Brightburn – Filho das Trevas

Brightburn – Filho das Trevas
(Brightburn)

Data de Estreia no Brasil: 23/05/2019
Direção: David Yarovesky
Distribuição: Sony

É inegável que “Brightburn” parta de uma premissa divertida: e se, ao invés de um super herói disposto a ajudar e ser um farol de esperança para a humanidade, o bebê que caiu em uma fazenda no Kansas, vindo do espaço, fosse de uma natureza mais maligna? No entanto, é inegável também que uma premissa interessante de forma alguma é garantia de um bom filme, sendo possível contar aos montes longas que pareciam uma ótima ideia… até que não foram. Olhar os nomes envolvidos na produção de “Brightburn”, por sua vez, servia apenas para jogar mais dúvidas sobre a possibilidade de sua concretização, uma vez que seu diretor é um iniciante (não imagino que alguém aqui tenha assistido seu “A Colmeia” de 2014), seus roteiristas, Brian e Mark Gunn tem nos currículos apenas alguns trabalhos de TV e o “genial” “Viagem 2: A Ilha Misteriosa” (2012). James Gunn, por sua vez, além de ser apenas produtor do filme, já teve seu nome envolvido com projetos que acabaram se mostrando uma perda de tempo. Restava então o ótimo trailer, capaz de intrigar com a aparente brutalidade com que propunha tratar o desenvolvimento de sua pergunta inicial. E, de fato, “brutalidade” é a palavra que define “Brightburn”. No melhor sentido.

Acho que vale adiantar desde já uma conclusão advinda dos principais pontos que serão levantados durante a análise: “Brightburn” passa muito longe de ser um excelente filme, mas encontra força suficiente em sua ótima premissa, direção e atuações, além de um valor de produção incrível para um filme tão barato, a fim de alcançar um nível muito satisfatório no que diz respeito a sua potencialidade de entretenimento. O principal problema que enxergo no longa, e o que o impede de atingir aquele nível de excelência, é que ele acaba se prendendo demais aos elementos básicos de sua própria premissa. A partir da primeira morte que acontece em cena, acaba tornando-se fácil demais adivinhar que o final da história se tratará de uma simples escolha entre duas opções, sendo impossível não pensar “vai chegar ao ponto x e ou acontece y ou z”. Apesar de achar que o roteiro toma caminhos interessantes para chegar até lá, acredito que a rua sem saída que os roteiristas criaram para si próprios seja bastante limitante e tenha acabado por me causar bastante distração durante o terceiro ato, uma vez que dado certo ponto eu passei apenas a esperar o filme chegar naquele seu final de possibilidade binária.

Uma escolha feita pelos roteiristas que funciona, apesar de acabar servindo também para tornar o restante do filme mais previsível, é começar a desenrolar o plot central muito cedo. Confiando que estamos cientes da comparação que estão fazendo com a história do super herói de Krypton, Brian e Mark Gunn estabelecem bem de passagem os principais elementos da história, deixando a nosso encargo completar as lacunas da história de um casal de fazendeiros do Kansas que interpreta o bebê alienígena que chega em um meteoro como uma bênção divina. Gosto muito da cena inicial, que usa seu cenário bem escuro e uma luz vermelha para estabelecer um tom um tanto quanto sinistro envolvendo a chegada, contrastante à imagem que temos da chegada do bebê Kal-el. Não mostrar a nave nesta curta cena inicial é outro acerto, uma vez que aumenta o peso dramático do momento em que Brandon, agora com 12 anos, a encontra no celeiro. A dinâmica familiar, aliás, funciona muito bem, apesar de ser apressada a montagem em forma de vídeos caseiros mostrando os primeiros passos de Brandon e sua tenra infância. Mesmo o roteiro dedicando demasiadamente pouco tempo para trabalhar esta dinâmica familiar antes dos primeiros episódios de “sonambulismo” de Brandon, as atuações são fortes o suficiente para criar um senso de família unida e “feliz”, apesar dos segredos e do mistério envolvendo a natureza da criança.

Embora eu ache que falte um pouco de tempo de tela e mais carisma por parte de David Denman (Kyle Breyer) para estabelecer uma dinâmica pai-filho mais forte e crível, o filme nos proporciona tudo isto de sobra quanto a Tori de Elizabeth Banks. Uma excelente atriz que acabou relegada a papéis menores e quase sempre atuando como coadjuvante, Banks ganha aqui uma ótima chance como atriz principal, e uma que aproveita muito bem, criando uma mãe obstinada e protetora, mas sem nunca beirar a obsessão irracional que geralmente se imprime de forma clichê a este tipo de personagem. Sua protagonista inteligente, carinhosa e realista é a principal responsável por conferir um peso emocional à família Breyer. Já quanto ao Brandon de Jackson A. Dunn tenho sentimentos mais mistos. Embora ele faça com maestria o pré-adolescente genial que tem consciência de ser diferente dos demais e por conta disso nunca consiga se encaixar direito, além do menino doce que demonstra afeto e respeito por seus pais, não gosto da progressão de sua atuação conforme suas atitudes vão se tornando mais “mal-intencionadas”. E não acho que o problema seja o jovem ator, mas a orientação dos responsáveis pela história, que fazem de Brandon muito blazé, com caretas que nos dão raiva do personagem por sua atitude babaca, não por suas ações. Há uma cena muito boa em que se aplica uma atitude passivo-agressiva ameaçadora no tom certo, mas no geral senti falta de uma raiva mais visceral como a do personagem de Pierce Gagnon como o menininho Cid/futuro Rainmaker em “Looper” (2012).

Aliás, temos em “Looper” um ótimo contraste em relação a “Brightburn”, uma vez que aquele trata-se de um filme que soube ir além de sua premissa base de viagem no tempo e nos proporcionou um final genial na surpresa que foi capaz de causar. Se Rian Johnson tivesse feito seu filme girar em torno apenas do Joe do futuro perseguindo o do presente, o terceiro ato do filme seria limitante e óbvio, algo que acaba acontecendo em “Brightburn”, por pura falta de outros elementos a se explorar. No entanto, se falha ao não trabalhar melhor o potencial do lado mais sci-fi de sua premissa, “Brightburn” explora bem demais o potencial que um ser maligno com super poderes teria para nos horrorizar. Como indica o visual mais retrô do “uniforme” de Brandon e das artes conceituais feitas para o filme, “Brightburn” torna-se um pouco thrash (no bom sentido) em sua representação da fragilidade do corpo humano frente a um Superman “do mal”. Eu não costumo ser muito fã do gore, porque geralmente ele é completamente gratuito e uma forma barata de assustar pelo choque, mas acredito que aqui ele é muito bem aplicado para realçar o impacto da presença de alguém como Brandon na Terra, bem como dar um ar mais sombrio e verossímil para um plot que poderia soar demasiado ridículo caso as ações do personagem tivessem menos peso e suas consequências fossem menos viscerais.

É preciso destacar também que o gore só funciona pelo ótimo trabalho de câmera do diretor David Yarovesky, que constrói uma identidade visual própria para o filme, aplicando muito bem planos mais abertos e poucos cortes, confiando na excelente produção e um CGI muito bem aplicado para conferir realismo ap filme. Lembrando “Poder Sem Limites” em sua retratação mais “realista” e crua do que seria a existência de super heróis entre nós, mas indo muito mais longe com uma representação visceral das piores consequências possíveis, “Brightburn” passa longe de qualquer excelência cinematográfica, mas trata-se de uma execução inesperadamente competente de sua ótima premissa base.