Crítica | Fresh

Fresh
Data de Lançamento: 04/03/2022
Direção: Mimi Cave
Distribuição: Star+

Que arranjar alguém para namorar virou um jogo de azar, todos sabemos. Por trás dos perfis incríveis em aplicativos de relacionamento e da persona perfeita das redes sociais, se escondem pessoas bizarras que muitas vezes não têm nada a ver com o que são no mundo virtual. Por isso, muitos filmes atuais vem tentando desmembrar essa realidade, seja através do drama, seja através do horror, como no caso de Fresh.

Aqui acompanhamos Noa (Daisy Edgar-Jones), que se encontra desiludida em sua vida amorosa. Encontro após encontro ela se depara apenas com homens ignorantes, e não exageradamente nojentos, até que sua sorte parece mudar. Na sessão de frutas e legumes do supermercado ela encontra com Steve (Sebastian Stan), um desajeitado estranho que pode ser o homem da sua vida.

Em seus primeiros trinta minutos, Fresh parece uma bela comédia romântica. Um encontro inusitado que une duas pessoas que parecem perfeitas uma para a outra. A química entre os dois vai surgindo e transbordando, fazendo com que o filme perca o seu tom mais satírico por um tempo, se propriamente um romance. Porém, tão rápido quanto um corte de navalha, o filme vira a chavinha para algo sombrio e desconcertante. 

Temperando cenas perturbadoras com uma trilha sonora animada e dancinhas alegres o tempo todo – o que faz com que nos sintamos mal de rir do que está acontecendo algumas vezes – vamos acompanhando o desdobramento de uma situação que vai se tornando cada vez mais impossível.

O filme brinca todo o tempo com as expectativas de quem o assiste. Se achamos que determinado personagem vai ser o salvador do dia, ele não serve para nada. Se achamos que outro personagem está morto, na verdade não está. Embora utilize várias artimanhas já conhecidas de filmes do gênero, ele consegue subverter tropos justamente ao se recusar a seguir o lugar comum. 

Os tons quentes, em sua maioria vermelho e laranja, acolhedor a princípio, se tornam incômodos com o passar do tempo, mudando a aura para um perigo e tensão iminente. A parte técnica também é muito boa ao colocar câmeras subjetivas em momentos chave, além do trabalho maravilhoso com o designer de áudio e trilha sonora. Muito do que acontece fora do campo de visão da protagonista não é mostrado, e é ilustrado através do som, dando vida a momentos genuinamente tensos. 

Não existe nada a falar sobre os protagonistas aqui além de que eles estão excelentes em seus papéis. Sebastian Stan dá vida a um carismático monstro, um psicopata quase que similar a Joe (Pen Badgley, da série You) ou Dexter (Michael C. Hall, da série homônima), mas ainda mais inescrupuloso. Daisy Edgar-Jones, que ganhou grande notoriedade depois de estrelar o drama “Normal People”, constrói uma vítima astuta e forte que é capaz de fazer tudo o possível para sobreviver. As expressões faciais dela contavam uma história completamente diferente do que ela falava e era muito legal de acompanhar. 

Existe uma similaridade óbvia com alguns outros filmes clássicos como O Silêncio dos Inocentes (1991), O Albergue (2005) e Corra! (2017), mas Fresh sabiamente não tenta ser nenhum desses filmes, ele é algo único e que constrói uma mitologia própria dentro de seu próprio universo. 

Talvez a minha crítica mais massiva ao longa seja o tropo da melhor amiga que devota sua vida em prol da protagonista. Mollie (Jojo T. Gibbs) é uma das protagonistas do filme, mas que, além de momentos cômicos legais e duas cenas de investigação, não é propriamente influente no filme, sendo alguém que está ali como trunfo de roteiro para aumentar a duração do longa.

Por mais que o papel dela seja similar ao de Lil Rel Howery em Corra!, ela simplesmente não usa ao seu favor o privilégio proporcionado ao fato de que sua melhor amiga, que está desaparecida, ser branca. Inclusive o próprio filme está ciente disso quando menciona esse fato, mas simplesmente deixam de lado em prol da tensão. A atriz merecia um pouco mais de destaque já que sempre que aparece, rouba a cena. 

Apesar de ser um filme fechado, algo me diz que a gente ainda vai acompanhar algo desse universo. Uma certa “ponta solta” do filme me faz acreditar que, dependendo da recepção do longa, pode vir a existir uma história de origem para desenvolver mais coisas. No mais, esse é de fato um filme suculento que vai te deixar com água na boca.