Crítica | Caçada

Caçada
(Hunter Hunter)
Data de Lançamento no Brasil: 08/04/2022 (HBO Max)
Direção: Shawn Linden
Distribuição: IFC Midnight

A grande força de um filme pode se manifestar de diferentes maneiras. Desde sua estrutura narrativa às interpretações de seu elenco, o cuidado com os aspectos técnicos, uma direção inovadora, a importância de sua mensagem e relevância social, entre tantos outros quesitos que compõem uma obra cinematográfica. Porém, uma outra característica importantíssima, infelizmente algumas vezes deixada de lado por nós, meros amantes da sétima arte, é o potencial imersivo. Potencial de nos identificarmos profundamente com os personagens, suas motivações, seus defeitos, qualidades e, principalmente, com as difíceis ocasiões que os mesmos enfrentam, ainda que, no fim, tais histórias não tragam nada de realmente novo para o gênero ou momento histórico em que se inserem.

Aos leitores que, neste exato momento, questionam a razão de tal introdução, este que vos escreve o faz com prazer ao dizer que o longa canadense-estadunidense Caçada (2020), recém-chegado ao catálogo da HBO Max, se enquadra exatamente neste mais que satisfatório cenário descrito acima. Construindo uma atmosfera poderosa desde seus primeiros minutos, o filme se destaca como um thriller eletrizante e com um ótimo ritmo, se configurando como mais um interessantíssimo longa de baixo orçamento distribuído pela IFC Midnight.

Caçada conta a história de uma família vivendo numa região selvagem e remota, que ganha a vida como caçadores de peles. Composta pelo confiante Joseph (Devon Sawa, ator principal de Premonição, 2000), a determinada esposa Anne (Camille Sullivan), e a inteligente filha Renée (Summer H. Howell), a família luta para sobreviver e para saciar a fome de mais um dia que se segue. Porém, com a chegada de um perigoso lobo na região, a preocupação toma conta do lar. Com o objetivo de encontrar e matar o predador, Joseph deixa sua esposa e filha para trás. Enquanto isso, Anne e Renée ficam cada vez mais ansiosas durante a ausência prolongada de Joseph e lutam para sobreviver sem ele. Tudo piora quando mãe e filha encontram um homem gravemente ferido chamado Lou, no meio da floresta, e decidem abrigá-lo.

Já de início (mais especificamente nas primeiras cenas), conforme o cotidiano e a vida dura daqueles que compõem aquela família nos é apresentado, nos vemos completamente transportados ao universo proposto pelo roteirista e diretor Shawn Linden, criando instantânea empatia por tais personagens. Desde a ótima relação de Renée com seu pai até o árduo trabalho de Anne e suas ótimas discussões com seu marido sobre as oportunidades e o futuro de sua filha, deixamos de lado nossas vidas para embarcar de vez nesta jornada junto com os 3 personagens principais. Sabendo que a duração do filme não é das maiores (93 minutos), há ainda em Caçada algumas subtramas, como a relação entre dois policiais locais e alguns dos chamados frequentes envolvendo a aparição de ursos, que, embora não agreguem diretamente à trama, ao menos não a prejudicam. Em alguns instantes, não obstante, temos a impressão (senão a certeza) de que tais minutos dedicados a essas subtramas teriam sido melhor aproveitados se investidos na história principal. 

A floresta, em Caçada, torna-se praticamente uma personagem, repleta de possibilidades, ramificações e riscos, escondendo surpresas embaixo de cada galho. É através dela que surgem as primeiras e extremamente tensas cenas envolvendo Joseph e sua filha Renée. A primorosa mão de Linden, essencialmente na direção, garante cenas que transmitem perfeitamente o desespero e medo sentido pelos personagens em situações de perigo, por meio de pequenos detalhes existentes nos enquadramentos, no ritmo da narrativa e em toda a composição da cena. Optando por não mostrar aquilo que não se faz necessário, o diretor aposta muito na intuição e, consequentemente, na atenção do espectador para montar o quebra-cabeças de sua história, o que  funciona perfeitamente. Louvemos também a brilhante interpretação de Camille Sullivan, que entrega tudo de si em um papel denso e difícil, ainda que, na verdade, praticamente todo o elenco esteja muito bem.

Assim como o aclamado e premiado longa O Ataque dos Cães (2021) – da duplamente oscarizada Jane Campion – faz muito bem seu comentário social sobre os cães que ladram mas não mordem, e aqueles que mordem mas não ladram, aqui também é possível notar um belo paralelo sobre este ponto, ainda que de uma ótica diferente, possivelmente até previsível demais aos olhos de muitos. O longa de Shawn Linden nos faz refletir sobre os verdadeiros e violentos lobos que interferem em nossos objetivos e em nossas vidas, enquanto nos presenteia com um suspense enérgico e angustiante sobre vida, morte e, acima de tudo, sobrevivência. 

Reservando uma boa dose de sangue e gore para o seu forte e impressionante final, Caçada se mostra bem mais do que um frenético thriller que flerta com o body horror. O filme é uma aula sobre como uma formidável direção, aliada a um roteiro honesto, que não faz questão de modernizar seu subgênero (mas que também não faz seu espectador de bobo), pode muito bem render cenas aflitivas e memoráveis aos olhos do público, utilizando conscientemente dos ângulos de câmera e da direção de atores a seu favor.