A Ghost Story
Data de Estreia no Brasil: Sem previsão
Direção: David Lowery
Distribuição: A24
“A Ghost Story” pode ser muitas coisas, mas não é um filme de terror. Em sua aproximação com o gênero tão amado pelo RdM, os únicos elementos existentes são o fato de o filme possuir um fantasma e a mera referência passageira, e desenvolvimento temático e dramático, das ações de um “espirito” dentro de uma casa, no melhor estilo poltergeist. Se fossemos levar em consideração tais elementos para categorizar o gênero do terror, “Ghost – Do Outro Lado da Vida” seria um verdadeiro expoente clássico deste, ao lado de “O Bebê de Rosemary” ou “A Hora do Pesadelo” – e isto torna ainda mais ridículo o fato de “A Ghost Story” ser o filme “capa” do artigo pedante que tenta estabelecer o tal do “pós-terror”*.
Contudo, dentro de sua própria perspectiva, “A Ghost Story” é sim um ótimo filme que merece a atenção que quer receber. Adotando uma linguagem narrativa chamativa e completamente coerente com sua proposta, o longa conta a história da morte de C (Casey Affleck) que, casado com M (Rooney Mara), “desperta” em um hospital e volta como um fantasma para sua casa. E quanto digo “como” um fantasma, é justamente pelo fato da película decidir utilizar do visual “fantasia de Halloween” como personificação da alma do sujeito, evidenciando uma estilização delicada, tocante e “indie” que pode ser conferida já de cara no aspecto de tela 1,33:1, de bordas ainda arredondadas, que remete à mais clássica filmagem super8, trazendo melancolia e realismo para o filme.
Tais decisões de David Lowery, roteirista e diretor do projeto, se estabelecem mais do que acertadas dentro do ritmo lento e das composições magistrais de planos belos e significativos. Mas talvez o maior feito do cineasta seja criar, com segurança e coerência, um universo complexo e palpável a partir do micro, com um enredo que flui em caminhos inesperados – sendo realmente frustrante que o fim da trajetória seja facilmente previsível em sua estrutura. Ainda, mesmo quando Lowery acaba por utilizar de planos que se estendam aparentemente mais do que o necessário, estes contam sempre com uma riqueza temática, beleza estética e funcionalidade dramática, sendo talvez o melhor exemplo disso a já bastante comentada cena da torta.
Cena esta na qual Rooney Mara demonstra mais uma vez seu talento minimalista para criar indivíduos complexos sem ser chamativa. Criando uma boa química com Affleck (que pouco pode fazer estando preso de baixo de um imenso lençol) logo de cara, fazendo com que nos simpatizemos com a moça e sintamos a sua falta quando está não está em cena. O filme compreende que o principal impulso narrativo para discutir seus temas são as relações humanas, já que só assim seria possível discutir finitude, propósito, amor, tempo, perda, legado, uma grande quantidade de temas que o filme equilibra muito bem em sua montagem, que sabe esticar ou comprimir momentos específicos que podem não ter valor nenhum para a ordem do universo, mas sim para a própria condição individual humana.
Estas discussões interessantes acabam sendo verbalizadas num longo monólogo, brilhantemente interpretado por Will Oldham, que à primeira vista soa como mera exposição dentro de um filme extremamente contemplativo, mas que quanto mais se reflete sobre mais percebemos como a visão pessimista (ou seria realista?) do personagem é quase uma espécie de contraponto para o que presenciamos dentro da estória – havendo também uma paradoxal convergência. No fim das contas, não importa muito para qual gênero “A Ghost Story” quis realmente seguir, já que suas discussões metafísicas que nos torturam intelectual e sentimentalmente são de apelo para qualquer ser humano, seja lá qual a sua preferência cinematográfica.
*Obs: Discutimos o “pós-terror” em nosso primeiro RdM Pocket Show. Seja nosso inquilino e tenha esses e outros produtos exclusivos da República.