Crítica | Matrix Resurrections

Matrix Resurrections
(The Matrix Resurrections)
Direção: Lana Wachowski
Data de Lançamento: 23/12/2021
Distribuição: Warner Bros.

Dividindo as opiniões de público e crítica, Matrix Resurrections (2021) é um filme corajoso que apresenta coisas novas sem esquecer do seu passado. Em um contexto de muitos reboots que tomam somente o primeiro filme da franquia como canônico e ignoram todas as sequências, é sempre bom quando surge uma produção que decide honrar seu legado, com todas as qualidades e defeitos. Lana Wachowski consegue fazer isso muito bem.

A diretora sabe da grande importância que Matrix (1999) teve para a história do cinema e tem noção da quantidade de fãs que foram surgindo ao longo dessas duas décadas que separam o original da mais nova produção. A irmã Wachowski também sabe que o segundo e o terceiro filme, ambos lançados em 2003, não agradaram a todos os fãs e receberam várias críticas. Essa percepções da diretora são visíveis em Matrix Resurrections (2021). Ela lida bem com o legado, reforça que os filmes de 2003 são importantes e avança na história, propondo novas reflexões e novas abordagens para reflexões antigas.

Na história, Thomas Anderson é um designer de jogos digitais que ficou mundialmente famoso após desenvolver uma trilogia de jogos chamada Matrix. Na história dos games, um hacker descobre que o mundo em que vivia não passava de uma simulação gerada por computadores super inteligentes. Ele se une a um grupo de humanos que vive fora da Matrix, se apaixona por uma das rebeldes chamada Trinity e luta pela libertação da humanidade. Mas o que está acontecendo nesse filme?

Essa pergunta fica em nossas cabeças ao longo do primeiro ato. Abusando da metalinguagem e de um humor auto referencial, a primeira parte de Matrix Resurrections (2021) lembra muito o que Wes Craven já fez em O Novo Pesadelo – O Retorno de Freddy Krueger (1994). Inclusive, foi o caminho que pensei que a produção iria tomar ao assistir esse primeiro ato. O filme quebrou com minhas expectativas pessoais e não investiu nessa abordagem. Isso não significa, contudo, que eu tenha ficado decepcionado. Adianto desde já que é um filme excelente.

A trama se desenrola quando Anderson é chamado na sala de seu sócio e é informado de que a Warner Bros. exigiu um Matrix 4 e que o jogo seria desenvolvido com ou sem o seu envolvimento. Uma ótima referência à própria história de produção de Matrix Resurrections (2021). Uma nova sequência já era especulada há alguns anos, com ou sem as Wachowski. Isso nos leva a uma excelente cena em que o setor criativo da empresa discute sobre o que é Matrix.

O envolvimento com a franquia faz com que Anderson tenha crises psicológicas em que realidade e ficção se misturam – afinal, são elas tão diferentes assim? A quebra da narrativa metalinguística do primeiro ato nos joga em um terreno mais confortável em relação à franquia. Neo e Trinity estão de volta, mas não imediatamente. O caminho para o resgate dos heróis é longo e muito bem trabalhado. Aliás, o próprio termo herói talvez não seja o melhor. Se há algo que o novo Matrix critica é a binariedade. O não-binário toma a narrativa de um jeito muito mais criativo do que apenas colocar vilões carismáticos.

Os novos personagens são uma ótima adição à história, com um destaque a Bugs, interpretada por Jessica Henwick, que fez uma ótima escolha ao dispensar Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis (2021) para entrar no filme de Lana Wachowski. Yahya Abdul-Mateen II (Candyman, 2021) encarna um novo Morpheus que é muito bem justificado pela trama. O analista de Neil Patrick Harris é, também, uma boa adição à franquia. No início não o entendemos muito bem, mas a partir da primeira aparição de uma pílula azul nas mãos de Anderson, compreendemos o seu papel. O analista, aliás, possui um dos diálogos mais interessantes do filme, justamente quando fala sobre a mente humana.

Matrix Resurrections (2021) não abandona a filosofia que foi tão presente no filme de 1999. O que é o livre arbítrio? Temos realmente escolhas ou elas são ilusões? Há questionamentos, inclusive, sobre a escolha da pílula vermelha. O roteiro vai além e questiona os espectadores sobre o que é Matrix para eles. Nossas expectativas devem ser cumpridas pela diretora, ou devemos estar abertos a novas abordagens? Afinal, a quem pertence Matrix? Certamente não à extrema direita.

Encerrando essa primeira parte sem spoilers da crítica, resta dizer apenas uma coisa: Matrix Resurrections (2021) é excelente. As críticas à indústria cinematográfica são muito bem colocadas. A abordagem não-binária é muito relevante. Lana Wachowski entregou uma obra complexa que nos provoca. Essa é exatamente a essência de Matrix. Uma última coisa: temos romance – e é muito bom.

Apenas uma crítica: as cenas de luta são muito inferiores em comparação ao filme de 1999. No primeiro Matrix, as irmãs Wachowski haviam convidado o lendário Huen Chiu Ku para coreografar as lutas. Dessa vez, os escolhidos foram Chad Stahelski e David Leitch, responsáveis pelas cenas de ação da franquia John Wick. Então no lugar de um Neo mais ágil, temos um lutador mais travado, como é o estilo de Wick. Há até a apresentação de um novo poder de Neo que vem para justificar a falta de uma movimentação mais ágil.

 

Atenção! A partir desse ponto o texto apresenta spoilers!

O filme abandona a abordagem metalinguística mais direta quando Anderson ganha as pílulas azuis do analista. Ali fica bastante óbvio o que está acontecendo: a Matrix se atualizou. Não temos mais a paleta de cores esverdeada que marcou os primeiros filmes. Foram abandonados também os monitores de tubo e as grandes CPUs. Os smartphones existem, as redes sociais também.

O mundo de Matrix Resurrections (2021) é o nosso. Não faria muito sentido continuar preso no começo dos anos 2000. A atualização da trama aparece em vários sentidos. O novo Morpheus é um programa de computador desenvolvido por Anderson que inconscientemente incutiu nele as personalidades do Morpheus original e do Agente Smith. Na trilogia original, Neo aprende coisas com os dois, nada mais justo do que encerrar essa binariedade e juntar os dois personagens em um só – que, aliás, é muito estiloso.

A única adição que não me convenceu muito bem foi a de Jonathan Groff, que é um excelente ator, mas que acaba optando por uma imitação dos trejeitos de Hugo Weaving. Porém, talvez não seja isso exatamente que me incomode. O problema é que descobrimos que Smith e Neo tiveram suas aparências mudadas. Ninguém vê Anderson como Keanu Reeves, além dele próprio. A Matrix se encarregou de transformar seu corpo no de um homem diferente. O problema é que o mesmo não acontece com Trinity. Anderson vê ela da mesma forma como Neo via Trinity. Fica o questionamento de por que as aparências de Neo e Smith foram modificadas, mas não a de Trinity.

Talvez o maior choque seja descobrir que desde o final do 3º filme se passaram 60 anos. Praticamente todos que Neo e Trinity conheceram estão mortos. Eles também morreram, mas foram ressuscitados, pois o novo engenheiro – o analista de Harris – descobriu que a energia que os dois possuem quando juntos é essencial para a Matrix.

Sim, por mais que o romance entre Neo e Trinity tenha recebido diversas críticas de fãs, Lana Wachowski não se intimidou e nos presenteou com uma história de amor. Pode ser frustrante para alguns fãs, mas Neo escolhe sua felicidade. Ele quer trazer Trinity de volta e está disposto a se sacrificar por isso. Ela, por sua vez, ganha um novo destaque. A cena em que ela voa poderia ter sido um pouco melhor explorada, mas não deixa de ser muito emocionante.

Matrix Resurrections (2021) não é um filme perfeito, mas uma de suas qualidades é saber isso. Lana Wachowski não propõe uma nova revolução cinematográfica, mas, em minha opinião, ela consegue revolucionar a narrativa de Matrix. O final deixa espaço para possíveis continuações, o que espero que aconteça. Essa nova abordagem nos deixa muito curiosos com até onde a franquia pode chegar.