Crítica | Servant (2ª Temporada)

(Servant – 2ª Temporada)
Data de Lançamento: 15/01/2021
Criador: Tony Basgallop
Streaming: Apple TV+

Quando pensamos que sabemos quanto prejuízo psicológico uma fé cega pode causar às pessoas e a quem as rodeiam, o universo audiovisual, mesmo que através de uma obra de ficção, surge para provar sua importância ao nos mostrar que estávamos errados. A realidade é muito mais sombria do que parece, e ainda que a primeira temporada de Servant tenha deixado isso claro, cá está uma segunda temporada pronta para explorar, esmiuçar e ampliar seus temas, enquanto continua a desenvolver muito bem as dores e receios de seus personagens.

Após um último episódio extremamente angustiante, nos vemos ansiosos por respostas que parecem não ter a mínima pressa de chegar até nós. Onde está Jericho? Quais eram e quais são as verdadeiras intenções de Leanne (Nell Tiger Free)? Sean (Toby Kebbell) e Julian (Rupert Grint) finalmente abrirão o jogo e contarão toda a tenebrosa verdade para Dorothy (Lauren Ambrose)? Com pouco ou nenhum esclarecimento dessas perguntas, a segunda temporada se inicia apostando alto na atmosfera arrepiante e cada vez mais sufocante daquela casa, que continua sendo o palco principal dos acontecimentos mais misteriosos possíveis. Enquanto Dorothy tenta a todo custo recuperar seu filho, Sean e Julian se afundam mais e mais nas calúnias do jogo doentio no qual  se enfiaram para “proteger” Dorothy da verdade.

É seguro dizer que nesta segunda temporada, assim como na primeira, a previsibilidade dos eventos passa longe de nosso alcance. O valioso suspense e a sensação de que não temos ideia do que pode acontecer felizmente se mantém aqui. Leanne e Sean abandonam parte do foco que possuíam anteriormente para que finalmente Dorothy passe a ser talvez a personagem mais importante desta temporada. Para os espectadores que aguardam por respostas para as tantas perguntas deixadas após uma interessantíssima e provocante primeira temporada, é importante controlar as expectativas e se preparar para terminar a segunda temporada com ainda mais dúvidas e questionamentos. Afinal, de certa forma, é isso que nos conquista em Servant.

O quarteto de atores principais conserva muito bem a aura de mistério que ronda o roteiro e seus personagens, pois quanto mais tempo passamos com os mesmos mais nos certificamos de que não sabemos nada a respeito das intenções de cada um. Todos continuam absolutamente impenetráveis, o que apenas torna a série mais realista e instigante do que a grande maioria das produções televisivas do gênero.

É notável uma leve dificuldade encontrada pelo roteiro em manter o mesmo nível de tensão e curiosidade no público que havia desenvolvido tão bem ao longo dos primeiros 10 episódios. Uma conflitante instabilidade no andamento dos episódios da segunda temporada pode derrubar a atenção de certos espectadores por alguns momentos, devido ao tempo de tela utilizado para aprofundar a relação entre alguns personagens. Contudo, a duração dessa queda não deve ser longa, afinal a narrativa ainda conhece bem os elementos que são capazes de nos despertar tanto entusiasmo, e que, aqui, continuam a surgir e a surtir efeito.

Ao passo que as pitadas de humor continuam funcionando perfeitamente, posicionadas nos momentos certos, sem atrapalhar nossa imersão no terror psicológico da história, o drama dos personagens se torna ainda mais latente, visto que, enquanto uns precisam enfrentar a ausência de um filho desaparecido, outros não possuem escolha senão lidar com as consequências de suas mentiras e enganações. Questões como a exploração psicológica, tortura, manipulação e chantagem são apenas algumas das insanidades identificadas neste ambiente já tão desgastado.

O roteiro da segunda temporada de Servant, desta vez elaborado por  outros profissionais além do criador Tony Basgallop – incluindo Nina Braddock e Ishana Night Shyamalan (também diretora de alguns episódios), filha do cineasta e produtor executivo da série, M. Night Shyamalan – continua a perseguir bons e maduros frutos narrativos, sabendo exatamente o que seu público espera, e propositalmente não entregando explicações gratuitas, pelo menos não antes de uma terceira temporada. Nos convidando elegantemente a refletir sobre como nossas ações e decisões podem gerar consequências na vida de tantas pessoas que nem imaginávamos, a série segue agradando com a mesma ousadia que a consolidou como um grande marco do streaming Apple TV+.