Morto Não Fala

Morto Não Fala
Data de Estreia no Brasil: 10/10/2019
Direção: Dennison Ramalho
Distribuição: Pagu Pictures
 

Baseado em um conto escrito pelo jornalista Marcos de Castro em 2004, Morto Não Fala por pouco não virou uma série da TV Globo. O filme conta a história de Stênio (Daniel de Oliveira), um funcionário do IML da zona leste de São Paulo que possui a peculiar habilidade de falar com os mortos, mais explicitamente, com seus cadáveres, que lhe revelam os mais macabros segredos.

O primeiro cadáver falante nos é apresentado sem cerimônias, mostrando o quão normal aquele fato é na vida do legista. A distorção da voz dos mortos ajuda no clima macabro que o filme apresenta. O único defeito é justamente na forma como as bocas dos mortos se mexem. O efeito computadorizado que resulta em corpo parado e boca em movimento incomoda no início, mas logo esquecemos esse pequeno defeito graças à narrativa envolvente.

Quando começa, o filme nos apresenta uma cacofonia de sons, resultante de diversas notícias de casos de violência, em especial de brigas entre torcidas organizadas, elemento quotidiano dos noticiários nacionais. Essa mesma cacofonia se repete quando, após uma tragédia, o IML está repleto de corpos que murmuram e se lamentam, levando Stênio ao ápice do estresse.

A narrativa, aliás, explora muito bem o cansaço psicológico do protagonista em relação ao seu emprego. Devido ao seu trabalho no IML, abrindo e costurando cadáveres, Stênio é visto praticamente como um marginal. Ele é alvo de piadas e brincadeiras por parte de seus colegas, além de ser constantemente repreendido por sua esposa, Odete (Fabiula Nascimento).

O filme brinca muito bem com o estereótipo do monstro. Além de sua habilidade sobrenatural, Stênio é alvo de nojo. Seu cheiro irrita sua esposa e o modo como age espanta seus colegas. Em uma cena, o legista dorme em uma maca, ao lado de um cadáver, os dois encontram-se no mesmo plano e Stênio está em um raro momento de descanso. Estaria ele mais confortável entre os mortos do que entre os vivos? Acredito que a repulsa sentida por sua esposa nos mostra que o protagonista não pertence ao mundo dos vivos.

O diretor nos presenteia uma linda fotografia, como por exemplo, a cena em que Stênio atravessa uma trama de linhas com cerol e o vermelho das luzes da rua se mistura com o vermelho do sangue que escorre de seus cortes. Destaco também a cena da falta de luz no IML, em que Ramalho nos mostra que a sombra, algo tão simples, é um dos elementos vitais do cinema de horror.

O último ato é acompanhado de um estilo de filmagem que nos lembra muito filmes de ação policiais. A velocidade de câmera, o ritmo da narrativa e os dilemas de Stênio contribuem para o escalonamento da tensão. Ficamos apreensivos para o desfecho, que não decepciona. Stênio termina sua jornada em meio aos seus. O que isso significa? Só vendo o filme para saber.

Morto Não Fala é mais um representante dessa excelente leva de filmes de horror nacionais. Cinema nacional e fantasmas dão uma excelente combinação que merece ser prestigiada.