(Servant)
Data de Lançamento: 28/11/2019
Criador: Tony Basgallop
Streaming: Apple TV+
Ao mesmo tempo que é incrível a sensação de encontrar uma série de suspense com uma temporada de estreia praticamente impecável, é lamentável descobrir que a mesma não tem sido tão divulgada e apreciada pelo público quanto deveria. Mas é aí que nos lembramos de nosso papel, seja como cineastas, críticos de cinema, cinéfilos ou simples admiradores de uma boa e misteriosa história. Independente de qualquer marketing de divulgação bem ou mal realizado, temos em nossas mãos o poder de atrair/conectar pessoas para com seus gêneros literários e audiovisuais favoritos, recomendando-os para pessoas próximas, ou mesmo indicando-os para amigos e conhecidos de redes sociais que compartilham de nossos gostos. Muitas obras se fizeram conhecidas dessa forma, e sabendo disso, faço aqui minha parte.
Servant, série original da Apple TV+, é uma daquelas gratas surpresas que quanto menos soubermos antes de assistir, melhor. É complicado pensar em qualquer breve sinopse que não entregue nada mas que seja ao menos cativante. Ainda assim me arriscarei aqui em algumas frases. E já aviso que caso não seja o suficiente para você, leitor, se interessar pela série, deixo o conselho de que não assista nenhum trailer, não leia nenhuma outra sinopse (pois todas parecem conter um spoiler arrasador) e apenas se arrisque no primeiro episódio, que se configura como um dos melhores pilotos de séries que já tive o prazer de conferir. Portanto, me desculpo desde já se esse texto acabar sendo um pouco mais longo e passional do que o normal.
Em Servant, acompanhamos a simpática e altruísta Dorothy (Lauren Ambrose), uma repórter do jornal local, e Sean (Toby Kebbell), seu cético e sincero marido, chef de cozinha. Ambos vivem em uma casa de classe média alta, e ocupados com seus trabalhos, contratam uma babá, Leanne (Nell Tiger Free) para cuidarem de seu bebê, chamado Jericho. Porém conforme os minutos correm, descobrimos pistas intensas de que algo muito errado está prestes a acontecer ali.
Criada e escrita por Tony Basgallop, ao lado do mestre do suspense e das reviravoltas, M. Night Shyamalan na produção executiva e na direção de dois episódios, a série conserva um tom de mistério que cerca todos os episódios com a medida exata de tensão, enquanto planta inúmeras dúvidas no espectador, como: “qual o grande mistério envolvendo o bebê?” “Quais as verdadeiras intenções da babá e porque ela faz o que faz?”. Diferentemente da maioria das séries do gênero, a série opta por manter e alimentar essas dúvidas por muito tempo, enquanto simultaneamente insere novos acontecimentos estranhos com frequência, o que nos faz suspeitar ainda mais do caráter dos personagens e de onde essa imprevisível história quer de fato nos levar.
Um ponto interessante está no protagonismo da série, que praticamente se alterna durante os episódios, valorizando a visão de cada personagem principal e colaborando para o desenrolar do enredo em diferentes óticas, que por sua vez se mostra sempre mais complexo e profundo do que imaginamos. A atriz Nell Tiger Free traz, através de seu olhar penetrante e de suas expressões de dúvida, toda a ambiguidade e insegurança que sua curiosa personagem (Leanne) precisa. Enquanto Sean e Dorothy compartilham momentos bons e ruins diante de uma montanha russa de sentimentos, em também ótimas atuações de seus intérpretes. O ator Rupert Grint também encarna um papel relevante, como o desconfiado irmão de Dorothy, e só adiciona mais doses de inquietude àquele ambiente.
Surpreendentemente os aspectos técnicos se mostram, do primeiro ao último episódio, em perfeita harmonia. Se os angustiantes e insinuantes ângulos e movimentos de câmera, juntamente com a trilha musical arrepiante (composta com maestria por Trevor Gureckis e nos lembrando muito das harmonias torturantes de Mark Korven em “A Bruxa” e de Colin Stetson em “Hereditário”), transmitem o desconforto de uma trama enigmática, ao mesmo tempo contrastam positivamente com o cuidado excessivo do design de produção em construir um ambiente aparentemente (leia-se ilusoriamente) familiar e acolhedor.
Servindo como um belo e longo suspiro de imaginação para um gênero pouco impressionante em produções televisivas, o roteiro demonstra que boa parte de sua eficiência constitui-se na proporção certeira dos traços de drama familiar e terror psicológico que sua trama nos apresenta. Com um elenco principal enxuto mas com muita criatividade e audácia em seu roteiro e em sua direção, Servant se estabelece facilmente como uma das melhores produções originais/exclusivas da Apple TV+, e definitivamente como uma das mais relevantes séries de suspense dos últimos anos.