À Beira da Loucura
(In the Mouth of Madness)
Data de Lançamento: 03/02/1995 (EUA)
Direção: John Carpenter
Distribuição: Sony Pictures Entertainment
“Ele te vê.”
A década de 90, especialmente o seu início, não foi um dos melhores momentos para o horror. Com um certo desgaste pela quantidade exacerbada de continuações e/ou filmes B de qualidade duvidável, a aceitação do gênero pelo público não era muito alta.
À Beira da Loucura foi um dos filmes dessa década que tentou trazer algo original e intrigante para as telas, mas, mesmo assim, não foi tão bem aceito em seu lançamento. Apesar de, hoje, ser considerado um clássico e objeto de estudo constante do gênero, não foi sempre assim.
O filme é a finalização da chamada Trilogia do Apocalipse criada por John Carpenter. Antecedido por O Enigma de Outro Mundo (1982) e Príncipe das Trevas (1987), os filmes não possuem uma ligação direta entre si mas compartilham o mesmo “espírito”, por assim dizer, narrando situações que têm a capacidade de destruir nossa realidade como um todo.
Em À Beira da Loucura acompanhamos John Trent (Sam Neill), um investigador de seguros que é contratado para encontrar Sutter Cane (Jürgen Prochnow), um famoso autor que desapareceu antes de finalizar a última obra – cujo título é o mesmo do filme – pela qual foi contratado a fazer. Enquanto isso, começam a surgir relatos de pessoas que, ao lerem os livros de Cane, começam a cometer atos de extrema violência.
O filme, na verdade, se passa nas recordações de John, que inicia o filme sendo colocado em um hospital psiquiátrico enquanto um dos médicos se refere a condição do homem como algo que vem acontecendo com frequência.
A imagética do filme já se mostra muito forte desde o início na cena em vemos tanto o quarto quanto o próprio John repleto de cruzes e signos distintos. O caos da mente representado no ambiente. E os signos são determinantes na história. Não apenas por se tratar de uma história que tem forte influência da literatura, mas também pelas coisas que se ilustram quando a mídia é adaptada.
O longa tem claras influências do horror cósmico e das criaturas inimagináveis e incompreensíveis que o tema tem como representantes. É muito difícil manter algo incompreensível quando se transporta para uma mídia totalmente visual como o cinema, que costuma deixar pouco espaço para interpretações.
O trabalho de Carpenter é incrível ao mostrar apenas o necessário para aguçar nossa curiosidade e despertar no nosso imaginário os mais terríveis monstros, sem se comprometer ao mostrar algo que poderia ser menos do que achávamos ser. Além da estranheza crescente que acompanha John – e nós também – à medida que o filme avança.
John é cético e aceita o trabalho de achar Cane não somente porque é seu trabalho, mas porque ele quer provar que as pessoas que supostamente enlouqueceram não passam de um golpe de marketing. Nada melhor do que um cético para protagonizar uma obra fantástica, não é mesmo?
À medida que a sanidade do protagonista vai desmoronando – o que não é spoiler já que a primeira cena do filme é ele sendo internado – nós passamos a observar os acontecimentos com mais cuidado. Sonhos não são apenas sonhos, já que as vezes sonhamos acordados. O filme todo tem uma natureza onírica que às vezes dá a impressão de que o roteiro podia usar a desculpa de que o protagonista estava em coma o tempo todo e faria certo sentido, até.
Desde a primeira vez que John é introduzido a Sutter Cane, na cena do restaurante, tudo passa a ter uma evolução que beira o surreal, a iniciar pelos olhos de íris duplicada (coisa que ataca forte minha tripofobia mas que dá um visual incrível de estranheza). Até mesmo a direção começa a usar cortes que se conectam entre cenas como um cigarro sendo aceso em ambos os momentos ou cenas que se dissolvem entre cortes para dar a sensação de sonho.
Um momento pra dizer que eu adoro a cena em que John parece entrar de vez na espiral de loucura ao começar a ler os livros de Cane e, depois de uma sucessão de pesadelos, ele coça os olhos e os mancha com tinta preta. Ele a partir de agora, definitivamente, enxerga com a habilidade necessária.
Em sua viagem em busca do escritor, ele acaba precisando trabalhar com Linda Styles (Julie Carmen), a editora exclusiva dos livros de Cane. A presença dela ali serve não apenas para captar os easter eggs dos livros na vida real como também para mostrar que John não é o único que está vendo coisas.
A personagem protagoniza uma das melhores cenas do filme, que é a sequência da estrada antes de chegarem a Hobb’s End, cidade fictícia escrita por Cane. Novamente, a forma com que os signos são usados aqui é maravilhoso. O simples desaparecimento da faixa amarela na estrada já causa uma sensação de desconforto enorme, antes mesmo disso se mostrar algo a mais.
Apesar de achar o segundo ato do filme um pouco repetitivo, ele se ergue novamente na sua finalização trazendo uma sequência metalinguística maravilhosa e que ficou na minha mente por muito tempo. Inclusive, esse é um dos filmes que eu mais vi na minha vida.
Gosto de como o filme usa da literatura e da metalinguagem para nos aterrorizar e nos fazer questionar, até certo ponto, nossas motivações, realidade e sanidade. É engraçado esse filme vir antes da febre que associa videogames violentos e uma geração de adolescentes violentos. Até onde a ficção nos influencia? Até onde somos capazes de discernir realidade de fantasia? E é por isso que À Beira da Loucura, mesmo depois de quase duas décadas, é atemporal.