Crítica | Saint Maud

Saint Maud
(Saint Maud)
Data de Lançamento: 09/10/2020 (UK)
Direção: Rose Glass
Distribuição: A24 e StudioCanal UK

Como poderíamos nos desacostumar com o marketing de divulgação mal encaminhado de filmes de horror se a cada ano isso parece se repetir consideráveis vezes? Agora, foi a vez do novo terror psicológico da A24, produtora e distribuidora mais que conhecida entre os fãs do gênero, responsável por obras-primas da década como A Bruxa (2015) e Hereditário (2018), ser alvo de um visível desserviço comercial.

Muito comentado como um dos melhores filmes de horror dos últimos anos desde que estreou no Festival de Toronto em setembro de 2019, Saint Maud acaba por entregar algo bem diferente do que nos foi prometido em trailers, o que, vindo de uma empresa tão renomada no mercado, inevitavelmente nos gera expectativas, essas que são subvertidas facilmente com o que nos é apresentado em curtos 84 minutos de tela. A partir daí, se frustrar nem que seja minimamente, deixa de ser uma escolha. Ainda assim, é evidente que o filme tem muito a nos oferecer, principalmente dentro do drama psicológico com elementos de horror, classificação que melhor se adequa à obra. Portanto, é necessário tomar muito cuidado com o que se espera de Saint Maud.

A história nos apresenta (já de forma chocante), uma jovem e religiosa enfermeira privada chamada Maud (Morfydd Clark), que após assumir um novo emprego como enfermeira de uma ex-subcelebridade conhecida como Amanda (Jennifer Ehle), desenvolve uma perigosa obsessão por sua paciente. Conforme a intimidade entre as duas floresce, Maud acredita que sua missão de vida é salvar a alma corrompida de Amanda, o que acaba gerando acontecimentos perturbadores envolvendo a personagem principal e sua devoção à Deus.





A grande qualidade criativa de Saint Maud está concentrada essencialmente na mão de duas mulheres. A primeira delas é a estreante diretora e roteirista Rose Glass, que impressiona fortemente com sua visão confiante de um cinema tenso, crítico, dogmático e aflitivo, não deixando espaços para o espectador respirar aliviado. A segunda é a atriz galesa Morfydd Clark, que incorpora todo o fanatismo de sua personagem, o elevando à doses de loucura e perda de sanidade surpreendentes. Sua performance nos mantém presos, horrorizados e chocados desde o primeiro frame do filme.

Buscando nos questionar sobre o quão prejudicial e doentio a fé cega pode ser, Saint Maud arremessa em nossas faces as armadilhas existentes nas falsas certezas, na intolerância e na incapacidade de termos compaixão com o próximo. Embora Maud demonstre cegar-se com suas suposições na maior parte do tempo, há no filme ótimos momentos de dúvida e incertezas, além de “fraqueza” (como seria visto pela religião de Maud) da personagem, que rende tentativas desesperadas de se incluir em um mundo repleto de pecadores e futilidades. O filme ainda nos alerta, através da personagem de Amanda no que poderia ser uma segunda ou mesmo terceira camada de reflexão, sobre a importância de tomarmos cuidado com a forma que nos dirigimos à algumas pessoas e sua fé, pois tentando ser “educado” na opção de sermos honestos e diretos, podemos acabar transmitindo ideias erradas e trazendo para nós mesmos problemas inimagináveis.

Na busca em transmitir realismo nos pensamentos e reflexões de Maud, a condução da trama e mais especificamente a montagem do filme, parecem encontrar alguns problemas em definir o caminho que buscam trilhar. Sem conseguir manter nosso completo interesse a todo tempo, Saint Maud nos faz perder boa parte da tensão construída entre os personagens para observar cenas catárticas e demasiadamente longas da personagem principal, que com a intensão de nos aproximar da insanidade da mesma, acaba por cair no contrário, criando certas barreiras entre a expectativa do público e as atitudes da personagem. Se na maior parte do tempo estamos acompanhando de perto os anseios e receios de Maud, em contrapartida somos afastados completamente de qualquer possível contato significativo com qualquer um dos personagens secundários, que nos parecem muito bem desenvolvidos desde seus primeiros minutos de tela. Ninguém ali acaba gerando alguma real importância para a história, e servem ao enredo apenas como meros objetos ou mesmo vítimas do egoísmo personagem principal. O que embora auxilie o argumento principal que molda a história, soa inevitavelmente cansativo.

Diante de uma história objetiva de uma crítica social palpável, ora pouco original, o filme encontra forças na construção dos problemas psicológicos de sua personagem principal, além das cenas muito bem orquestradas, que celebram a ausência de diálogos excessivos e prestigiam seu potencial imagético. Ainda que não converse diretamente com o terror que esperamos de sua distribuidora, e também possua alguns conflitos de narrativa quase que comprometedores, Saint Maud se mostra tecnicamente deslumbrante, nos sufoca com uma atmosfera inquietante e funciona bem como um reflexo dos assombrosos impulsos sociais que nos cercam, mesmo que em doses extremamente reduzidas.