Verão de 84
(Summer of 84)
Data de Estreia no Brasil: 29/08/2019
Direção: Anouk Whissell, François Simard, Yoann-Karl Whissell
Distribuição: Cinecolor do Brasil
Quantas vezes paramos para pensar em como cada vez mais cobramos e esperamos da originalidade de uma obra de arte para definir sua qualidade? Em específico sobre cinema (filmes), não importa o quão belo visualmente ele seja. Se seu elenco é competente, ou mesmo o impacto de sua trilha sonora. Se a história é previsível ou não introduz nenhum elemento novo dentro do que já conhecemos, um filme dificilmente é considerado bom. Particularmente entendo e muitas vezes compadeço dessa lógica. Entretanto, existem filmes, raros, que usam exatamente de seu fator nostálgico e de sua previsibilidade a seu favor para atingir as emoções (pretendidas) do espectador, e de alguma forma, nos agradam com alguns princípios cinematográficos fascinantes. É exatamente assim que eu definiria a experiência de assistir ao filme Verão de 84. Uma história quase nada inédita, mas que nos agarra pelas entrelinhas de sua camuflada profundidade social, e nos faz amar cada cena como se estivéssemos junto com seus personagens.
O filme segue um grupo de adolescentes durante um período de férias. O personagem principal da história, Davey (Graham Verchere), após perceber alguns acontecimentos suspeitos, passa a acreditar que um simpático e bem visto policial de seu bairro chamado Mackie (Rich Sommer) seja um serial killer. Em pouco tempo, Davey convence seus inicialmente relutantes amigos Tommy (Judah Lewis), Dale (Caleb Emery) e Curtis (Cory Gruter-Andrew) à adentrar uma divertida e ao mesmo tempo perigosa aventura para tentar coletar pistas e descobrir se Mackie realmente é quem parece ser.
Ao mesmo tempo que o filme traz de forma sutil e natural (diferente de obras como Stranger Things) uma fidelíssima representação dos anos 80, dos figurinos e objetos aos cenários extremamente bem caracterizados, o roteiro explora as mais cômicas camadas dos comportamentos masculinos frente aos 14/15 anos de idade. Enquanto lidam com as mais constrangedoras consequências da puberdade, as piadas e brincadeiras entre o quarteto se tornam os instrumentos de união de adolescentes tão assolados por seus árduos conflitos familiares, em lares repletos de infidelidades e vícios em droga, que por sinal são muito bem pontuados pelo enredo, ainda que de forma direta e pouco aprofundada, gerando um contraste entre o clima de mistério investigativo e brincadeiras juvenis com um desesperançoso mundo adulto, visto que todos os adultos do filme apenas esbanjam desconfiança e péssimas vibrações.
Com referências claras ao vigente e conturbado período da Guerra Fria e suas influências negativas, Verão de 84, de forma ponderada, atua como um ótimo comentário a respeito dos comportamentos humanos frente à seus pré-julgamentos, motivações e falsidades. Diante do próprio voyeurismo de Davey enquanto observa, com desejos sexuais, sua vizinha Nikki (Tiera Skovbye) e de sua ambição em espionar Mackie até encontrar o que procura, somos apresentados à um mix de inocência, curiosidade, determinação e perversidade que nos é inconscientemente ensinado através de exemplos familiares desde que aprendemos a engatinhar.
Resgatando o que de mais tenso existe em Paranoia (2007), o que de mais intrigante existe em Meus Vizinhos são um Terror (1989) e o que de mais puro, juvenil e tocante há em Conta Comigo (1986), a direção do filme, arriscadamente compartilhada entre 3 pessoas (François Simard, Anouk Whissell e Yoann-Karl Whissell), se sai surpreendentemente bem ao valorizar lentas aproximações de câmera e incluir enquadramentos abertos que valorizam a identidade compartilhada do bairro em que vivem os personagens. Um dos principais (possivelmente o mais memorável) responsáveis pelo envolvimento do espectador na atmosfera enigmática e pela instantânea nostalgia gerada pela obra, é sem duvidas a incrível trilha musical de Le Matos, que mesmo em seus momentos mais tímidos exala diversos sentimentos por meio de seus sintetizadores que favorecem o contexto da época, dando vida ao ar juvenil do filme e ao mesmo tempo fazendo jus ao clima misterioso e tenso do suspense que conduz toda a narrativa.
Contudo, o filme se torna uma produção marcante não pela previsível história que acompanha o protagonista, mas sim pela sensibilidade com que o enredo elabora cada personagem e cada cena tendo em vista o reflexo dos nossos mais impulsivos e honestos comportamentos diante da realidade em que estamos inseridos. Não há nem mesmo espaço para que os atores brilhem aqui, pois toda a construção dos personagens trabalha em prol de um caráter maior de harmonia e confiança entre os quatro amigos. Despretensioso, envolvente e sagaz, é como eu definiria uma das melhores combinações de terror, drama e suspense que o cinema contemporâneo já nos trouxe. Verão de 84 é definitivamente uma das surpresas mais interessantes do ano.