Crítica | Round 6 (1ª Temporada)

Round 6 (1ª Temporada)
(Squid Game)
Data de Lançamento: 18/09/2021 (BR)
Criação: Hwang Dong-hyuk
Distribuidor: Netflix

O texto a seguir contém spoilers da primeira temporada da série “Round 6”. 

         A dificuldade de uma obra quebrar a hegemonia de séries norte-americanas e ganhar notoriedade mundial é enorme, mas a sul-coreana Squid Game ganhou o mundo e se tornou recentemente a série mais vista da Netflix em diversos países. Misturando inocência, ironia e críticas sociais, a série encontrou fãs e reforçou a importância de prestar atenção a obras fora do eixo comercial mais tradicional. 

         Em Squid Game, pessoas de todo o país são convidadas para disputar entre si numa competição de seis rodadas em busca de um prêmio bilionário. Porém, por trás de cada uma das brincadeiras infantis estão consequências mortais. 

         A série não apresenta uma premissa muito original – sendo até acusada de plágio, recentemente – mas o desenvolvimento da história, mesclada com a construção de bons personagens e bons conflitos explicam o motivo de ela ser um fenômeno. Além, claro, de toda a ambientação que debocha o tempo todo dos competidores – e dos que assistem. 

        Round 6” (título brasileiro) desvirtua a inocência das brincadeiras de criança, elevando os seus resultados a algo violento e grotesco. Não dá pra negar o quão desconfortável é ver uma chacina acontecer dentro de um ambiente de estética infantil e colorida. Dentro da visão utópica dos desenvolvedores da competição, eles ali dentro estão de igual para igual um com o outro, tendo as mesmas possibilidades de ascender socialmente e de superar as adversidades. Essa utopia de um mundo igualitário seria furada, dentro desse contexto, mesmo se fosse verdade, mas nenhum dos competidores estão realmente emparelhados ali dentro. 

         É quase como se os idealizadores objetivassem reeducar os competidores, fazendo com que eles vejam o mundo a partir dessa ótica deturpada e fatalista. Isso também se mostra na falta de confiança e construção de alianças que ocorrem durante todo o momento dentro da série. 

Reprodução: Netflix.

         A construção dos desafios é interessante nesse sentido: o primeiro e o segundo desafio (Batatinha Frita, 1, 2, 3; Colméia) são individuais, cada um por si (embora já mostrem sinais de alianças sendo criadas); o terceiro desafio (Cabo de Guerra) demanda formação de equipe e trabalho conjunto, desenvolvendo um laço interessante entre os competidores, demandando uma sensação de comunidade; o quarto desafio (Bola de Gude) e o mais cruel até então consistia em formar uma dupla, mas eles não esperavam que precisariam competir entre si. Tudo bem que desde antes do Cabo de Guerra, devido à rebelião, os sensos de confiança estavam distorcidos, mas depois do quarto desafio tudo mudou. 

         Para nós, que vemos tudo de fora, é fácil julgar os personagens a partir da nossa ótica moral. Não digo isso defendendo as atitudes que alguns dos personagens tomam, mas apontando como é difícil se manter fiel quando a situação aperta. Nem todos possuem a força e o caráter incontestável que alguns personagens apresentam. 

         A crítica ao capitalismo é o tema que rege a série e isso é muito bem abordado no segundo episódio, tido como o mais chato da série por muitos. É interessante ver que os personagens nunca foram de fato obrigados a jogar e mesmo que no primeiro desafio não soubessem que a dinâmica ocasionaria a morte de diversos deles, eles tiveram depois disso a oportunidade de acabar com aquilo, mas decidiram continuar mesmo sabendo o possível resultado final.

         Nenhum deles tinha realmente chance de prosperar no “mundo real”. Ameaçados por agiotas, por doenças, necessidades familiares ou por suas próprias atitudes, todos estavam fadados a continuar no mesmo ciclo de miséria. A campanha da meritocracia bate forte no subjetivo e então eles acabam se sujeitando à possibilidade de morrer para conseguir ganhar, de forma justa, o passaporte para a riqueza. 

         Numa olhada superficial dá para encontrar inspirações em outras obras como Battle Royale, um anime/mangá de estudantes que precisam lutar até a morte; Jogos Vorazes, distopia que promete aos tributos escolhidos para os jogos uma vida farta e cheia de riquezas e, particularmente, muito parecida com a brasileira 3%, também da Netflix, que se passa num Brasil destruído em que 3% dos jovens que sobreviverem as competições são escolhidos para O Maralto. Mas as particularidades dentro de Squid Game fazem com que a obra seja algo realmente diferente. 

         Assim como em Jogos Vorazes, Squid Game tem seus telespectadores dentro da trama, até por que, o que seriam dos jogos sem o seu público? Conhecidos como VIPs, esses são os patrocinadores e os apostadores que representam a mais alta classe social do país – não por acaso falantes de língua inglesa já que os Estados Unidos ajudaram no restabelecimento do poder do capitalismo durante a Guerra da Coréia.

Reprodução: Netflix.

         Dentro da trama de sobrevivência existe uma trama de investigação liderada por Hwang Jun-Ho (Wi Ha-Joon) que busca saber o que houve com o irmão desaparecido. Mesmo que às vezes soe desconexo com a trama central e com um final trágico e anunciado, é a partir dessas passagens que podemos ter uma noção maior de como se dá a organização desses jogos e de onde surgem as pessoas que se envolvem na produção, além de trazer um pouco mais de ação propriamente dita aos episódios.

         Há uma certa possibilidade de existir uma segunda temporada que provavelmente pode desenrolar mais sobre as origens do jogo, mas mesmo que não ocorra, a finalização da primeira temporada de Squid Game é satisfatória o suficiente para encerrar sua trama de gosto agridoce.