The Cloverfield Paradox
Data de Estreia no Brasil: 04/02/2018
Direção: Julius Onah
Distribuição: Netflix
Construir uma ficção-científica que consegue ser ao mesmo tempo crível e imaginativa é uma arte complexa e dificílima. Desde os anos 1940, mestres como Isaac Asimov e Arthur C. Clarke por vezes amedrontaram e em outras encheram de esperanças seus leitores, com universos que imaginam o que é atualmente impossível concretizando-se a partir de intrincadas teorias científicas. Quando estas projeções funcionam, rendem belíssimas e marcantes obras (sejam no cinema, literatura, games, etc.). Quando exercitadas por roteiristas incapazes, no entanto, resultam em obras catastroficamente estúpidas, como é “The Cloverfield Paradox”.
Assim como havia sido o surpreendente e ótimo “Rua Cloverfield, 10”, esta produção da Netflix tem uma conexão muito tênue com o “universo Cloverfield” criado por J.J. Abrams e Drew Goddard em 2008. Para o filme de 2016, no entanto, bastou que se constituísse como uma excelente experiência cinematográfica para que se torna-se quase irrelevante o quão forçada era sua tentativa de se encaixar na “marca” Cloverfield. “The Cloverfield Paradox”, por outro lado, escancara a fragilidade desta pretensão de criar um universo a partir de uma ideia original que nunca teve esta intenção, inventando uma desculpa ridícula para o surgimento dos monstros de “Cloverfield”.
Em uma terra alternativa que enfrenta uma grave crise energética (algo totalmente incoerente com o universo estabelecido pelo filme de 2008), prestes a entrar em uma guerra global por recursos naturais, uma missão conjunta de vários países é criada para enviar uma estação espacial à órbita da Terra (pra isso tem energia de sobra) com um acelerador de partículas. Incumbida de realizar testes considerados perigosos demais para serem feitos na superfície terrestre, a estação Cloverfield passa 2 anos ativando o acelerador em busca da tal fonte inesgotável de energia, até que algo dá errado e cria-se um paradoxo que faz com que partículas de duas realidades diferentes interajam entre si e as fundam em uma só.
É engraçado observar como os roteiristas Doug Jung e Oren Uziel subestimam constantemente a inteligência de seu público, julgando que o diálogo tosco que criam para os “cientistas” seria suficiente para nos convencer de que um plano tão absurdo seria possível. Tudo em “The Cloverfield Paradox” soa completamente apressado, como se um esqueleto base de roteiro escrito em 12h tivesse sido imediatamente enviado para o diretor, que rodou o filme inteiro em 3 dias. Ainda pior do que a situação ridícula imaginada são as personagens que a conduzem, que em sua maioria não possuem um mero traço de caracterização e falham completamente em sua missão de estabelecer qualquer tipo de empatia com o público.
Não há nenhuma dinâmica construída entre os integrantes do grupo de cientistas que povoam a nave, fazendo com que as relações que estabelecem entre si sejam totalmente confusas, o que logo de cara prejudica a tentativa de criação de tensão no início do filme advinda do conflito entre dois membros da tripulação. A única personagem que tem algum desenvolvimento, Hamilton, é tão mal construída que me faz considerar a falta de desenvolvimento dos outros personagens a melhor das opções. Em um arco que plagia descaradamente o excelente “Manchester à Beira-Mar”, há uma fraquíssima tentativa de criar uma complexidade emocional para a personagem, que falha miseravelmente e consegue deixar tudo com um aspecto ainda mais artificial e indiferente.
Tudo fica ainda pior quando se olha a qualidade do elenco. A própria Gugu Mbatha-Raw (Hamilton) que está excelente em “San Junipero” limita-se aqui a um misto risível de um tom inexpressivo na maioria do tempo, e olhos esbugalhados no que tenta simular a expressão humana de surpresa. Os ótimos Davie Oyelowo, Daniel Brühl, John Ortiz e Ziyi Zhang entregam os estúpidos diálogos que permeiam o filme com palpável falta de empolgação (só me pergunto se estão no filme por obrigações contratuais ou por um baita cachê). Como se não bastasse, a adição de Jensen (Elizabeth Debicki) no segundo ato consegue tornar tudo ainda pior e mais sem sentido.
Além da total falta de nexo em quase todos os momentos do filme, o terceiro ato de “The Cloverfield Paradox” é um dos mais previsíveis que já tive o desprazer de assistir, jogando na cara do público todos os mais cansados clichês do sci-fi e de filmes de ação. Uma trilha sonora absurdamente desconexa com as sequências que sobrepõe (a escolhas parecem literalmente aleatórias) e jumpscares ainda mais previsíveis do que os rumos da narrativa completam a bagunça medíocre que é “The Cloverfield Paradox”, uma trama absurdamente genérica e sem graça que nada tem a ver com Cloverfield. Em suma: se você ainda não assistiu, não perca seu tempo. Se você já assistiu… meus pêsames.