Crítica | Veja Por Mim

Veja Por Mim
(See For Me)
Data de Lançamento no Brasil: 23/06/2022
Direção: Randall Okita
Distribuição: Paris Filmes

Há uma fascinação quase que imediata por parte do público para com histórias de invasão domiciliar, seja pela curiosidade de sentir ao menos ou pouco do medo e adrenalina de passar pelas mesmas situações que essas vítimas, seja pelo prazer culposo de alguns espectadores que se identificam com criminosos realizando pequenos furtos e correndo riscos, na tentativa de conseguir algum dinheiro fácil. De maneira sagaz, o longa independente Veja Por Mim, dirigido por Randall Okita, e especialmente o roteiro de Adam Yorke e Tommy Gushue, fazem proveito dessa diversidade de motivos que levam o público a amar este subgênero tão querido do suspense, nos convidando a experienciá-los de várias formas.

Na história, acompanhamos Sophie (Skyler Davenport), uma jovem cega que, para fugir do controle de sua mãe superprotetora e ganhar um dinheiro extra, aceita alguns trabalhos como babá de animais. Após aceitar um trabalho para cuidar de um gato em uma mansão afastada, Sophie vê sua vida transformar-se num pesadelo quando ladrões invadem a casa à procura de dinheiro. Para sobreviver, ela terá que contar com a ajuda de Kelly, uma ex-veterana do exército que ajuda cegos através de um aplicativo que se conecta a um voluntário de qualquer canto do país disposto a ver pelo usuário e aconselhar a melhor forma de seguir em frente.

Com exceção de algumas particularidades, a premissa do longa parece ser bem convencional, e dá sinais significativos de que o filme pode seguir os mesmos calejados caminhos de filmes do gênero. Bem, o fato é que de forma geral isso realmente acontece, mas, ao mesmo tempo, também reserva boas surpresas que fogem dos padrões das fórmulas enlatadas de filmes de invasão domiciliar. Um grande diferencial evidente desde o primeiro ato é a forma como a protagonista é desenvolvida. Temos reais motivos para nos identificarmos com seus objetivos, mas também não faltam razões que afastem qualquer espectador ético de algumas decisões imorais e indecentes da personagem.

Além dessa multidimensionalidade, Sophie ainda é dotada de sonhos, propósitos e um passado significativo como esquiadora profissional, que foi interrompido por sua cegueira. Como se não bastasse, a personagem é interpretada pelo ator não-binário Skyler Davenport, que não somente traz toda a fidelidade necessária para a personagem por também ser um deficiente visual na vida real – na linha da atriz Millicent Simmonds, deficiente auditiva em Um Lugar Silencioso (2018), mas que também incorpora bem todas as nuances de Sophie, transmitindo os impulsos sociais e indecisões da personagem, com os  quais muitos espectadores irão se identificar.

Em termos técnicos, o canadense Veja Por Mim apresenta-se competente até demais para um filme independente, desde a direção com um bom equilíbrio de close-ups e planos abertos, que nos ambientam muito bem aos cômodos da casa e nos mantém próximos/íntimos aos receios da personagem, até uma habilidosa fotografia e iluminação que combina com sobriedade luzes frias (azuis) e quentes (amarelas e vermelhas). A relação de Sophie e Kelly também é um dos fortes do roteiro. O conforto da voz e dos aconselhamentos de Kelly transbordam para além de Sophie, fazendo com que o próprio público sinta-se amparado, visto que muitos de nós, mesmo com 100% da visão, não saberíamos agir corretamente diante de uma situação como essa, com invasores e risco de morte.

Estamos cada vez mais sendo atropelados por conteúdos e informações digitais, entretenimentos e distrações. Diante desse contexto, o filme se mostra extremamente atual. Por bem ou por mal, é justo dizer que o longa reflete, de maneira direta (ainda que não profunda), alguns dos sentimentos conflitantes mais comuns dos jovens hoje em dia. A busca por independência, a ganância, o receio em confiar, o orgulho para pedir ajuda, a coragem para superar dificuldades, e, acima de tudo, a necessidade de realizar sonhos, se reafirmar socialmente e encontrar seu lugar no mundo. Mesmo que de maneira superficial, essas fases de Sophie são visíveis ao longo do filme, e conversam com muitos de nós. 

É difícil não lembrar do excelente clássico Um Clarão Nas Trevas (1967), dirigido por Terence Young e estrelado por ninguém menos que Audrey Hepburn, em um de seus papéis mais inéditos, interpretando uma mulher recém-casada que perdeu a visão e tenta sobreviver dentro de sua própria casa enquanto três invasores colocam sua vida em risco. Apesar de nem sequer se aproximar da importância do longa de Young para o cinema, Veja Por Mim se mostra um bom entretenimento dentro do suspense contemporâneo, cativando e angustiando seu público sem apresentar furos de roteiro comprometedores, mesmo que seu terceiro ato conte com uma série de acontecimentos pouco prováveis.