Crítica | Rua do Medo: 1994 – Parte 1

Rua do Medo: 1994 – Parte 1
(Fear Street Part 1: 1994)
Data de Estreia: 02/07/2021
Direção: Leigh Janiak
Distribuição: Netflix

Pânico, A Hora do PesadeloSexta-Feira 13, Halloween, Tubarão, The Town That Dread Sundown. Estes são apenas alguns exemplos de destaque dentre as dezenas de filmes de horror referenciados em menos de duas horas de duração. CloserFear of the DarkMachineheadCreep, Hey e The Day I Tried to Live são algumas das músicas mais instantaneamente reconhecíveis tocadas durante o filme. Não é nenhum exagero dizer que “Rua do Medo: 1994” é uma metralhadora giratória de referências, constantemente atirando em tela desde pequenos easter eggs a importantes pontos de trama que homenageiam grandes clássicos do horror. Muito longe de constituir um problema, o aspecto altamente referencial do filme de Leigh Janiak transforma-o em uma mistura de “Stranger Things” com “Pânico” (e uma pitada de “O Mundo Sombrio de Sabrina”), na medida em que funciona tanto como um aceno aos mais fervorosos amantes do horror, que se dedicarão a destrinchar cada referência, quanto como uma introdução de um público mais novo ao gênero e a seus principais clássicos.

Muito se discutiu nas últimas semanas sobre o nascente conflito geracional entre Millenials (aqueles nascidos entre 1981 e 1995) e Zennials (Gen Z, de 1996 a 2012) – além daqueles que ficam perdidos no meio, como eu, os nascidos na segunda metade dos anos 90. Nesse sentido, “Rua do Medo” surge quase que profeticamente como um filme capaz de unir todas as tribos, igual o Norvana (hehehe). Como diz sua própria tagline, o novo projeto da Netflix trata-se de “Três filmes. Três Semanas. Uma história de assassino”, com “Rua do Medo: 1978” e “1966” previstos para estrear nos dias 09 e 16 de julho, respectivamente.

Em um contexto pandêmico no qual ir ao cinema é ainda uma atividade proibitivamente perigosa, especialmente no Brasil, a Netflix tenta trazer para o streaming o conceito de um evento cinematográfico bombástico, tal qual a estreia de um “Star Wars: O Despertar da Força” (2015) ou de um “Pânico 4” (2011), lançamentos que buscaram, com sucesso, apelar a seus fãs mais hardcore e ao mesmo tempo atrair um renovado interesse para suas franquias. E esta é uma missão a qual, ainda que com menos êxito do que os filmes supracitados, “Rua do Medo: 1994” consegue cumprir muito bem.

Devo dizer, logo de cara, que achei interessantíssimo o conceito dessa história em três atos, lançada ao longo de três semanas, com a promessa de cumulativamente atrair a atenção do público para a saga. Devo dizer, também, que gostei mais ainda da ideia do time de produção de começar a contar a trama por seu desfecho temporal, em 1994, e ir aos poucos puxando o fio da história repleta de assassinatos e tragédias de Shadyside. Iniciando sua narrativa no ao mesmo tempo familiar e já longínquo cenário de meados dos anos 1990 – é galera, os zennials tinham razão, estamos envelhecendo -, “Rua do Medo” conta uma história bastante reconhecível de teen slasher, com uma forte inspiração em Pânico que fica muito clara desde a cena inicial.

No enredo do filme, baseado nos livros de R.L. Stine e co-roteirizado por Kyle Killen, Phil Graziadei e pela própria Leigh Janiak, Deena, seu irmão Josh, Kate e Simon são jovens habitantes da empobrecida e sombria Shadyside, cidade dotada de um passado terrível, marcado tanto por suas próprias tragédias quanto pelo gritante contraste com Sunnyvale, a ensolarada e enriquecida cidade vizinha. Após mais um trágico caso de chacina em Shadyside, os quatro adolescentes, junto com a ex de Deena, Sam, esbarram no túmulo da bruxa Sarah Fier, o que coloca todo o panteão dos piores assassinos da cidade em sua direção.

Há muito a se gostar em “Rua do Medo: 1994”, começando pelo equilíbrio difícil e magistralmente alcançado entre a homenagem e o plágio, passando pelo apuradíssimo senso estético da direção de Leigh Janiak e por alguns momentos de subversão de expectativa capazes de nos deixarem boquiabertos de surpresa e admiração. Infelizmente também há, contudo, alguns problemas bastante sensíveis, especialmente no que diz respeito ao roteiro e a estruturação da narrativa.

Não é difícil de perceber que o maior calcanhar de Aquiles de “1994” reside em seus diálogos. Constantemente esfaqueando um dos maiores princípios do cinema, “mostre, não conte”, o roteiro usa e abusa de diálogos expositivos para conduzir o desenvolvimento de suas personagens, de suas relações afetivas e de seus anseios quanto ao futuro que os aguarda em Shadyside. Somos levados a mentalmente revirar os olhos a cada fala inorgânica por meio da qual os personagens dão aos outros informações que eles já têm…. e que de forma dolorosamente óbvia são dirigidas ao público. Há muitas informações, especialmente envolvendo a cidade e seu passado, que se beneficiariam de um tratamento mais sutil e visual, em vez de verbalizado.

Além de prejudicar o andamento do filme e a construção de seu drama, os diálogos mal trabalhados de “Rua do Medo” acabam por construir uma barreira entre público e personagens, colocando em risco um ponto importantíssimo em qualquer slasher: a empatia que sentimos para com as potenciais vítimas. Dessa forma, o bom elenco, que tinha tudo para criar um memorável conjunto de protagonistas, acaba sendo sabotado por estes problemas, enquanto tenta entregar linhas de diálogo duras e inverossímeis. Além disso, a dificuldade do filme em desenvolver seus personagens e o cenário de Shadyside de forma mais sutil acaba por prejudicar bastante seu segundo ato, que segue uma ótima introdução e precede um excelente clímax de forma truncada e arrastada.

Tudo muda, no entanto, quando todas as peças do tabuleiro finalmente se alinham e “Rua do Medo” mostra a que veio, com um terceiro ato genuinamente de tirar o fôlego que leva aquele vasto catálogo de referências e ameaças diferentes a derramarem-se sobre os protagonistas, que têm de combatê-los enquanto lidam com um nó difícil de desatar e com um cronômetro correndo. Ufa.

O encerramento do filme, ademais, nos lembra que, apesar de ser cronologicamente o último episódio, “1994” é na verdade a primeira parte de uma história em três atos, que continuará na semana seguinte. Com uma narrativa que paradoxalmente mistura a estrutura serial da televisão, especialidade dos streamings, com o enorme potencial de geração de expectativa e o clímax recompensador de um grande espetáculo cinematográfico, “Rua do Medo” foi mais capaz de me transmitir a sensação de sala de cinema do que qualquer outra coisa que assisti nesses dois últimos anos.

Pensando por esse lado, os escorregões e barrigadas de “Rua do Medo: 1994” fazem-no parecer com o episódio piloto ou a primeira temporada desajeitada de uma excelente série, que simplesmente têm elementos e situações demais para estabelecer. O excelente terceiro ato, contudo, é mais do que o suficiente para compensar a lentidão do segundo, nos deixando ansiosíssimos para o prosseguimento da história. Se essa expectativa é justificada ou não, descobriremos muito em breve. Nos vemos novamente na semana que vem!