Crítica | O Telefone Preto

O Telefone Preto
(The Black Phone)
Data de Lançamento no Brasil: 21/07/2022
Direção: Scott Derrickson
Distribuição: Universal Pictures

Raramente podemos falar  sobre uma boa recepção de recentes produções de terror com lançamento nos cinemas e com forte apelo comercial. Sabemos o quão recicláveis, previsíveis e decepcionantes os grandes lançamentos do gênero se tornaram nos últimos 15 anos, extremamente controlados e limitados por produtores, além de carregados de efeitos especiais e jump scares. Daí a grande crescente de filmes de horror de baixo orçamento e de maior liberdade criativa, assinados por produtoras como A24, IFC Midnight, SpectreVision, Dark Sky Films, entre outras. Entretanto, de tempos em tempos surgem obras de média ou larga escala, distribuídas por nomes fortes do mercado, que provam que o horror efetivamente comercial ainda possui bons frutos a oferecer. O novo terror da Blumhouse distribuído pela Universal Pictures é definitivamente, e felizmente, uma das melhores surpresas e respiros que o gênero poderia receber em momentos como este.

O Telefone Preto, dirigido e roteirizado por Scott Derrickson (O Exorcismo de Emily Rose, 2005) em seu retorno ao horror, é na verdade uma adaptação do conhecido conto homônimo de Joe Hill, e se passa na cidade de Denver (cidade natal do diretor), no final dos anos 70. A história nos apresenta Finney Shaw (Mason Thames), um garoto de 13 anos que é sequestrado por um perverso serial killer (Ethan Hawke, em sua segunda participação em um longa do diretor), que o coloca em um porão à prova de som, dotado apenas de uma  cama, uma privada, alguns assoalhos e tapetes, e um antigo telefone preto, que está quebrado. Sem esperanças de conseguir fugir ou ser salvo pela polícia local, o garoto passa a receber misteriosas chamadas pelo telefone, que logo descobre serem de vítimas que tiveram seus piores destinos no mesmo local em que Finney se vê preso. Enquanto as vítimas tentam ajudar Finney a escapar, sua irmã mais nova, Gwen (Madeleine McGraw), passa a ter frequentes sonhos enigmáticos que parecem dar pistas de onde Finney pode estar aprisionado.

Derrickson, também responsável pelo popular A Entidade (2012), recentemente classificado por pesquisas baseadas em testes de batimentos cardíacos como o filme de terror mais assustador de todos os tempos, traz desta vez uma ótima mão na direção de seu longa, transportando imediatamente o espectador para o seu mundo sombrio e violento de Denver. Aqui, se faz presente em essência o suspense psicológico, tendo o horror sobrenatural como simples pilar que rende ótimas cenas, chocantes, assustadoras e ao mesmo tempo dramáticas, além de alguns bons sustos difíceis de esquecer. 

O ator principal Mason Thames transmite bem a tensão familiar e escolar vivida por Finney, embora, apesar de seus esforços, deixe a desejar nas cenas de desespero e improviso que seu personagem enfrenta. Já Ethan Hawke, mesmo sem mostrar completamente seu rosto em 95% das cenas nas quais aparece, entrega uma ótima performance, capaz de nos induzir às características comportamentais mais profundas de seu personagem, da calmaria e da estabilidade emocional até sua imprudência, impulsividade e ausência de sentimentos. No entanto, é preciso dizer que quem realmente rouba a cena sempre que aparece é a novata Madeleine McGraw. Apenas aos 13 anos de idade, por meio de fiéis expressões faciais McGraw nos rende uma Gwen cheia de personalidade, corajosa, determinada e levemente cômica. Personagem fácil de cair no gosto do público. A atriz, que também integra o elenco principal de séries como a aterrorizante Outcast (2016-2018) e também Segredos Em Sulphur Springs, série infantojuvenil de mistério do Disney Channel em exibição desde o ano passado, se mostra uma das grandes promessas para os gêneros de suspense e terror.

De forma geral, O Telefone Preto conquista seu público pelo coração, mas não somente pelos batimentos cardíacos. Buscando forças na amizade entre adolescentes e na inesperada, porém bela, união entre as vítimas de um impiedoso assassino em série, o roteiro (co-escrito por C. Robert Cargill) deixa claro suas intenções e qualidades desde as primeiras cenas, apostando em um ritmo narrativo frenético, baseado em recorrentes tentativas de fuga e em uma investigação com surpresas e descobertas sinistras. Nos agarrando desde uma ótima ambientação de época e local, personagens cativantes e uma trama asfixiante (o que nos remete à admirável construção e autenticidade de filmes como Verão de 84, de 2018), o filme nos apresenta sua realidade crua e trágica sem poupar cenas fortes, nos preparando para o que está por vir. Isso, aliado à apresentação do difícil dia a dia enfrentado pelo personagem principal, nos gera uma sólida e instantânea identificação com o mesmo, e faz com que realmente nos importemos com a vida de cada personagem.

Sem tentar oferecer mais do que poderia, o roteiro reconhece as limitações de sua história no que diz respeito à improvável renovação do subgênero (sequestro), se dando ao trabalho de apenas contar, com as ferramentas certeiras, uma simples história que convence, amedronta e emociona com excelência. Isso levanta um questionamento muito pertinente a respeito de nossas expectativas para com obras audiovisuais contemporâneas em geral: seríamos loucos por não esperar uma história completamente original e fora do comum, simplesmente nos “contentando” com narrativas já apresentadas inúmeras vezes, mas contadas de forma diferente? Ou deveríamos assumir a posição de cinéfilos exigentes que só se dão por satisfeitos diante de produções extremamente revolucionárias e imprevisíveis, repletas de reviravoltas? Certamente não é este que vos escreve quem dará esta resposta. Mas é evidente que devemos reconhecer as diversas qualidades cinematográficas de um longa-metragem ou de uma série, não tendo como único parâmetro o potencial inovador de uma determinada obra.

Deixamos a sessão de O Telefone Preto satisfeitos e emocionados, exatamente como um bom filme, de terror ou não, deve nos deixar. O longa, que conduz seu suspense com esmero, sem apressar seus acontecimentos mas sem afetar o envolvimento do espectador com a trama, atinge a conquista que pouquíssimos filmes de horror de porte semelhante conseguiram nos últimos anos. Assim, o filme  se aproxima da coesão narrativa e qualidade técnica presentes em obras como It – A Coisa (2017), possivelmente o último filme do mesmo nível comercial que fez tanto sucesso entre público e crítica, simultaneamente. Fazendo-nos questionar sobre temas como encontrar o seu lugar no mundo, reconhecer suas qualidades e capacidades, além de se assumir diante dos problemas da vida, Scott Derrickson finalmente se vê diante de um dos melhores filmes de sua filmografia, senão o melhor. Espera-se que os amantes do gênero não se esqueçam do longa tão cedo, afinal, este merece ser revisto e recordado por alguns bons anos.