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Lista | Horror e Saúde Mental

         Apesar da noção comum, uma obra de horror vai bem além dos sustos ou dos momentos de perseguição e tortura. Muitas obras possuem mensagens mais profundas do que a superfície pode mostrar. Desde “O Gabinete do Dr. Caligari” até os mais recentes longas, o gênero costuma abordar questões delicadas de forma mais sutil do que o esperado.
         Um dos aspectos mais abordados é o psicológico, o que não quer dizer que apenas no subgênero do “horror psicológico” encontraremos esse tipo de enfoque. Selecionei então cinco filmes do gênero de terror que podem ser analisados sob um ponto de vista mais psicanalítico.
        
Esses cinco filmes, mais diretamente ou mais subjetivamente, falam sobre saúde mental dentro do horror. Porém, é necessário contar com spoilers de alguns dos longas, mas terá um alerta antes, pode seguir sem medo. 

1. O Babadook (2014)

         Em “O Babadook” acompanhamos Amélia, que perde seu marido em um acidente no mesmo dia em que dá a luz a seu filho, Samuel, tendo que lidar com a complicada criança sozinha. Tudo piora quando mãe e filho passam a ser assombrados por uma criatura saída de um livro, o assustador Babadook (anagrama para “Bad Book”).
        
A alegoria ao transtorno depressivo (lido tanto como “depressão pós-parto”, como “depressão maior”) e ao luto não superado, aqui, literalmente, assumem a sua forma física. A criatura silenciosa e sombria que aterroriza a família advém da psique de Amélia, que ao se reprimir sob o luto do marido e a personalidade forte do filho, acaba assumindo a personalidade monstruosa do Babadook para lidar com as frustrações do cotidiano.
         Apatia, irritação, ímpetos de fúria. Todo o processo de “possessão” de Amélia pelo Babadook são complementares à situação de transtornos psicológicos. Os momentos de aparição do Babadook – a forma sutil em que a silhueta aparece durante o longa, simulando o fato de que não dá para se esconder de seus demônios -, como o local onde ele é aprisionado  – no porão, junto com as coisas do pai de Samuel – assim como a forma que os protagonistas encontram em lidar com o monstro ao final do filme apenas ilustram alguns dos pontos chaves para a interpretação psicológica do filme. Além disso, frases do filme são bem sugestivas também, como a “quanto mais negar, mais forte eu fico”.


2. Invocação do Mal (2013)

         Ainda sob o guarda chuva do tema da depressão, embora, talvez, vista de uma perspectiva muito pessoal – para mim -, está o primeiro longa do “invocaverso”. Em 1971, Roger e Carolyn Perron, junto com suas cinco filhas, começam a ser assombrados na casa recém comprada por eles. Depois de eventos inexplicáveis o casal procura a ajuda dos Warren, Ed e Lorraine, famosos “demonologistas”, para ajudá-los com a entidade maligna que os assombra.
         Descrito por Ed Warren no primeiro “Invocação”, é dito que o processo de possessão tem início com o medo:

“O medo é um sentimento de agitação e ansiedade causado pela presença de um inimigo ou perigo. Fantasmas e entidades se alimentam disso”.

         Logo quando se mudam para a enorme casa, necessitada de reparos, Carolyn Perron se vê praticamente sozinha – seu marido é caminhoneiro e trabalha viajando – num local novo e isolado, junto com as suas cinco filhas, sem nenhum tipo de rede de apoio.
         A entidade maligna retratada no filme é acusada de possuir mães e fazê-las assassinar seus filhos para depois cometer suicídio. Logo, a perseguição a Carolyn, a mais afetada pela entidade, se mostra justificada. Mas, talvez, tudo isso seja apenas uma representação “fantástica” da depressão de Carolyn.
         O medo de encarar a nova situação familiar, em um local estranho, sem um suporte familiar, podem ser os gatilhos para o início de uma depressão lancinante. As manchas roxas que progressivamente vão aparecendo na pele da matriarca são justificadas por ela como deficiência de ferro, e no filme vemos que são obras da entidade mas, outra existe outra causa de manchas roxas no corpo – conhecidas como “púrpuras de melancolia” – que são ocasionadas em momentos de grande ansiedade e/ou tristeza aguda.
[SPOILER]
         A salvação da matriarca da família é realizada a partir de uma sessão de exorcismo e uma lembrança usada por Lorraine para lembrar a Carolyn de momentos felizes com a família. Em outras palavras, Lorraine tentou retirar a mulher da “dormência emocional” comum entre pessoas deprimidas para que ela tente voltar a lutar contra o estado em que ela estava. 


3. Assim Na Terra Como no Inferno (2014)

         Como já dito na minha crítica aqui na República, “Assim na Terra Como no Inferno” é uma grande sessão de terapia do inferno. No longa, um grupo decide desbravar o interior das catacumbas de Paris em busca de um artefato histórico. O que não esperavam era que o lugar tivesse vontade própria.
         No foundfootage de 2014, nada do horror teria acontecido se os personagens estivessem com a terapia em dia. Todas as provações e assombrações que ocorrem com eles são levadas à vida pelo próprio subconsciente de cada um.
         Se a protagonista é assombrada pela morte do pai e pela sua própria necessidade de se mostrar capaz de realizar a jornada, é isso que vai assombrá-la. Se Papillon se sente culpado por uma morte que ocorreu anteriormente, então é isso que vai levá-lo à morte – e assim por diante.
         “Assim na Terra Como no Inferno” é uma mostra de que às vezes, quando você não faz as pazes com o seu passado e consigo mesmo, é impossível seguir em frente. Porém passa essa mensagem com muito sangue e mortes. 


4. Saint Maud (2019)

         Em “Saint Maud“, após um evento traumático, Maud começa seu trabalho como cuidadora de Amanda, uma artista aposentada. O problema inicia quando a enfermeira começa a crer que precisa, a todo custo, salvar a alma de sua paciente. Aqui temos um filme de diversas camadas.
         Maud, nome escolhido pela personagem após se converter em um paradigma religioso cristão, coloca na sua nova religião todo o propósito da sua vida. Ela desenvolve uma obsessão pelo que é supostamente capaz de salvar a alma de sua paciente, logo, a sua também. O incidente no qual o filme se inicia é provavelmente após Maud matar um paciente no hospital, como é de se entender na sua conversa com sua antiga colega de hospital.
         Talvez a culpa da enfermeira seja o que desenterra a obsessão ou talvez ela já possuía algum transtorno anterior. O importante é que a lavagem cerebral religiosa associada com a repressão sexual da personagem além da sua jornada para ser a salvadora que a sua profissão exige a transforma em uma bomba relógio que culmina na sequência final do longa. Bem impactante em seus segundos finais, diga-se de passagem. 


5. Swallow (2019)

         No filme onde talvez o transtorno psicológico seja mais óbvio, temos “Swallow”. Aqui, a protagonista Hunter, após descobrir estar grávida, desenvolve um perigoso transtorno: alotriofagia. Esse desejo de ingerir objetos perigosos leva a personagem por uma experiência de autoconhecimento que mudará completamente sua vida.
         Com o distúrbio, Hunter vê a possibilidade de controlar alguma coisa dentro de uma vida e um casamento extremamente plástico e controlado por seu marido. É a partir disso que a personagem desenvolve a coragem necessária para lutar por sua independência, mesmo que isso inclua a possibilidade de se ferir gravemente.
         A fachada de bom bom marido Richie vai desmoronando pouco a pouco, mostrando o homem abusivo que vai do uso do tom de voz baixo e palavras passivo-agressivas para ofensas bárbaras e o descontrole total. Essa decisão é interessante pois mostra tanto ao público quanto à própria Hunter o que exatamente há de errado naquela relação. Enquanto o véu da fachada perfeita vai caindo, a realidade de um relacionamento abusivo vai se mostrando cada vez mais crua para nós e principalmente para ela.
         Mesmo sendo um transtorno perigoso e que, de fato, precisa ser tratado, é apenas a partir disso que a coragem para sair da situação em que Hunter se encontra é liberada. É como um mecanismo de enfrentamento da protagonista perante aos abusos ao qual era submetida. 

         Esses são apenas cinco filmes escolhidos com essa temática, porém é muito comum usar subtextos psicológicos no horror. E você? Quais os seus filmes preferidos que se encaixam no gênero?