Swallow

Devorar
(Swallow)
Data de Lançamento: 06/03/2020 (EUA)
Direção: Carlo Mirabella-Davis
Distribuição: IFC Films (EUA)

Antes de qualquer apresentação dispensável, é importante ter noção do que esperar de Swallow. Há críticas que só devem (ou ao menos são recomendadas) ser lidas após assistir ao filme, e não necessariamente por conter spoilers, mas sim porque certas obras provocam discussões/dúvidas que algumas análises podem ajudar a estimular e elucidar. No caso de Swallow, o caso é o contrário. Vendido de maneira aterrorizante, misteriosa ou até perturbadora aos olhos do público, o trailer e todo o material de divulgação não poderia passar uma ideia mais errada sobre o que de fato se trata o filme. Portanto, para evitar possíveis frustrações com falsas expectativas, recomendo a leitura desse texto antes mesmo de conferir a obra.

A história se desenvolve nos apresentando a bela Hunter (Haley Bennett), uma jovem dona de casa que aparenta ter uma vida perfeita, mas que com as adversidades da vida, encontrou na submissão ao seu marido Richie (Austin Stowell) uma forma segura de não precisar passar por mudanças drásticas. Porém a maior delas chega mais cedo ou mais tarde, quando após descobrir que está grávida, passa a fomentar um repentino hábito de ingerir pequenos objetos. Conforme se vê cada vez mais controlada pelo marido e seus ricos sogros, além de obcecada a manter perigoso hábito, Hunter passa a questionar a necessidade de confrontar seu passado.

Swallow traça desde suas primeiras cenas, um paralelo com a temática do relacionamento abusivo, que diferentemente da ideia transmitida pelo recente O Homem Invisível (2020), pode se revelar através de pequenas ações e comentários com a tentativa de controlar os pensamentos e atitudes do companheiro, favorecendo apenas suas vontades. Esse paralelo é bem desenvolvido tanto pelo roteiro quanto pela direção, que através de cenas sutis nos mostra o quão triste é a realidade vivida pela protagonista, que apesar do que vivencia diariamente, ainda tenta acreditar que é uma pessoa feliz.

Conforme se vê angustiada pela falta de controle em sua vida, Hunter passa a se atrair pelo proibido. O enredo não deixa claro a razão de seu hábito, mas não deixa de apontar possibilidades, como: a busca por algo em que se sinta no controle; uma simples fascinação ou prazer pela sensação de engolir tais objetos; ou até mesmo uma possível e irracional intenção de machucar seu filho (ainda um feto). Inclusive está na forma como a obra expõe essa falta de razão e impulsividade da personagem, uma das maiores qualidades do filme. Embora não consigamos compreender totalmente suas intenções, não ficamos nos questionando o tempo todo porque ela toma determinadas ações, pois nos projetamos facilmente no ambiente controlador que a protagonista está inserida, e idealizamos as possíveis consequências.

Trabalhando bem sua fotografia limpa e utilizando o poder da iluminação em diferentes cores e intensidades a seu favor, a obra também possui uma construção de cenários que favorece a mise-en-scène e reflete o quão deslocada Hunter se sente daquela “casa de bonecas”. Embora seja tecnicamente surpreendente, o roteiro tem alguns problemas de ritmo que acabam prejudicando o desenrolar da história, por dedicar demasiado tempo em cenas que pouco acrescentam a trama. Mas felizmente o filme mantém intacta suas qualidades e sua criatividade em transmitir através de ações (e não diálogos) toda a angústia e receios da protagonista, que inclusive nos cativa de imediato por uma ótima interpretação de Haley Bennett (com seus olhares penetrantes e expressões corporais emblemáticas), que finalmente agarra um papel principal complexo após se sair muito bem como coadjuvante no suspense “A Garota no Trem” (2016).

Apesar de ser um filme bom dentro do que se propõe, Swallow passa longe de ser um filme de terror (a envolvente trilha musical originalmente composta por Nathan Halpern é o que mais se aproxima do gênero). Malemá um suspense psicológico. Está mais para um drama sobre as consequências de relacionamentos abusivos e fenômenos emocionais, flertando levemente com o “terror social”. É um filme que vai muito além da bela relação ambígua que seu título nos traz, que espelha tanto o hábito da protagonista, quanto o ato de “engolir” (leia-se suportar) o controle exercido pelas pessoas mais próximas da mesma. Sem falar que “swallow” também significa “andorinha”, propondo talvez uma ligação entre a personagem e sua posição de “animal adestrado” em sua casa. Promovendo reflexões provocativas sobre masculinidade tóxica, o autodescobrimento, e também o quão “normal” pode parecer um relacionamento abusivo, a obra merece uma oportunidade, embora claramente não vá agradar todos os públicos.