Crítica | Arquivo 81

Arquivo 81 (1ª Temporada)
(Archive 81 – Season 1)
Data de Lançamento no Brasil: 14/01/2022 (Netflix)
Criação: Rebecca Sonnenshine
Distribuição: Netflix

É justo dizer que uma das melhores sensações que uma série de horror e/ou suspense pode nos proporcionar é a de nos colocar na exata mesma posição de um protagonista que busca encontrar respostas para misteriosos acontecimentos, descobrindo pistas estimulantes a cada episódio, enquanto tenta garantir sua própria e improvável sobrevivência. A simples e sábia decisão do roteiro de não nos fornecer  informações que o personagem principal ainda não possui, ou vice-versa, nos permite um alto nível de identificação com os objetivos e as atitudes tomadas pelo personagem, se, por bom senso, o roteiro tiver o mínimo de verossimilhança. Atualmente, com a exagerada demanda de produções audiovisuais do gênero e a paciência dos espectadores (em sua maior parte) cada vez menor para com a resolução de conflitos de um enredo, os streamings parecem ceder ao dinamismo desenfreado que pedem os grandes lançamentos hollywoodianos. 

Afortunadamente, nem todas as obras se encaixam neste padrão. A nova série da Netflix, Arquivo 81, produzida por ninguém menos que James Wan e baseada no podcast homônimo de terror criado por Dan Powell e Marc Sollinger em 2016, é a prova de que não somente é possível, como também provável, convencer e entreter o grande público com uma poderosa narrativa de suspense. Essa, nos fisga desde o primeiro episódio e nos gera inúmeros questionamentos, não se preocupando em entregar suas respostas tão cedo. Tudo isso sem se curvar às tramas impacientes e agitadas (carregadas de convenções do gênero) que acabam se tornando suas próprias vilãs, mas também passando longe do ritmo “arrastado” que tantos de nós repudiamos.

Na série, conhecemos o arquivista Dan Turner (Mamoudou Athie), que aceita um sigiloso trabalho de uma empresa desconhecida para restaurar fitas de vídeo danificadas de 1994. Aos poucos, Dan reconstrói o documentário investigativo da diretora Melody Pendras (Dina Shihabi) sobre os moradores de um edifício chamado Visser, que, no presente da narrativa, não existe mais devido a um incêndio que tomou conta do prédio 25 anos antes, e que, sob circunstâncias misteriosas, deixou diversas pessoas desaparecidas, incluindo Melody. Conforme Dan restaura as fitas, mais acontecimentos sinistros ele descobre envolvendo os moradores do edifício, além de relembrar seus traumas de infância que, de alguma forma, parecem estar relacionados com os eventos ocorridos no prédio há mais de duas décadas. 

Sabendo que temos duas linhas temporais muito bem equilibradas e desenvolvidas, nos projetamos na pele de ambos os protagonistas frente aos seus respectivos objetivos e tarefas. Tanto Dan em 2021 (presente), através das fitas, quanto Melody em 1994 (passado), presencialmente, se vêem cada vez mais ameaçados por suas perturbadoras descobertas envolvendo um possível culto realizado de madrugada, no “proibido” sexto andar do prédio Visser. Os personagens secundários da série auxiliam diretamente na criação de um clima pesado, obscuro e repleto de segredos a serem descobertos, trazendo personalidades únicas e convincentes.

O horror de Arquivo 81 se instaura desde simples elementos visuais e, principalmente, sonoros que surgem em momentos pontuais até a ótima direção (compartilhada entre 4 profissionais ao longo dos episódios), que evidencia a gradativa claustrofobia presente no limitado e afastado local de trabalho de Dan. Este, por sinal, é vigiado por câmeras enquanto restaura fitas em um suposto depósito da misteriosa empresa que o contratou. Aqui, a direção de som possui um papel fundamental no desenvolvimento do medo e da tensão sentidos pelo espectador, que, por sua vez, se vê diante de notas e acordes desarmônicos (presentes nos mais variados instrumentos, incluindo vocais) totalmente desconcertantes, capazes de nos fazer pensar que estamos presenciando algo realmente oriundo do oculto.

Logo notamos que a série não apenas pode ser dividida em duas linhas temporais, como também em duas partes. Apesar de alguns péssimos efeitos especiais, a ótima primeira metade de Arquivo 81 é extremamente cativante e o roteiro acerta em cheio no que decide mostrar, explicar, sugerir e esconder. A história flui de maneira natural e prepara bem seu terreno. Porém, a partir do 5º episódio identificamos certas inconstâncias que definitivamente atrapalham nosso envolvimento. Temos, além de cenas expositivas que entregam demais, questionando a capacidade do público de ligar os pontos ou mesmo interpretar tais eventos a sua forma, também um evidente desprezo pelo ritmo tão bem construído durante os 4 episódios iniciais. O roteiro se apressa em tentar resolver alguns de seus enigmas, sem o tempo de tela suficiente e o cuidado narrativo necessário para que absorvamos as informações da melhor forma, apostando em um andamento corriqueiro e em subtramas pouco saudáveis para o nosso comprometimento com os arcos principais.

Mesclando elementos de terror psicológico, suspense investigativo e até referências de found footage, Arquivo 81 se mostra um eficiente, ainda que imperfeito, thriller dramático, capaz de nos afastar da realidade por alguns bons momentos, nos entretendo com uma bela história sobre egoísmo, fé cega, amor e autoconhecimento. Mesmo que até o momento não tenhamos uma segunda temporada confirmada pela Netflix, é evidente que as expectativas dos fãs, ávidos por respostas, estão altas. Até lá, o que nos resta é revisitar os 8 primeiros episódios em busca de pistas e detalhes ocultos nas entrelinhas. Afinal, a bem roteirizada e interpretada série criada por Rebecca Sonnenshine é exatamente esse tipo de produção.