Crítica | Fúria Incontrolável

Fúria Incontrolável
(Unhinged)
Data de Estreia: 12/11/2020
Direção: Derrick Borte
Distribuição: Diamond Films

“Não aceite doce de estranhos” ou “não fale com estranhos” ou ainda “cuidado em quem você confia”. Essas frases são ouvidas e ditas diariamente como sinais de alerta em diversas culturas e acabam desencadeando um medo que se torna primitivo em nossa mente, algo internalizado ao ponto de se tornar tão forte quanto o medo do escuro ou o medo de altura: o medo do estranho desconhecido.

“Fúria Incontrolável” do diretor Derrick Borte (Caminhos de Sangue, 2018) e roteirizado por Carl Ellsworth (Amanhecer Violento, 2012) trabalha com esse medo primordial através de uma trama que, ao mesmo tempo que envolve, depende de uma suspensão de descrença constante para ignorar os furos de roteiro que poderiam ter sido resolvidos com um pente fino mais atento na pós produção.

A introdução de “Fúria Incontrolável” já é forte. Somos apresentados ao personagem de Russell Crowe – creditado no filme como O Homem –, cometendo um duplo assassinato. O diretor corta para uma montagem bem interessante de abertura que exemplifica bem a escalada de tensão que o filme vai construir. Ela  mescla cenas de telejornais com uma narração em off, também de telejornais, da violência urbana e de como a sociedade está cada vez mais desligada de instintos básicos de cordialidade e educação. A partir daí somos apresentados à protagonista, Rachel (Caren Pistorius, High Ground) e seu filho Kyle (Gabriel Bateman). Após uma discussão de Rachel no trânsito, justamente com o Homem, ela passa a ser perseguida pelo mesmo, de forma implacável.

O filme, como eu disse, constrói muito bem sua tensão. O telespectador tem o conhecimento de que o Homem é um assassino a sangue frio – além de saber que está assistindo a um filme – então a primeira interação é construída de uma maneira que faz você torcer para que a protagonista fale a coisa exata, mesmo sabendo que ela não irá fazer. E em todos os momentos Caren consegue passar uma confusão e ódio genuíno mediante a situação, mesmo com um roteiro que às vezes tende a imbecilizar algumas ações que ela poderia tomar.

Russell Crowe é um urso. Ele é a personificação do stalker imparável e até justifica o fato de ele conseguir fazer coisas que seriam impossíveis, como desbloquear um celular com senha, transferir dinheiro de uma conta de banco sem a senha, rastrear um carro dentro de uma cidade grande, ter o toque de Michael Bay onde todos os carros que ele bate magicamente explodem etc.

O personagem de Crowe tem uma rima narrativa forte com o personagem de Michael Douglas em “Um Dia de Fúria” de 1993, porém aqui ele é assumidamente e sem a menor sombra de dúvidas o antagonista da trama. Falando em rimas narrativas, o filme tem uma homenagem a Perseguição, de 2001, outro filme de perseguição de carros. A protagonista possui uma “candy cane sccissors” – ou tesoura de doce em tradução livre – onde “candy cane” é o nome usado pela dupla de jovens do filme de 2001 no rádio amador que dá início a toda a perseguição.

“Fúria Incontrolável” é um bom entretenimento, sem dúvidas. Possui uma protagonista carismática, um antagonista desumano com uma pitada de psicose e esquizofrenia, cenas de perseguição muito legais. Porém, novamente, em diversos momentos os furos no roteiro podem lhe tirar da imersão do filme. Coisas que poderiam ser realizadas de uma maneira mais orgânica ou menos extravagante para vias de efeito e choque poderiam trazer um realismo que seria muito bem-vindo ao longa. Em suma, o filme de Derrick Borte não reinventa a roda, mas apresenta um thriller intrigante que em alguns momentos te deixa na ponta da cadeira. Com certeza, um dos melhores filmes medianos do ano.