Crítica | À Espreita do Mal

À Espreita do Mal
(I See You)
Data de Lançamento: 10/12/2019
Direção: Devon Graye
Distribuição: Bankside Films

Devido à escassez de filmes lançados em 2020, precisamos recorrer a lançamentos anteriores para manter a chama do terror acesa. Um dos achados foi “À Espreita do Mal”. “I See You”, passou bastante despercebido no começo do ano e assistindo-o é de se notar que ele merecia muito mais do que recebeu.

O filme tem uma cena inicial intrigante. O desaparecimento de uma criança pedalando em uma floresta (lembrando um pouco a recente ‘Stranger Things’) com um tom semelhante a algo sobrenatural é o ponto de partida. Somos então levados a acompanhar um pouco da investigação do desaparecimento, já que o mesmo possui semelhanças ao modus operandi de um serial killer que atacou há alguns anos atrás naquele mesmo local. Focando na família de um dos investigadores, Greg Harper (Jon Tenney em um papel mais complicado do que aparenta), temos aí os nossos protagonistas.

A família em crise é tema recorrente em filmes de drama/terror e aqui é algo que, embora possua importância para a trama, é um pouco desgastante. Serve bastante para mostrar o domínio da atuação de Helen Hunt (vencedora do Oscar por ‘Melhor é Impossível’) em seus embates com o filho do casal, Connor (Judah Lewis, ‘A Babá’). Jackie (Hunt) é praticamente a protagonista da primeira metade do filme, sendo uma das primeiras a testemunhar os estranhos acontecimentos na residência da família.

“À Espreita do Mal” é um thriller muito competente que, mesmo que não traga nada tão inovador, se beneficia muito de seus (vários) plot twists. Devido a isto, ele faz parte do seleto clube de filmes dos quais é quase impossível falar sem acabar soltando algum spoiler, por isso, a partir de agora, esteja avisado que alguns momentos-chave do filme serão entregues.

[SPOILER ALERT]

            Na cena do ‘sequestro’ de Justin (Riley Caya), o filme tenta dar um tom sobrenatural e dúbio ao que houve, o que se prolonga até a primeira reviravolta. Somos levados a acreditar também que os acontecimentos na casa da família Harper poderiam ser de origem imaterial, mas, suspensos em um cliffhanger, voltamos para ‘antes do início do filme’.

Provavelmente você já ouviu falar de phrogging mesmo que não conheça o termo. Phrogging consiste em entrar na casa de alguém e passar uma temporada, ou até mesmo viver lá, sem o conhecimento dos moradores oficiais. Alguns casos relatados foram de pessoas que viviam em sótãos, porões ou paredes falsas nos Estados Unidos. Tantos foram os relatos que o ato tomou uma proporção de lenda urbana onde ‘o amigo do amigo’ já passou por uma situação assim. Recentemente o vencedor do Oscar “Parasita” mostrou um exemplo trágico da técnica. E é justamente o ato de morar escondido em uma residência a primeira virada de “À Espreita do Mal”.

Descobrimos que dois adolescentes estavam morando no quarto de hóspedes da casa dos Harper desde antes de começarmos a acompanhar a história deles. A ‘filha’ secreta citada em um momento era Mindy (Libe Barer, ‘Sneaky Pete’), que se considera uma phrogging profissional e, acompanhada por Alec (Owen Teague, ‘IT’) estava invadindo a residência. Alec, porém, não é tão pacífico quanto Mindy. Ele se mostra a princípio como uma espécie de trickster, pregando peças na família. Porém, seus atos escalam a ações progressivamente mais violentas, mostrando uma faceta cada vez menos equilibrada de Alec.

Quando o intruso, porém, parte para um ato de violência após dopar o filho do investigador, somos levados ao segundo plot twist do filme. E isso advém de uma direção muito perspicaz de Adam Randall e do roteiro igualmente inteligente do (roteirista) estreante Devon Graye, assim como de um trabalho de edição muito bom. Antes de trocar de foco novamente, somos ‘enganados’ por uma elipse temporal que encaixa tão bem no filme que só descobrimos esse corte no tempo quando somos levados pela direção a ver o que de fato ocorreu.

Após Jackie levar Connor para o hospital, o investigador varre a casa em busca de algum possível invasor responsável pelo que aconteceu com seu filho. Entretanto, em uma nova troca de narrativa, acompanhamos o que de fato ocorreu antes disso. Nos é revelado que, na verdade, o investigador Greg é o serial killer que ele mesmo investiga. A pessoa pela qual estávamos torcendo é, na verdade, o vilão que estávamos caçando. Essa virada parece forçada (e talvez seja pois não há muitos indícios disso durante o filme, para não dizer que há apenas um) porém a atuação de Tenney nos faz comprar com veemência a reviravolta.

Alec, que escolheu a casa a ser invadida, era na verdade uma das vítimas que conseguiu escapar anos antes de seu raptor e voltou para se vingar. A cena da revelação é extremamente tensa e tudo o que ocorre depois disso nos deixa tão compenetrados no filme que dá gosto de ver.

O que era apenas um “inocente” phrogging se revelou uma premeditada obra de vingança. O rancor que o jovem levou consigo desde a infância eclodiu na tentativa de fazer com que o seu raptor se sentisse tão aterrorizado e impotente quanto ele quando jovem. O embate entre os dois é curto, mas satisfatório. O filme evita a maior didatização e justificação dos atos do assassino mostrando que ele não era a vítima ali, ele estava apenas recebendo o karma a que estava destinado. O encerramento é satisfatório e, sem ser tão expositivo, nos faz entender tudo o que houve sem precisar de um didatismo exacerbado.

“À Espreita do Mal” nos faz de trouxa da melhor forma possível, nos engana e nos carrega em sua narrativa de modo que compramos sem problemas seus maiores clichês e nos deliciamos com suas reviravoltas, que fariam M. Night Shyamalan sorrir com orgulho.