Crítica | Noite Passada em Soho

Noite Passada em Soho
(Last Night in Soho)
Data de Estreia: 18/11/2021
Direção: Edgar Wright
Distribuição: Universal Pictures

Edgar Wright é, sem dúvidas, um dos nomes de cineasta mais reconhecíveis da atualidade. Célebre por ter criado comédias como Todo Mundo Quase Morto (2004), Chumbo Grosso (2007) e Heróis de Ressaca (2013), a chamada trilogia do cornetto, além de Scott Pilgrim (2010), o diretor britânico atualmente parece desejoso de diversificar seu portfólio. Seu excelente Em Ritmo de Fuga (Baby Driver, 2017) foi uma excelente investida no mundo da ação, com sequências de perseguição de tirar o fôlego sincronizadas à perfeição com uma deliciosa trilha sonora. Com Noite Passada em Soho, Edgar Wright resolve se arriscar no mundo do horror, dirigindo o roteiro que escreveu junto de Krysty Wilson-Cairns. No filme, conhecemos Ellie (Thomasin McKenzie), uma jovem de uma pequena cidade na Cornualha que ganha uma bolsa para estudar moda em Londres. Apaixonada pelo glamour da região de Soho nos anos 1960, Ellie passa a ter visões cada vez mais vívidas de Sandie (Anya Taylor-Joy), uma jovem que, em um outro quando, havia ido até Londres para perseguir seus sonhos, mas acabara encontrando a outra e mais sombria realidade da época.

Ao longo do primeiro ato de Noite Passada em Soho, Wright exibe sua maestria costumeira em estabelecer enredos e personagens de forma rápida e eficiente. É praticamente impossível não sentir forte empatia e curiosidade com relação a Ellie, enquanto ela dança alegremente ao som de um LP usando um vestido de sua própria costura. Ao mesmo tempo, logo descobrimos que a personagem enxerga e interage com sua falecida mãe, que também foi a Londres para estudar moda e acabou cometendo suicídio. Chegando aos dormitórios da universidade, Ellie conhece Jocasta e suas outras colegas de faculdade, oriundas de uma realidade social e econômica muito diferente da sua. Buscando refúgio em um pequeno apartamento alugado pela rígida mas atenciosa Ms. Collins (Dianna Rigg), a jovem encontra um escape de sua conturbada realidade para a glamorosa Londres de 1967.

As sequências de transição entre Soho de 2021 e de 1967 são todas belíssimas (em especial a primeira), conforme o quartinho de Ellie intensamente iluminado por uma placa neon dá lugar ao mundo de clubes e hotéis habitado por Sandie. A jovem cheia de confiança e ambição, interpretada com perfeição por Anya Taylor-Joy, logo encontra em Jack (Matt Smith) um encantador agente, que a enche com promessas de um futuro brilhante como cantora na cena artística de Soho. Estes trechos, acredito, compõe o ponto alto de Noite Passada em Soho, conforme acompanhamos Ellie em seu deslumbramento pela personalidade expansiva de Sandie e sua paixão pelo palco. É uma pena, assim, que esse momento dure muito menos do que deveria. Claro, está implícito na premissa que em algum ponto o enredo descambaria para o horror e o suspense. O problema é que isso acontece cedo demais, sem uma construção mais sólida daquele universo idealizado que está prestes a ser retirado das personagens.

Conforme a realidade de Sandie torna-se mais sombria, o enredo se esforça também por criar ameaças para Ellie, no presente. A ideia de inserir um risco físico e psicológico para nossa protagonista faz completo sentido, não a permitindo ser apenas uma passiva observadora de algo que aconteceu a uma jovem da sua idade, que também havia ido a Londres cheia de sonhos e aspirações e acabou por tê-los roubados, junto com sua própria identidade. O grande problema é que Edgar Wright não apresenta nem de longe a mesma maestria que esbanja para criar momentos cômicos na hora de construir tensão. As primeiras manifestações dos medos e ansiedades de Ellie são de fato muito boas, nos gerando grande ansiedade e temor pela personagem. Depois de um tempo, no entanto, o roteiro começa a girar em falso e a nos apresentar premissas demasiadamente repetitivas, gerando grande desgaste com relação à trama e aos personagens.

Apesar de relativamente previsíveis, as reviravoltas presentes no terceiro ato de Noite Passada em Soho garantem um bom clímax, que recupera boa parte da energia e do dinamismo perdidos nos momentos anteriores. Gosto também da mensagem que o filme comunica sobre os perigos de se idealizar qualquer realidade histórica, correndo o risco de não perceber sua face mais sombria. É uma pena somente que Wright não tenha nos dado mais chances de nos apaixonarmos por Soho de 1967. A puxada de tapete teria sido muito mais efetiva. Assim, todo o carisma e presença de tela de Anya Taylor-Joy, que funcionam em perfeito contraste com a performance mais contida e introvertida de Thomasin McKanzie, poderiam ter sido melhor utilizados. De qualquer modo, o filme não deixa de ser uma interessante e peculiar mistura do estilo quase musical da comédia de Wright com temáticas tão caras ao cinema de horror. Noite Passada em Soho pode não ser tudo aquilo que se esperava, mas certamente vale a pena ser conferido.