It: Capítulo Dois
(It: Chapter Two)
Data de Estreia no Brasil: 05/09/2019
Direção: Andy Muschietti
Distribuição: Warner Bros.
Antes de começar a falar sobre o filme propriamente dito, preciso admitir que provavelmente sabotei minha própria experiência ao depositar em “It: Capítulo Dois” muito mais expectativa do que o filme jamais poderia cumprir. Quem ouviu o RdMCast de número 121 – “O Terror em 2017” sabe que à época considerei (e certamente continuo considerando) “It: A Coisa” um do melhores filmes de terror, não só de 2017, mas dos anos 2000. Por conta da e alimentando ainda mais a expectativa que sentia com relação a sequência, decidi assistir o primeiro filme novamente na véspera da cabine de imprensa deste “It: Capítulo Dois”. O resultado foi que assisti-o com a ótima qualidade do filme de 2017 na cabeça, ansioso e mais do que disposto a amar sua continuação. Infelizmente, acabei encontrando em “It” (2019) um bom filme, mas um perante o qual não pude deixar de sentir grande decepção e desalento, pensando constantemente não no que ele é, mas no que poderia ter sido.
Devo admitir aqui que, por mais que sempre tenha tido este desejo, acabei nunca lendo o livro de Stephen King no qual o filme se baseia. Até onde sei (baseando-me unicamente em senso comum), no entanto, a primeira metade de “It” (1986) é de fato seu melhor momento, enquanto a segunda parte, que conta o reencontro do “clube dos otários” 27 anos após o primeiro enfrentamento com Pennywise, era de fato seu ponto mais fraco, especialmente nas famigeradas “últimas 300 páginas”. Então, por um lado, o diretor Andy Muschietti e o roteirista Gary Dauberman realmente tinham à frente um desafio muito maior do que aquele que representava o projeto anterior. Por outro, é imperdoável que, passados 33 anos do lançamento do livro, os produtores sejam incapazes de levar em consideração todas as críticas já feitas em relação a escrita de King para aprimorar uma adaptação de seu material. Passando bem longe da originalidade de “It” (2017), “It: Capítulo Dois” é um filme que joga seguro em praticamente todas as suas escolhas, constituindo uma sequência decepcionante e insossa.
Logo ao começo do filme, quando eu ainda estava cem por cento crente de que iria amá-lo, algumas das decisões tomadas demonstram uma incrível falta de inspiração. Sem nem considerar a cena absolutamente desnecessária de um ataque homofóbico que abre o filme, – vou me contentar em dizer que alguns temas são sensíveis demais para serem apenas “jogados” em uma narrativa sem o devido trato – as escolhas no que diz respeito a “transformação” dos personagens são as mais óbvias e clichês possíveis. Do Ben “gordinho” transformado em “bonitão milionário” até o Bill bem-sucedido autor que usa seu passado trágico como inspiração, os rumos que as vidas dos protagonistas tomam parecem muito mais uma projeção de suas próprias mentes juvenis imaginada no verão de 1989 do que frutos da mente de um roteirista/escritor profissional. Para além disso, é um senso comum acrítico inaceitável por parte do roteiro imaginar que os cinco homens brancos do grupo são bem-sucedidos em suas carreiras, enquanto o único homem negro é o mais obcecado com o passado e com a cidade, e a personagem feminina só é rica porque a fortuna advém do homem com quem se casou.
A forma como “It: Capítulo Dois” lida com a personagem de Beverly, diga-se de passagem, é um grande sintoma da sequência de ideias mau formuladas e pouco criativas nas quais consiste este roteiro. Contratar uma das melhores atrizes da atualidade, Jessica Chastain, para interpretar uma personagem tristemente sem personalidade, uma peça a compor um triângulo amoroso totalmente descabido, é uma indecência. Beverly, justamente a personagem que mais havia se destacado em “It” (2017), fica completamente sem ação e sem espaço na trama da sequência. Além disso, é bastante questionável a ligação que o filme faz entre o abuso que sofria de seu pai e seu casamento com um homem agressivo e manipulativo, que resulta em uma cena de (re)introdução da personagem mediocremente construída, clichê, e que em nada avança para desenvolver sua personagem.
Com relação aos personagens homens, em contrapartida, há alguns acertos e alguns erros. Se o Ben de Jay Ryan é uma projeção sem graça de como um menino de 12 anos enxergaria seu futuro ideal, o Richie de Bill Hader é ótimo. Seu personagem é o único que apresenta um desenvolvimento realmente satisfatório entre sua versão infantil e adulta, sendo possível ver no presente os reflexos da forma como fazia do humor uma ferramenta de escape para lidar com suas inseguranças e sua sexualidade. Por sua vez, o Mike de Isaiah Mustafa e o Eddie de James Ransone são apenas regulares em suas representações estereotipadas do, respectivamente, adulto obcecado com seu trágico passado e do homem excessivamente preocupado com sua própria segurança e zona de conforto. James McAvoy, por sua vez, consegue adicionar o grau necessário de complexidade a um personagem escrito de forma unidimensional, sendo capaz de fazer-nos sentir empatia pelo complexo de culpa que Bill nutre em relação aos atos de Pennywise. Falando dele, o vilão do filme é outro que tem seus erros e acertos. Se por um lado a caracterização de Bill Skarsgard continua ótima ao retratar o cinismo prepotente do palhaço, o excesso de aparições do personagem acaba por desgastar o medo e a angústia que provoca.
As sequências mais aterrorizantes do filme são também uma evidência da característica “um erro para cada acerto” apresentada por “It: Capítulo Dois”. Se existem algumas cenas angustiantes em sua eficaz construção de suspense, como a sequência de Beverly voltando para a casa em que costumava morar (inteligentemente utilizada como trailer para o filme), uma ou duas – especialmente a envolvendo Bev e Ben crianças – chegam a dar vergonha alheia em sua pretensão de nos assustar com algo que na realidade é risível. Além do mais, algo que já era um problema em “It: A Coisa”, e que acaba sendo muito mais grave na continuação, é o aspecto bastante “serializado” do segundo ato de ambos os filmes. Incapazes de modificar a estrutura de “um susto para cada personagem”, provavelmente presente no livro e cabível para aquela mídia, ambos acabam sofrendo com um miolo de história muito comprido, que acaba deixando o ritmo da narrativa bastante arrastado. O problema fica mais evidente na continuação pois há uma incapacidade do roteiro em criar uma boa dinâmica de grupo para os personagens – com exceção de uma divertida cena num bar – deixando-os muito compartimentalizados em mini-núcleos. Além disso, as sequências mostrando tais sustos/MacGuffins individuais pouco fazem no sentido de desenvolver os personagens, uma vez que eles já haviam sido mal caracterizados desde o princípio.
Outro grande problema de “It: Capítulo Dois”, que na verdade é um resumo de todos estes, é a sua exagerada duração. Há no filme uma grande quantidade de cenas supérfluas (uma envolvendo uma loja de penhores é o principal exemplo), que acabam fazendo-o parecer uma versão estendida para blu-ray, e não um corte de cinema. Um filme mais enxuto, com no máximo 135 minutos, serviria também para aliviar alguns de seus principais problemas. É curioso, além disso, que o clímax do filme, que a maioria das pessoas temia pudesse ser seu ponto fraco, acaba por ser uma boa conclusão para a história, uma vez que Andy Muchietti consegue injetar-lhe bastante energia sem transformá-lo em apenas uma sequência de ação grandiosa e sem cérebro. A estratégia que os protagonistas montam para derrotar Pennywise faz sentido e funciona como um bom complemento ao que já havia funcionado ao final do primeiro filme. O encerramento propriamente dito, o epilogo, no entanto, faz voltar aquela sensação de que o roteiro de “It: Capítulo Dois” é uma série de casos de mau julgamento, que só consegue ser satisfatório enquanto filme naquilo em que pega carona de seu antecessor. Isso pode ser em parte culpa minha, admito, mas eu esperava muito mais de “It: Capítulo Dois” do que o que foi entregue.