazer “Entrei em Pânico… Parte 2” em 2008. Dá para perceber isso porque os personagens comentam que o massacre do original aconteceu “há sete anos”, embora o filme só tenha sido lançado em 2011, dez anos depois do primeiro – e uma data mais redonda que eu deveria ter usado desde o começo. O principal motivo para o surgimento da sequência é que eu não gostava do primeiro filme. É importante lembrar que a Parte 1 foi originalmente editada usando dois videocassetes e tinha insuportáveis duas horas de duração. Eu achava meu pior filme e o fato de ter feito tanto sucesso me chateava, porque é complicado ser conhecido justamente por algo de que você não tem muito orgulho.

Logo, a Parte 2 surgiu como uma tentativa de corrigir aquilo que eu achava que não funcionava no primeiro, e principalmente fazer um filme mais curto, mais divertido e mais bem filmado. No fim, foi uma produção muito mais problemática que a anterior. Na época eu estava morando em São Paulo e só filmávamos quando eu voltava para a cidadezinha onde se passa a história, o que acontecia apenas a cada dois meses, às vezes mais. Ficou muito difícil contar com os atores sobreviventes do elenco original, porque àquela altura todos tinham suas vidas e famílias, ou moravam fora como eu, e não lhes sobrava mais tanto tempo para dedicar ao cinema independente. Então foi tudo muito difícil. Se você rever o filme, vai perceber que na meia hora final os três personagens principais (Goti, Eliseu e Niandra) raramente aparecem todos juntos no mesmo take, às vezes todos os três aparecem em planos separados. Como era difícil conseguir reunir o trio, eu comecei a filmá-los separadamente para juntá-los apenas na montagem. Tipo: hoje eu filmava a Niandra sozinha falando com alguém que não estava lá, seis meses depois eu filmava o Eliseu “respondendo” a ela. Foi absurdamente difícil, e se eu não fosse roteirista, diretor e editor do longa jamais teria funcionado.

Em relação à sintonia com a respectiva época, eu concordo. O primeiro longa tem uma pegada mais horror teen estilo “Pânico”, mas o segundo foi feito num momento em que estava na moda o chamado torture porn, filmes como “O Albergue” e “Jogos Mortais”, que eram muito mais sangrentos e tinham cenas de tortura extremamente gráficas. A Parte 2 brinca com isso, tira sarro do Rob Zombie, das armadilhas absurdas de “Jogos Mortais”, e traz essas mortes mais longas e exageradas em que os personagens levam um tempão para morrer – tipo a cena com a erva de chimarrão, ou a morte das meninas que estão fazendo um esquenta. Como fã de horror eu sempre acompanhei o que se fazia em cada período e as tendências, então acho que cada “Entrei em Pânico…” dialoga com o que se fazia naquele momento. Se houver um terceiro filme, ele obviamente vai brincar com o horror que se faz hoje, quem sabe até com essa bobagem de “pós-horror”. Talvez eu coloque uma cena de cinco minutos com a Niandra comendo uma torta sem cortes.

8- Há algum personagem com quem você se identifica mais? Algum que seja porta-voz de suas opiniões sobre o cinema de horror?

É engraçado você perguntar isso porque o personagem do irmão mais velho de Goti, interpretado pelo meu amigo Fabiano Taufer, foi obviamente escrito pensando em mim. Se eu não preferisse filmar do que “atuar”, eu certamente teria interpretado este personagem no filme. Eu também tenho uma coleção enorme de fitas VHS que deixava trancada e ficava furioso quando meus irmãos mais novos mexiam nas fitas. Eu sempre dei discursos como aquele do irmão do filme sobre “O Massacre da Serra Elétrica”, tentando contextualizar as coisas para meus irmãos mais novos quando eles reclamavam de algum clássico. E aquela atitude ditatorial, de ficar dando ordens e tapas na cara do irmão mais novo, isso era muito eu naquele período. Mas vários personagens de “Entrei em Pânico…” têm um pouco de mim. Aquela coisa de ver filmes de horror com os amigos e rir o tempo inteiro era algo que fazíamos pelo menos uma vez por semana na época. Aquela tensão de conversar com meninas pela internet sem poder ver fotos das interlocutoras era algo corriqueiro do nosso dia-a-dia, e não houve quem não se meteu em confusão com isso.

9- Desde 2011, ano de lançamento do segundo filme, muita coisa mudou no panorama mundial do horror. O sobrenatural voltou com força. Como você avalia essas novas tendências do gênero?

Há muito mais gente fazendo cinema de horror hoje do que nos anos 2000-2010, devido à democratização da tecnologia e à facilidade de qualquer um, e digo qualquer um mesmo, fazer seu próprio filme. Claro que o efeito colateral disso é que, hoje, você tem 100 filmes de zumbis por ano, 50 slashers por ano, 20 found footage por ano, mais um montão de remake, reboot e o escambau, e as poucas novas e boas ideias ficam perdidas no meio de tudo isso, às vezes passam completamente em branco. Acho que hoje é muito mais difícil para um cineasta independente se destacar, para um filme estourar como, digamos, “A Bruxa de Blair” no final dos anos 1990. E o que chega aos cinemas comerciais é basicamente este horror mais sobrenatural movido a efeitos especiais, meio “Insidious”, meio “The Conjuring”, feito com mais ou menos dinheiro. Confesso que hoje tenho acompanhado a cena mais independente, os filmes de horror que ficam restritos aos festivais e dificilmente chegam ao grande público. Ali ainda se encontra alguma criatividade e ideias novas, ou pelo menos formas criativas de retrabalhar as mesmas ideias. Depois de uma centena de filmes de zumbis todos iguais, eu acho mágico encontrar algo divertido e original como “One-Cut of the Dead”, por exemplo.

10- Por fim, uma pergunta clássica: há planos para um terceiro filme?

Olha, faz anos que penso em fazer uma Parte 3 e já sei até como me livrar daquela armadilha do “final trágico” da Parte 2. Como eu mencionei no início, minha série de horror preferida é “Phantasm”. O mesmo cara, Don Coscarelli, produziu, escreveu e dirigiu os quatro episódios originais (tem um quinto apócrifo feito por outro sujeito, que é bem fraco) entre 1979 e 1998, basicamente usando a mesma equipe e o mesmo elenco. Isso significa que você acompanha os mesmos personagens, interpretados pelos mesmos atores, ao longo de pelo menos vinte anos, e isso é incrível porque atores e personagens envelhecem junto com você! Eu queria que “Entrei em Pânico…” fosse o meu “Phantasm” – guardadas as devidas proporções porque a minha série é uma bobagem e a do Coscarelli é genial –, mostrando os mesmos personagens envelhecendo e enfrentando horrores e desafios em diferentes etapas da vida. Hoje, por exemplo, meu irmão que interpreta o Goti está com uma enorme barba grisalha, então seria um contraste enorme com aquele garoto rechonchudo que fez a Parte 1 vinte anos atrás. Além disso, eu realmente queria fazer um terceiro “Entrei em Pânico…” apenas para filmá-lo com uma câmera foda, porque aí você veria a trilogia como um testemunho da evolução da tecnologia para produção de cinema independente: o primeiro filmado em VHS, que é o formato mais vagabundo; o segundo com mini-DV, que era um digital semi-amador e rudimentar, e o terceiro em Full-HD, talvez 4K! Já pensou que doido?

Desde 2011 eu já tive várias ideias para a Parte 3, mas o único elemento que eu sigo mantendo até hoje é que, se rolar, será uma homenagem ao cinema independente. Talvez sobre um grupo de jovens que se reúne para fazer seu longa independente sobre os assassinatos mostrados em “Entrei em Pânico… Parte 1”, ou mesmo um vídeo/live para seu canal do YouTube, e desperta um novo ataque do assassino. Preciso ter as condições certas para fazer, esperar passar esse inferno de Covid, e ter algum dinheiro para poder pagar todo mundo e não depender apenas da boa vontade das pessoas. Ou seja, deve levar algum tempo, não tem tanta gente assim pedindo, portanto eu, no lugar de vocês, não ficaria esperando para tão cedo – 2031 seria uma bela data redonda para lançar! E talvez no fim nunca aconteça, mas é algo que eu realmente gostaria de fazer. Até pela oportunidade de me reunir com meus atores, algo que acontece cada vez com menos frequência devido às correrias da vida adulta. Se tivermos que fazer outro filme como desculpa para nos reunirmos, que assim seja!