Marianne
Drama/Horror
Distribuição: Netflix
Criador: Samuel Bodin
O horror francês não é algo mundialmente consumido como as grandes produções norte-americanas, e isso não é novidade para ninguém. Ver a Netflix dar voz à uma história tão interessante com um terror tão próprio como vemos em Marianne, é mais uma prova das portas que a distribuidora abriu desde o sucesso estrondoso da série A Maldição da Residência Hill (2018), visto o crescente engajamento do público com produções originais de horror. Dessa vez, os fãs do gênero com certeza sairão satisfeitos, pois apesar dos problemas narrativos de Marianne, suas cenas são repletas de tensão e geram um verdadeiro medo do sobrenatural que raramente sentimos com as atuais produções recheadas de incontáveis jump scares.
A série dá início nos apresentando uma protagonista ousada, de personalidade forte, que de cara ou conquista o espectador, ou o afasta, sem meios-termos. Estou falando da jovem Emma (Victoire Du Bois), escritora de histórias de terror, que acaba de publicar seu último livro. Em uma sessão de autógrafos após perguntas dos fãs, ela é surpreendida por uma perturbada moça que conta sobre as loucuras de sua mãe, que parece ter sido possuída pelo espírito da bruxa dos livros de Emma. É quando vários acontecimentos levam a escritora a retornar para sua cidade natal com sua assistente Camille (Lucie Boujenah), a fim de descobrir o que está acontecendo, e se de fato os relatos de seu livro estão criando vida da pior e mais assustadora forma possível.
A identidade original da série é algo preservado do início ao fim. Temos sim a inclusão de alguns sustos baratos e uma abordagem de terror muito inspirada no terror hollywoodiano, mas que felizmente não se sobrepõe à criatividade visual e psicológica da série. Um dos pontos altos da obra é a inclusão do drama familiar dos personagens como um dos fatores principais de sua estrutura, o que prende a atenção do espectador e ainda intensifica o poder do medo, algo que já vimos em grandes obras do terror contemporâneo, como Hereditário e A Bruxa. Sem economizar nas cenas angustiantes, Marianne cumpre bem a proposta de assustar, perturbar e sugerir os mais estranhos e fantasiosos eventos que perseguem a vida da protagonista. Boa parte do horror da série, ouso dizer a mais aterrorizante, se deve à impecável interpretação da atriz Mireille Herbstmeyer, que personifica a temível Marianne em diversas cenas com expressões faciais apavorantes e um jogo de corpo impressionante.
O que a série constrói eximiamente bem em sua primeira metade (4 episódios iniciais), rapidamente se torna cansativo e pouco inventivo durante o resto da temporada. Temos uma interessantíssima apresentação de personagens, principalmente dos colegas da adolescência de Emma (turma do barco), e uma cativante condução de suspense e mistérios que o enredo faz questão de deixar para os últimos episódios para explicar. Porém, infelizmente, a obra perde força ao insistir na relação entre personagens secundários e na frequente inclusão de alívios cômicos que pouco funcionam. A trama se arrasta de forma nada funcional, com elementos repetitivos que já haviam cumprido sua função na história. O misticismo, a bruxaria e a forma como se relacionam com o passado da protagonista são questões que não convencem tanto quanto poderiam, caso tivessem sido melhor elaboradas.
A série, escrita e dirigida por Samuel Bodin, traz aspectos técnicos invejáveis para qualquer obra audiovisual do gênero. Nos impressionamos com a fotografia, que valoriza a iluminação natural sem medo de usar a luz do dia a favor do terror, além de ângulos tortos de câmera para causar desconforto. Enquanto a direção de arte aposta no contraste de cores quentes e frias dos figurinos e cenários que complementam as lindas paisagens da cidade, a montagem também se destaca com a inserção de planos curtíssimos e assustadores em cortes secos que dividem diálogos ou cenas, com pouca ou nenhuma relação entre elas, mas que ajudam a criar a atmosfera sombria da obra, juntamente à composições musicais originais extasiantes. Todos os elementos trabalham em conjunto para contar uma história sinistra, mas que ao mesmo tempo favorece temas e discussões pertinentes como o abandono e o luto familiar, a insegurança, a lealdade e a capacidade de compreender e nos aceitar como somos.
Marianne tem suas falhas (algumas graves), entretanto garante o entretenimento necessário para nos envolver com sua carga dramática e nos amedrontar com suas cenas de terror imensamente poderosas. Uma série que serve tanto para expor um tratamento de horror diferente do que estamos acostumados, quanto para mais uma vez ensinar o público a valorizar o potencial de séries francesas originais da Netflix (como La Mante, Le Chalet e Marseille).