Crítica | Sibéria

Sibéria
(Siberia)
Data de Lançamento: 10/10/2020
Direção: Abel Ferrara
Festival de Londres 2020

Um monólogo de Clint, personagem de Willem Dafoe, abre Sibéria (2020) de maneira forte. Suas palavras vão delimitando a geografia narrativa do filme. As questões com o pai, a solidão e sua atual posição são explicitadas. Clint trabalha como dono de um bar isolado na Sibéria. Aparentemente ele não fala russo, o que o deixa ainda mais isolado.

A produção compartilhada por México, Itália, Alemanha e Grécia apresenta uma temática parecida com a de O Farol (2019), outro trabalho de Dafoe. Porém, seu personagem nessa produção era mais afetado, enquanto Clint é um homem mais contido e introspectivo, o que não significa que não veremos uma grande gama de expressões por parte do autor. Dafoe dá um show de interpretação.

Clint se isola, mas não encontra a paz que desejava. Nos perguntamos do que ele foge, mas afinal, o próprio personagem sabe do que está fugindo? Seu confronto consigo mesmo conduz a uma viagem lisérgica a seu âmago. Ele encontra vários traços de sua personalidade personificados em memórias, lembranças e traumas. A culpa o consome a cada novo lugar que chega.

Clint passa da neve ao deserto, vai a uma floresta, explora uma caverna. A fotografia nos confronta com a enormidade desses locais. A narrativa não segue uma ordem cronológica e nos desorienta em vários momentos. As viagens de Clint se assemelham a sonhos onde os elementos estão dispostos, mas aparecem de forma excêntrica.

“Seu propósito é um obstáculo”, lhe alerta um dos potenciais salvadores. Em cada novo lugar, Clint busca ajuda desses personagens que o colocam mais dúvidas. O homem fugiu do grande centro urbano a fim de tudo negar, como então seria possível ter um propósito? O que significa ter um propósito?

O espectador é convidado a caminhar pelos cantos mais longínquos da mente do protagonista. Observamos atentos sua luta. O objetivo dela: se encontrar. Clint revisita momentos de sua vida com o objetivo de procurar quem ele seria. A culpa está sempre presente, a relação com os pais é uma ferida em sua memória. No final, o que é que lhe resta?

Sibéria (2020) vai fundo na questão do isolamento e da identidade. Antes de mostrar a fuga, o diretor se pergunta qual o objetivo dela, e mais, do que se foge. É necessário se isolar para se encontrar ou isso formaria um novo eu? As questões levantadas pelo roteiro são inúmeras. Este é um filme para se apreciar e para confrontar alguns paradigmas pré-definidos.