Crítica | A Maldição da Mansão Bly

(The Haunting of Bly Manor)
Data de Lançamento: 09/10/2021
Criador: Mike Flanagan
Streaming: Netflix

Controlar as expectativas quando um lançamento de um filme ou série escrita e dirigida por Mike Flanagan (que aqui dá sequência à sua parceria de longa data com a Netflix) está próximo sempre foi um grande desafio para os fãs do gênero de horror, inclusive para este que vos escreve. Ainda mais quando se trata de uma série paralela (de forma antológica) à sua série anterior, a aclamada A Maldição da Residência Hill (2018). Dois anos após o lançamento da mesma, que viria a ser considerada uma das melhores séries originais Netflix, o diretor nos convida a acompanhar uma nova e emocionante história, com novos personagens, em uma outra imensa casa repleta de eventos fantasmagóricos e acontecimentos estranhos. Desta vez, a Mansão Bly se faz palco das ideias insanas de um dos principais cineastas de terror da última década.

Na história, somos introduzidos da forma mais convencional possível, por meio do flashback narrado pela personagem de Carla Gugino, à chegada da protagonista Dani (Victoria Pedretti) à Mansão, após aceitar um emprego como babá dos dois sobrinhos (recém orfãos) de um renomado advogado. Após se familiarizar com os residentes e com a imensa casa, Dani não demora para preceber o quão peculiar aquele local pode ser, e o quanto as crianças, Flora (Amelie Bea Smith) e Miles (Benjamin Evan Ainsworth), parecem esconder inúmeros segredos.





 É evidente que toda e qualquer informação além disso pode arruinar experiências.

Assim como em “A Maldição da Residência Hill” (2018), a série consegue gerar no espectador uma imediata empatia com cada um dos personagens, que compõem uma história repleta de drama e romance, ainda que muito bem trabalhados em cima do horror psicológico. Flanagan assegura uma direção que valoriza o subjetivo e a angústia vivenciada pelos residentes da mansão. Nos sentimos sufocados e presos com aquelas pessoas que buscam a todo o custo garantir a segurança das crianças e da própria mansão.

Um dos grandes trunfos de A Maldição da Mansão Bly, assim como na grande maioria das obras do diretor, é que a narrativa não vê o espectador como ignorante, e o permite que ligue os pontos a partir das pistas plantadas pelo enredo ao longo dos episódios. É ao nos sentir valorizados, e não subestimados, que percebemos o quão pobre e sem alma são a avassaladora maioria dos roteiros de filmes (e seriados) comerciais de horror. Flanagan se destaca nesse meio nos colocando diante, através dos mesmos atores de sua série anterior (em personagens completamente diferentes), de nossas próprias condições, seja nosso egoísmo, nossos receios, nossa falsidade, ou nossa incapacidade de amarmos uns aos outros sem sermos punidos pelo universo de alguma forma.



Porém desta vez, nem só de flores vive o jardim de Flanagan. Diferentemente do já citado e de certa forma, antecessor, “A Maldição da Residência Hill”, a obra não constrói um enredo tão atrativo e tão bem dividido entre cada um de seus personagens. Temos uma dispersão de foco ao longo dos episódios que impede que todos os eventos sejam amarrados de forma satisfatória. É deixada a sensação de que faltou um desfecho mais criativo envolvendo todos os personagens. Adaptando e modificando a história do clássico “Os Inocentes” (1961), A Maldição da Mansão Bly, que supera facilmente a última adaptação do clássico para o cinema (Os Órfãos), embora com poucos personagens secundários, não consegue equilibrar o tempo que dedica para cada um dos mesmos. As subtramas, não são tão bem apresentadas e resolvidas, além de desperdiçarem um tempo que poderia servir o público de forma mais interessante, agregando à narrativa principal.

Ainda que com suas inconsistências, a série nos emociona fortemente e nos deixa tensos em incontáveis momentos. Enquanto o roteiro (e o casting, repletos de representatividade) nos faz temer pela vida daquelas pessoas que sequer conhecemos, mas que já nos apegamos desde os primeiros minutos, a trilha musical dos já constantes parceiros de Flanagan, The Newton Brothers, nos transporta para outra realidade no decorrer dos episódios com sua belíssima composição de acordes menores que resgatam os sentimentos mais profundos de drama e horror. Mas uma das maiores genialidades da obra é o fato de notarmos, em cada enquadramento, espíritos ocultos pelos cantos da mansão, em terceiro plano, como se a intenção do diretor ao lado do diretor de fotografia, tivesse sido transmitir a sensação de que há sempre alguém atrás dos personagens, observando-os, assim como nós, expectadores. É exatamente ao aproximar convidativamente o público do drama desses espíritos ao invés de simplesmente nos afastar por puro medo (como estamos acostumados), que A Maldição da Mansão Bly faz jus à expectativa criada pelos fãs do gênero e do diretor, e se configura como uma grande obra da Netflix em 2020.