Crítica | The Voyeurs

Observadores
(The Voyeurs)
Data de Lançamento no Brasil: 10/09/2021
Direção: Michael Mohan
Distribuição: Amazon Prime Video

Expor nossas vidas profissionais ou pessoais se tornou algo quase que inevitável nos dias atuais. Mesmo aqueles que conservam um comportamento mais introspectivo virtualmente conhecem a importância das redes sociais como ferramentas de divulgação e até reafirmação de identidade. Assim, o voyeurismo se recria de diversas formas e continua sendo um dos “prazeres culposos” mais comuns em nossa sociedade super expositiva. O novo thriller erótico da Amazon Prime Video, dirigido por Michael Mohan (um dos criadores de ‘Everything Sucks!’, da Netflix), não é nem de longe sobre mídias sociais, mas aborda obsessão e sexualidade, enquanto nos convida a refletir sobre os limites da intimidade.

No filme, acompanhamos um jovem e promissor casal protagonizado por Pippa (Sydney Sweeney, de ‘Euphoria’) e Thomas (Justice Smith), que acaba de se mudar para um belo apartamento com vista para o centro de Montreal. Porém, o centro da cidade não é a única vista do apartamento. Logo Pippa e Thomas se tornam obcecados em espionar as atividades sexuais dos atraentes e ativos vizinhos do prédio em frente, interpretados por Ben Hardy e Natasha Liu Bordizzo. Logo essa compulsão se torna ainda mais perigosa quando aos poucos passam a interceder anonimamente na vida de seus vizinhos, o que resultará em desastres inimagináveis.

The Voyeurs constrói muito bem a tensão envolta no ato criminoso, ainda que inicialmente inocente, do casal observador. A maneira gradativa como as ideias de Pippa e Thomas se tornam atitudes impensadas transmite o realismo necessário para que compremos a ideia do filme e nos vejamos extremamente presos diante da história, mesmo que até então nenhum “grande” acontecimento tenha se feito presente. Afinal, o primeiro ponto de virada se forma sutilmente. Ao mesmo tempo  em que torcemos para que o casal abandone sua fixação, a fim de  evitar maiores problemas, os quais sabemos que logo aparecerão, parte de nós se identifica com a insistência de ambos em continuar observando, como uma espécie de indispensável instinto humano, comprovando o quão atual e importante é o discurso do filme.

No entanto, esse discurso não é de todo bem elaborado. Diferentemente da impressão que o trailer pode transmitir, o excesso de conteúdo sexual não é o calcanhar de Aquiles de The Voyeurs, mas sim a falta de segurança do roteiro em assumir de forma crível o suspense tão bem concebido. Após certo acontecimento importante para a trama, há um desvio de foco da protagonista pouco eficiente e verossímil, que força a narrativa a abandonar boa parte da tensão e teor misterioso que se fez presente durante a primeira metade do filme. Assim que Pippa passa a tomar decisões duvidosas que afastam e até frustram o espectador a obra perde boa parte de sua força, mas ainda consegue reservar boas surpresas para o terceiro ato.

De forma geral o quarteto de atores está muito bem aqui. A ótima Sydney Sweeney, que já trabalhara com o diretor no citado ‘Everything Sucks!’, se mostra convincente em seu papel, mas claramente em uma interpretação que a exige muito menos do que filmes como Noturno (2020) da Blumhouse, também distribuído pela Amazon Prime Video. Ainda que Justice Smith e Natasha Liu Bordizzo nos cativem em alguns poucos momentos, quem rouba a cena é o ator Ben Hardy, que entrega uma performance digna de aplausos. Por falar em méritos, Mohan se sai muito bem dirigindo seu segundo longa, demonstrando total domínio dos enquadramentos necessários para contar uma história com seu poder imagético, sem precisar apelar para exposições desnecessárias. Alguns outros destaques do filme são a bela fotografia, que nos mantém encantados por sua iluminação naturalista, e a valiosa montagem, que intercala cortes secos e precisos para criar associações visuais extremamente estimulantes.

Se Janela Indiscreta (1954) abriu portas para o suspense existente no voyeurismo dentro do universo cinematográfico, 30 anos depois o longa Dublê de Corpo (1984) nos mostraria como o uso da sexualidade pode acrescentar a esse universo. E justo quando a representação do voyeur no cinema parecia obsoleta, The Voyeurs realmente acrescenta algo de novo, mesmo que não se aprofunde da melhor forma possível. Assegurando tensão, reviravoltas, cenas picantes e boas doses de questionamento sobre nossa curiosidade mórbida pelo que é privado, o novo filme da Amazon Prime Video agrada na maior parte do tempo e se mostra uma boa pedida para o fim de semana, mas longe da família (rsrs).