Não Olhe
(Look Away)
Data de Estreia no Brasil: 28/02/2019
Direção: Assaf Bernstein
Distribuição: Paris Pictures
Logo após assistir a “Não Olhe”, tive grandes dificuldades de chegar a uma definição sobre o que achava do filme. Sendo assim, decidi esperar um dia para escrever a crítica, a fim de absorvê-lo melhor e tentar chegar a um “veredito” comigo mesmo. O problema é que até o momento em que comecei esta crítica, ainda não me decidi sobre qual “‘nota” dar ao filme, e tampouco sob qual ângulo abordá-lo. A questão principal aqui é que, embora não seja de forma alguma um filme ruim ou mal feito, durante a maior parte do tempo as peças de “Não Olhe” simplesmente não se encaixam, fazendo com que o filme como um todo não funcione e, muito menos tenha o impacto que o roteiro desejava. Isso se dá principalmente, creio eu, pela dificuldade da narrativa construída pelo israelense Assaf Bernstein, como roteirista e diretor, de decidir sob qual aspecto quer moldar seu filme: um mais psicológico ou um mais sobrenatural.
O primeiro ato do filme é provavelmente sua parte mais funcional, ao tomar a acertada decisão de não apressar a introdução da história, tomando seu tempo para estabelecer a personalidade retraída da protagonista, Maria, bem como sua dificuldade em interagir com as pessoas no mundo que a cerca. Deixando bem postadas as principais características da vida social de Maria, influenciada por sua depressiva e insegura mãe, seu perfeccionista e controlador pai, um cirurgião plástico, e sua melhor amiga Lilly (que infelizmente não passa da caricatura da cheerleader), o roteiro de Bernstein consegue criar um universo vivo e complexo, que nos leva a entender e simpatizar com os dilemas de Maria. Consequentemente, compreendemos suas motivações e quase concordamos com ela quando aceita “trocar” de lado com Airam, sua “irmã gêmea” confiante e extrovertida, que supostamente teria morrido durante o parto das duas e agora surge no espelho de seu banheiro.
Tendo estabelecido até então uma construção competente das motivações de Maria (com exceção da cena do baile, logo antes da “transformação”, que repete o que já havia sido deixado mais do que claro anteriormente) a partir daí a história simplesmente desanda, tornando-se dolorosamente previsível e sem propósito. Perdendo totalmente a mão no que diz respeito aos aspectos mais psicológicos da história e de sua protagonista, o filme tenta tornar-se cem por cento um suspense com elementos sobrenaturais, no que falha em absoluto. Outro grande problema do roteiro é que o “alter ego” de Maria é a caricatura de mulher puramente raivosa e má que, se já era problemático em 1976 quando foi usado em Carrie, aqui é simplesmente indesculpável. Assinando sozinho o roteiro, Bernstein, um homem branco de meia idade, parece não ter a menor noção da realidade de uma adolescente vivendo nos anos 2000, criando conflito, por exemplo, a partir de ridículas briguinhas entre ela e Lilly por conta do namorado desta. Ainda, de forma problemática e bizarra, o filme associa completamente a maior auto-confiança de Airam com uma hiper sexualização da protagonista.
No meu entendimento, o principal problema do roteiro de Bernstein é que ele se julga muito mais inteligente e “conceitual” do que de fato é, achando ter construído uma genial metáfora para a ansiedade e a depressão, quando na verdade falha feio onde muitos roteiros bem superiores tiveram sucesso. É visível o esforço que “Não Olhe” faz para que sua segunda metade, muito mais um terror/suspense do que um drama, seja entendida como um desdobramento dos problemas psicológicos representados na primeira parte, mas as duas simplesmente não conversam entre si. Portanto, além de o filme tornar-se absolutamente previsível em todas as suas “resoluções” de problemas que haviam sido estabelecidos no primeiro ato, as atitudes tomadas por Airam não funcionam de forma alguma como uma representação de Maria livrando-se de suas amarras. Até aí tudo bem, o principal problema acaba sendo que, por conta de sua previsibilidade, “Não Olhe” tampouco funciona como um competente thriller, que nos deixe tensos temendo os próximos acontecimentos da trama.
Mesmo com todos estes problemas, não consigo dizer que “Não Olhe” é um filme ruim e nem mesmo medíocre, porque, ao contrário do resultado de sua atuação como roteirista, Bernstein se sai muito bem como diretor. De um ótimo design de produção a um figurino que reflete muito bem as vontades e medos dos personagens, “Não Olhe” é um belo filme, enquadrado por seu diretor sempre de forma competente e imaginativa. As sempre acertadas escolhas de posição e movimentação de câmera por parte de Bernstein fazem com que as ações que se desenrolem na trama nunca deixem de ser interessantes, apesar de narrativamente previsíveis e insossas. É assim que, mesmo tendo uns 15 minutos a mais do que deveria e causando fadiga com sua obviedade pseudo-intelectual, “Não Olhe” consegue escapar de ser apenas mais um filme ruim de terror lançado no começo do ano. Compensando como diretor onde falha como roteirista, Assaf Bernstein imprime a dose suficiente de dedicação e apuro técnico para elevar sua narrativa capenga ao patamar de um filme que, embora seja bastante descartável no que diz respeito ao desenvolvimento de seus personagens e de sua história, torna-se aproveitável por sua excelência estética.