Crítica | Cidade Invisível

Cidade Invisível
Data de Lançamento: 05/02/2021
Criador: Carlos Saldanha
Distribuição: Netflix

         Já há algum tempo a internet exclamava por uma obra sobre o nosso tão rico folclore. A mitologia brasileira é, em grande parte, de origem indígena, porém, devido a colonização e a escravidão, mitos se fundiram às culturas portuguesas e africanas, o que acabou engrandecendo ainda mais nossa identidade cultural tão miscigenada.

         Em meados de 2019 apareceram as primeiras notícias sobre uma série da Netflix, estrelada por Marco Pigossi, que iria ter o foco em uma fantasia moderna sobre o folclore. A obra de sete episódios que estreou na primeira sexta-feira de fevereiro apresenta uma trama de suspense fantástico que empolga na mesma intensidade que intriga, apresentando os tão conhecidos ícones dos mitos brasileiros. Aqui, Cuca, Curupira, Saci, Iara, todos eles estão entre nós, integrados à nossa sociedade, enquanto escondem sua verdadeira identidade dentro de uma “Cidade Invisível”.

         A série começa com Eric (Marco Pigossi) descobrindo um boto-cor-de-rosa, animal de água doce, encalhado e morto nas areias de uma praia no Rio de Janeiro. Quando Eric decide investigar o caso (o mesmo é agente da Polícia Ambiental), acaba descobrindo toda uma sociedade secreta que está entre nós.

         A série é extremamente bem produzida. A mescla de efeitos digitais com efeitos práticos deixam as cenas mais fantásticas muito naturais e diminuem muito uma possível estranheza. Entretanto, as cenas do Curupira deixam um pouco a desejar. A série também acerta na abordagem criada e voltada para o público brasileiro. Ela não procura explicar tanto sobre a mitologia, colocando as pistas sobre os personagens e deixando o espectador ligar os pontos de acordo com nossa bagagem cultural das lendas. Apesar de dizerem em alto e bom som quem são os seres, eles não gastam tempo explicando o que fazem, habilidades etc.

         Aliás, a forma de mostrar a criação dos seres também foi um ponto muito positivo. Provavelmente inspirados pela primeira e segunda temporadas da série do Prime Vídeo, “Deuses Americanos” (American Gods, inspirada na obra de Neil Gaiman), alguns episódios mostram em seu cold opening – história mostrada antes da abertura que serve para enaltecer algum ponto importante da trama – cenas que ilustram a criação das entidades.

         A escalada da trama é muito envolvente e traz algumas subversões interessantes. Ao mesmo tempo que ela cai em clichês, consegue introduzir algumas surpresas que fazem com que ainda assim haja algo diferente nas revelações. Por exemplo: é fácil deduzir quem está matando as entidades, mas a motivação ainda é interessante, graças a uma novidade que surge no roteiro bem estruturado.

         O elenco está super afiado, em especial Alessandra Negrini e Wesley Guimarães, que trazem uma naturalidade muito importante à Inês e Isac. Inclusive gostaria de ressaltar o eterno vocalista da banda Matanza, Jimmy London, interpretando um dos personagens da série (!).

         Algumas coisas, porém, são complicadas de comprar. Por que não existe NENHUM ator ou atriz indígena para representar o povo que foi responsável por propagar a maior parte dessas lendas? Qual o motivo de toda a trama se passar no Rio de Janeiro e não em algum estado do Norte, onde a maior parte dessas lendas foram criadas e são bem mais populares? A Vila em que se passa boa parte da trama serve para exemplificar essa região, mas ainda assim é engraçado ver como ela serve figurativamente como A MATA para as entidades.

         No mais, “Cidade Invisível” é uma ótima modernização das lendas do folclore brasileiro para reacender o apelo popular para a nossa própria cultura. Entre erros e acertos (mais acertos que erros) apresenta uma trama concisa, intrigante e muito viciante. Esperamos todos que a Netflix renove a série para uma nova temporada onde possamos encontrar com mais lendas brasileiras – vem Boitatá! – e que não cancele a série para pagar mais uma temporada de “The Crown”.