

Companion
Direção: Drew Hancock
Ano: 2024
País: Estados Unidos
Distribuição: Warner Bros.
Nota do crítico:
Comentamos em um RdMCast recente que 2025 é um ano extremamente promissor para o horror. Ok, talvez Lobisomem tenha decepcionado um pouco e Nosferatu não tenha conseguido agradar a todos os públicos, mas tratam-se inquestionavelmente de estreias grandes que já mostraram a que o gênero veio. Ainda em janeiro temos uma terceira grande estreia que, apesar de não contar com o mesmo peso de uma Blumhouse ou do nome de Robert Eggers, está sendo amplamente divulgada pela Warner Bros.
Estou falando, é claro, de Acompanhante Perfeita. Com um modesto orçamento de cerca de 10 milhões de dólares e o nome bastante desconhecido de Drew Hancock assinando o roteiro e a direção, o filme conta com a força de seu elenco e de sua premissa para atrair o público. Na trama, Sophie Thatcher interpreta Iris, uma jovem que acompanha seu namorado Josh (Jack Quaid) e seus amigos para passar um final de semana na “cabana” isolada do bilionário russo Sergey (Rupert Friend). Aqui já tomo cuidado para não entrar em nenhum detalhe que possa ser considerado um spoiler, então vou apenas genericamente acrescentar que um assassinato na área desencadeia uma série de eventos que revelam as verdadeiras dinâmicas daquela situação, a uma primeira vista, inofensiva.
Estou tomando mais cuidado do que de costume com certos detalhes da trama porque acredito que a dosagem de tais “revelações” seja justamente um dos pontos mais fortes de Acompanhante Perfeita. O roteiro de Hancock é bastante sagaz ao gradualmente nos entregar evidências do que se encontra sob a superfície de sorrisos e olhares sarcásticos, para que possa mais tarde explicitar tais elementos sem fingir que tratam-se de uma grande surpresa. Nesse sentido, basta dizer que o roteiro é uma espécie de inversão cínica e, portanto, mais realista, do Ela (2013) de Spike Jonze.
De saída, a temática central do filme fica muito evidente, mas o roteiro de Hancock encontra caminhos originais para abordar um tema muito discutido no cinema recentemente: dinâmicas de poder em relacionamentos abusivos. Digo original pois ele acerta ao fazer uma pequena projeção para o futuro de algo que já é plenamente constatável no mundo atual: uma crescente artificialização de relacionamentos humanos, que tornam-se efetivamente mercadorias. Um dos melhores momentos do filme, inclusive, (pequeno spoiler a frente) se dá quando Josh admite a Iris que não a possui…… mesmo ela é apenas alugada.
Fundamentais nesse sentido são as atuações acertadíssimas de todo o elenco. Jack Quaid, que já demonstrou diversas vezes saber ser esquisito, reprisa um pouco aqui da sua atuação em Pânico (2022). A sutil diferença é que confere a Josh um grau bastante reduzido de autoconsciência, encaixe perfeito para um personagem que genuinamente acredita ser sabotado por um sistema socioeconômico que só faz beneficiá-lo. Destaco ainda a atuação exagerada no tom certo de Rupert Friend como o magnata Sergey e a boa dinâmica entre Harvey Guillén e Lukas Gage. A relação entre Eli e Patrick é bem construída e serve para criar algum debate e zona cinzenta sobre questões que poderiam parecer bastante fechadas em um primeiro olhar.
Mas, sem sombra de dúvida, quem captura mesmo os olhares é Sophie Thatcher como a “acompanhante” Iris. A jovem atriz, que já havia se destacado no mundo do horror com Yellowjackets e Herege (2024), entrega mais uma excelente atuação em Acompanhante Perfeita. Enquanto sua modulação de voz é perfeita nas oscilações entre um tom robótico e emotivo, sua performance corporal, aliada a um figurino impecável, consegue convencer como a idealização da “dona de casa” dos anos 1950 em torno da qual sua personagem é moldada. Seus olhos cheios de expressividade são capazes de entregar muito também nos momentos que lhe exigem uma maior carga emocional.
Aqui reside também outro grande acerto de Acompanhante Perfeita: os personagens humanos são quase todos extremamente cínicos, mas o núcleo da história não se deixa contaminar por isso. Claro, há momentos e dinâmicas que revelam o que há de pior e mais desprezível no ser humano, mas há outros também de uma sutileza e sensibilidade ímpares. E é graças a este core emocional genuíno que somos emergidos desde a primeira sequência na perspectiva de Iris, levados a imaginar como é ter sua memória manipulada de maneira tão fundamental e sentindo cada pontada de dor existencial junto com a personagem.
Se há algum pequeno apontamento mais negativo a fazer quanto a Acompanhante Perfeita eu diria que a escolha por situar a história em uma única locação acaba por torná-la um tanto quanto repetitiva mais para o terceiro ato. É algo que funciona muito bem para um Ex Machina (2014), por exemplo, com o qual o roteiro de Hancock guarda diversas similaridades, mas que apresentava muito mais camadas no que dizia respeito a ambientação e contexto prévio. No caso de Acompanhante Perfeita, acredito que explorar um pouco mais o mundo exterior teria beneficiado bastante o filme.
Cabe, no entanto, o lembrete para mim mesmo que estamos falando de um filme produzido com apenas 10 milhões de dólares, e que precisa constantemente encontrar soluções criativas para não esticar demais a corda de seu CGI extremamente competente. Orçamento reduzido, um realizador desconhecido e uma história ambientada no futuro próximo podem soar como uma combinação que afastaria grandes distribuidoras. Mas a verdade é que o horror já provou inúmeras vezes ser capaz de transformar tais desafios em uma fórmula de sucesso (que o diga M3GAN). Acompanhante Perfeita é, assim, mais uma ótima estreia do gênero em 2025, ano que mal começou. Aguardo ansiosamente os próximos 11 meses.