Crítica | Águas Profundas

Águas Profundas
(Deep Water)
Data de Lançamento no Brasil: 18/03/2022 (Amazon)
Direção: Adrian Lyne
Distribuição: Amazon Prime Video

Depois de 20 anos sem lançar um novo projeto, o conhecido diretor Adrian Lyne, responsável por obras amadas dos anos 80 e 90 como Flashdance (1983), mas também por longas imortais do suspense erótico como Atração Fatal (1987) e Proposta Indecente (1993), finalmente volta à Hollywood com um novo longa do mesmo gênero. Para o cineasta, que já dispõe de seus 80 anos de idade, o ciúme é um sentimento muito intrigante e complexo, que pode render tramas muito além de histórias de amor, como thrillers enérgicos e cenas extremamente incômodas. Em seu novo longa, Águas Profundas, adaptação do livro homônimo de Patricia Highsmith lançado em 1957, Lyne demonstra um bom e por vezes até charmoso controle de enquadramentos e dos aspectos técnicos em geral, mas esbarra em contratempos narrativos que comprometem consideravelmente a experiência de seu público.

O filme conta sobre a dificultosa relação do casal Van Allen, composto pelo misterioso e imprudente Vic (Ben Affleck), e pela provocante e extrovertida Melinda (Ana de Armas). Além de diversos problemas matrimoniais, juntos eles possuem uma adorável e inteligente filha chamada Trixie (Grace Jenkins), com quem vivem na pequena cidade de Little Wesley, Louisiana. Vic é um engenheiro de robótica aposentado que acumulou uma pequena fortuna desenvolvendo os chips de orientação usados em drones de combate. Seu casamento sem amor é mantido unido apenas por um arranjo precário pelo qual, para evitar a confusão do divórcio, Melinda pode ter qualquer número de amantes, desde que não abandone sua família. Mesmo assim, seu casamento aberto não é segredo entre seus amigos, enquanto Vic tenta lidar silenciosamente com o gradativo e corrosivo ciúme dos amantes de Melinda.

Através de seus impulsos e segundas intenções, o casal se coloca diante de jogos psicológicos extremamente prejudiciais para sua saúde mental e para o próprio relacionamento que ainda possuem. O roteiro escrito por Zach Helm (A Loja Mágica de Brinquedos, 2007) e Sam Levinson (Euphoria, 2019-Presente), na tentativa de ambientar o espectador diante da relação tóxica ali existente, opta por trabalhar, durante numerosas cenas, a intrigante e, muitas vezes, inevitável fixação de Vic por sua esposa. Esta existe apesar dos problemas conjugais que enfrentam devido ao acordo pouco prático que possuem e às provocações de Melinda, seja ao dar esperanças ao protagonista, proferindo, ocasionalmente, palavras de amor e cedendo sorrisos apaixonados que vão na contramão de suas ações, seja ao estar junto a amantes em sua própria casa e fazer questão que seu marido presencie todo e cada toque, beijo e abraço trocado com estes. Entretanto, o tempo de tela dedicado a essa escolha narrativa é, possivelmente, o fruto dos maiores problemas de Águas Profundas.

A minuciosa direção de Lyne favorece bastante o envolvimento do público com a obra, nos mantendo atentos às manipulações manifestadas pelos personagens principais e ansiosos para saber quais serão as tragédias que se anunciam e como tal história irá se resolver. Mas, quando a força da tensão dos acontecimentos (que se tornam repetitivos) se esvai e passamos a sentir a demora para que as situações realmente impactantes comecem a surgir, a experiência de boa parte do público é afetada. O que ainda não ajuda é ver ótimas oportunidades serem desperdiçadas pelo roteiro, como a interessantíssima relação entre Vic e sua filha, que rendem simplesmente e infelizmente poucas cenas. 

A decisão de assumir Vic como o personagem principal  da história ao invés de dividir o protagonismo entre ele e sua esposa, pode, também, ter prejudicado quaisquer possibilidades de reforçar os questionamentos em torno da temática da poligamia, trazendo perspectivas sólidas e diferentes sobre o futuro daquela relação, algo que não acontece aqui. Pelo contrário. A impressionantemente ruim (senão péssima) relação de Melinda com Trixie é um dos pontos que convida diretamente o espectador a tentar se identificar somente com as intenções de Vic, por mais erradas que elas sejam. E ainda que Ben Affleck e Ana de Armas garantam uma boa química em cena, facilmente influenciada (mesmo que minimamente) pelo breve romance que os atores tiveram no passado, quem realmente rouba a cena sempre que aparece é a ótima, expressiva e promissora atriz mirim Grace Jenkins, capaz de transmitir ao mesmo tempo doçura e perversão, com simples olhares e expressões congeladas.

Enquanto o filtro da fotografia denota a ausência de cores fortes, que por sua vez reflete a falta de emoção vivenciada pelo casal naquele ambiente caótico, os enquadramentos e ângulos de câmera arrancam o que de mais belo e inspirado podemos encontrar no longa. Ainda assim, alongando-se demais em caminhos improdutivos, o roteiro mina o próprio potencial de sua história com escolhas previsíveis e cenas que não agregam ao tema principal de seu enredo. O novo thriller erótico da Amazon Prime Video, Águas Profundas, é um longo e imperfeito mergulho em um mar que, embora se mostre cristalino aos olhos de quem o vê, ainda acaba por ser uma vasta e gelada extensão de água salgada, que já conhecemos bem e que pouco tem a oferecer de novo.