Um Lugar Silencioso
(A Quiet Place)
Data de Estreia no Brasil: 05/04/2018
Direção: John Krasinski
Distribuição: Paramount Pictures
Já pelo material promocional criado para o filme, é visível que a ideia base de “Um Lugar Silencioso” carrega um enorme potencial para um filme tão assustador quanto disruptivo. Felizmente, o filme escrito a seis mãos (Bryan Woods, Scott Beck e John Krasinski) não deixa nada a desejar em ambos os aspectos, trazendo ainda uma inesperada mas muito bem-vinda dose de dramas familiares e de relações interpessoais. Aliás, a excelente abertura do filme já dá sinais de que ele não terá pena alguma de seu público, mantendo-o constantemente tenso, somente para depois negar-lhe o mais simples alívio e atingir forte com uma pesada (mas sempre bem dosada) carga dramática.
Para quem não acompanhou nada sobre o filme antes de seu lançamento, a premissa de “Um Lugar Silencioso” é, apesar de simples, bastante original. Acompanhamos a família formada por um casal e seus dois filhos em seu já segundo ano de esforço por sobrevivência em uma Terra invadida por seres alienígenas que se orientam a partir do som. Completamente cegos independente de dia ou noite, os seres de origem desconhecida são capazes de localizar focos de existência humana a partir do mais ínfimo som. Assim, nossos protagonistas são obrigados a passar pela árdua tarefa de executar todas as suas ações cotidianas fazendo o mínimo possível de barulho, uma vez que meramente derrubar um copo já seria o suficiente para atrair um dos temíveis aliens diretamente para o interior de sua casa.
Esta premissa é extremamente interessante pois permite ao filme explorar duas coisas bastante distintas: um horror praticamente perfeito em seu primor técnico; e uma forte carga emocional que se origina da dinâmica de sobrevivência muda imposta sobre a família. Quanto aos aspectos mais técnicos, a premissa é um divertido convite a brincar com convenções de gênero. Isto não é dizer que “Um Lugar Silencioso” não se utiliza de jump scares (até exagera um pouco em uma cena em específico), mas o faz em um ambiente em que o susto causado por um som barulhento é completamente orgânico e compartilhado tanto por público quanto pelos personagens. Esse é o jump scare que não trapaceia, aquele que consegue manter o nível de tensão lá no alto para que o pay off seja mais efetivo, quase como a queda de uma montanha russa após uma lenta e enervante subida. É exatamente por sabermos o que vem ao final dela que o caminho torna-se tão tenso, pois o alívio que o encerra é na verdade apenas o início de mais um período de nervos a flor da pele.
Passado majoritariamente ao longo de apenas dois dias, a ação e o suspense são praticamente incessantes em “Um Lugar Silencioso”. Para além de um filme tecnicamente muito bem executado, no entanto, é ainda uma obra completa no que diz respeito a sua carga dramática, conseguindo construir uma profundidade emocional à altura de seu primor técnico. Assim, a interessante premissa criada é também utilizada pelo ótimo roteiro para dar camadas de profundidade aos personagens, uma vez seu constante esforço para não fazer uma atividade tão humana quanto produzir sons é algo que lhes rouba de qualquer tipo de relaxamento ou alívio de tensão.
O roteiro constrói muito bem a dinâmica que permeia as relações dos integrantes da família de protagonistas. As atuações são também muito competentes, pois há um silêncio predominante em que os atores se expressam apenas com gestos e olhares, tendo de nos informar muito também sobre nossas próprias sensações em relação ao que está acontecendo. Todos os personagens tem seus momentos e lhes são dedicados pelo menos alguns minutos de desenvolvimento. Gosto muito da atuação de Millicent Simmonds como a filha mais velha Regan. Surda, a menina tem de lidar com a existência em um mundo em que produzir qualquer som é fatal. Desprovida de um “termômetro” que lhe indica quais sons pode ou não fazer, tal situação lhe coloca em grande dependência de seus pais, algo que somado a sua rebeldia pré-adolescente fornece ao filme conflitos muito críveis. Outro que está ótimo é Noah Jupe (destaque já em “Extraordinário”), na pele do assustado e cauteloso irmão caçula, Marcus.
Sempre digo que para qualquer terror funcionar é essencial que nos importemos minimamente com seus personagens. Em “Um Lugar Silencioso” isso funciona perfeitamente tanto em relação às crianças quanto aos adultos. Naturalmente carismática, Emily Blunt gera ainda mais simpatia por sua situação de gravidez dentro daquele ambiente, nos levando a questionar incessantemente como ela lidará com uma criança recém-nascida em um mundo onde sons altos são fatais. A atriz é claramente a mais qualificada do elenco, e a produção, parecendo ciente de tal fato, o utiliza a seu favor, colocando-a mais próximo de nós em diversos dos momentos mais tensos, tornando torturante a ligação empática entre nós e ela. John Krasinski, por sua vez, demonstra uma enorme segurança tanto como diretor quanto como o “chefe” da família que carrega em si todo o peso de ser obrigado a controlar o ambiente a sua volta com severidade pelo bem-estar de sua família.
Esta dinâmica entre marido e mulher é aliás a única grande reclamação que tenho em relação ao filme. Escrito por três homens, o roteiro de “Um Lugar Silencioso” usa e abusa de estereótipos de gênero. Desperdiçando muito do potencial badass de heroína de ação de Emily Blunt (vide “No Limite do Amanhã), o filme a relega ao mero papel de mãe e cuidadora do lar, enquanto seu marido sai para buscar suprimentos (levando apenas seu filho homem) e zela pela sobrevivência da família. Apesar disso, ambos os atores conseguem convencer muito bem como um casal (o que, afinal, de fato são fora das câmeras), com um belíssimo momento de proximidade emocional quando dançam e se abraçam ao quase intruso e, naquele ambiente, exótico som proveniente de um fone de ouvido. A edição de som, aliás, é perfeita ao criar uma atmosfera de silêncio profundo em que qualquer som é praticamente sentido no âmago pelo público, que reage à qualquer barulho mais alto com completa perturbação.
A título de conclusão, não dá pra afirmar que “Um Lugar Silencioso” é um filme impecável. Contudo, ele consegue a façanha de ser uma obra extremamente completa e abrangente em apenas 90 minutos da mais pura tensão. É um filme que certamente merece ser experienciado no ambiente escuro e com o som dinâmico e alto de uma sala de cinema, podendo assim presenciar uma experiência cinematográfica completa e satisfatória. Porque uma coisa é garantido: “Um Lugar Silencioso” vai te fazer prender a respiração. Mais de uma vez.