O Exorcista
(The Exorcist)
Distribuição: FOX
Criador: Jeremy Slater
Quando lançada, a primeira temporada de exorcista pôde ser categorizada como, no mínimo, surpreendente. Criando uma estória de boas reviravoltas e apresentando personagens novos e interessantes dentro do próprio “universo” do filme original de 73, “O Exorcista” se apresentou como uma série que explorava o psicológico de seus personagens através dos temas da possessão demoníaca, da fé cristã e do embate entre bem e mal, tudo isso a partir do peso de uma missão divina na vida de dois padres. A primeira temporada conseguiu se mostrar bem fechada em sua proposta de arcos dramáticos e enredos, mas ainda assim deixava pontas soltas possíveis para que uma segunda temporada pudesse ser desenvolvida – inclusive, o principal problema do primeiro ano da série (a conspiração demoníaca atrelada ao vaticano… pois é) estabelecia uma boa oportunidade de desenvolvimento futuro, visto que seu maior problema eram as soluções apressadas e o pouco desenvolvimento da situação, o que acarretou numa season finale mais fraca do que o restante da temporada.
Felizmente, a segunda temporada da série acaba não desapontando, ainda que não seja 100% satisfatória, já que agora há muito mais uma tendência para plantar elementos que só serão desenvolvidos mais futuramente em outras temporadas (que ainda não foram confirmadas). Ainda acompanhando os padres Marcus (Bem Daniels) e Tomas (Afonso Herrera) em sua luta para tentar libertar o maior número de almas possível através dos rituais de exorcismo, agora o espectador também é apresentado a família de Andrew Kim que, dono de um lar para crianças adotadas, se vê pressionado pela presença da assistente social Rose (Li Jun Li), que se encontra na casa para mapear a situação após o suicídio da esposa de Andrew, Nicole. Há também um segmento paralelo do padre Bennett (Kurt Egyiawan) que se vê lutando contra a tal “conspiração demoníaca”, contando com a companhia de Mouse (Zuleikha Robinson), uma ex-freira exorcista que foi parte do passado de Marcus.
Sabendo criar uma narrativa lógica de causa e efeito para o enredo da temporada, a produção da série é hábil em estabelecer pequenos signos e simbolismos imagéticos logo no início da série (como as mãos pintadas nas paredes de fora da igreja), criando assim curiosidade e instigando o espectador nos primeiros episódios, mesmo que este sinta que a estória principal ainda não está sendo desenvolvida. Além disso, esta temporada sabe fazer com que novos poderes e perspectivas do “universo do exorcismo” funcionem nos momentos certos para gerar tensão, como é o caso da nova habilidade de padre tomas de poder entrar na mente do indivíduo possuído e confrontar o demônio, que é apresentada como uma ferramenta útil para resolver problemas, ainda que ambígua em sua natureza e benefícios: afinal, este seria um dom enviado por Deus ou pelo Diabo? Se ao utilizá-lo Tomas demonstra uma arrogância por se sentir uma espécie de “escolhido”, a real intenção por trás do ato de usar tal habilidade é inflar seu próprio ego ou realmente salvar uma vítima?
Mesmo que este elemento se ausente por uns 3 episódios no miolo da temporada (que por sua vez possui 10 episódios), ainda assim é suficiente bem utilizado para que se reflita no arco de maturidade de Tomas. O mesmo não pode ser dito quanto a padre Marcus, que infelizmente possui um desenvolvimento cheio de nuances e toques de brilhantismo ao mesmo tempo que em uma estruturação mais trôpega de roteiro. Por exemplo, toda noção de que Marcus agora tem dificuldades para ouvir a voz divina desde que foi excomungado, embora interessante em tese, na prática não se sustenta por surgir em comentários expositivos de passagem mais no início da temporada, sendo retomado de forma pouco impactante no fim (e isso só piora pelo caráter “Super-man morreu”, de Batman Vs Super-Man, que tal elemento possui). Estes momentos só ganham melhores contornos quando os atrelamos com a forma com que Marcus estabelece seus relacionamentos (possivelmente amorosos), já que o padre (ou “ex-padre”) denota um senso de autopreservação e proteção para com seus entes queridos.
Criando um senso de tragédia irreversível em pontos específicos da trama, a série consegue ainda fazer com que o espectador se importe com a família de Kim em todos as problemáticas e obstáculos que esta enfrenta, conseguindo dar características específicas para cada filho – e o destaque fica mesmo por conta da história de Harper (Beatrice Kitsos), que consegue amarrar pontos importantes para deslanchar a narrativa, e pelo desenvolvimento de Verity (Brianna Hildebrand) e todo o seu relacionamento prévio e traumático com a igreja católica, algo que acaba se refletindo num arco sutil e que poderia soar bem mais moralista caso se estabelecesse algum comparativo, o que não acontece. Mesmo que o desfecho da família se dê em duas cenas cheias de clichês e de forma prevista, a força dramática emocional destes momentos supera problemas maiores de maniqueísmo.
E, assim, quando caminha para seus momentos finais com uma referência a Exorcista III em uma excelente season finale, é que percebemos como, mais uma vez, a série acabou negligenciando novamente o desenvolvimento de toda a “conspiração”, já que parece ter voltado ao começo de tal subtrama (que claramente ganhará maior destaque ao longo das possíveis temporadas) para reestabelecer novos parâmetros em sua base. Mesmo que agora sintamos mais peso em tal trama, o segmento nunca parece estar na mesma conexão e ritmo que os outros pontos da série, que possuem uma intensidade e urgência ímpares. De qualquer forma, ainda que a série tropece em pontos chaves, seus grandes momentos são realmente grandes o suficientes para que figure como um destaque de 2017. Desta vez, não como uma grata “surpresa”, mas sim como confirmação de um ótimo potencial de qualidade.