O Farol

O Farol
(The Lighthouse)
Data de Estreia no Brasil: 02/01/2020
Direção: Robert Eggers
Distribuição: Vitrine Filmes

“Tornei-me insano, com longos intervalos de uma horrível sanidade.”
Edgar Allan Poe

Estar em um local isolado, trabalhando arduamente, e tendo como única companhia um chefe ríspido e sórdido que também é seu colega de quarto, seria o suficiente para levar alguém à loucura, mas quando isso se alia a um protagonista problemático e com um passado obscuro, tudo pode piorar. O novo filme do brilhante diretor Robert Eggers (A Bruxa), consegue se apropriar de uma viagem psicológica enquanto disserta sobre insanidade e seres mitológicos e outras simbologias, o que acaba sendo o grande trunfo do filme, e também seu maior (e único) problema.

Durante o começo do século XX, um arrogante faroleiro chamado Thomas Wake (Willem Dafoe), responsável pelo farol de uma ilha isolada, contrata o jovem Ephraim Winslow (Robert Pattinson) para substituir o ajudante anterior e auxiliar nas tarefas diárias. No entanto, o acesso ao farol é mantido fechado ao novato, que se torna cada vez mais curioso com este espaço privado. Conforme vão se conhecendo e passam a se provocar, Ephraim se torna obcecado em descobrir o que acontece lá em cima, enquanto acontecimentos estranhos passam a ocorrer na ilha.

Ao permitir longos monólogos teatrais dos personagens, principalmente do personagem de Dafoe, o roteiro desenrola relações interessantes entre as citações e os acontecimentos da obra. É provocativo para o espectador, que se vê buscando significados profundos em frases complexas, afim de ao menos compreender a loucura de dois faroleiros e os misteriosos eventos que os cercam. Após Ephraim cometer propositalmente um ato perigoso, segundo as previsões Thomas, abre-se possibilidade para um crescente e prazeroso sentimento de dúvida, que permeia tanto o consumo exagerado de álcool e suas consequências, quanto a possível e improvável existência de mitos e criaturas malignas do mar. Dançando entre o suspense e o drama, a insanidade toma conta dos personagens gradativamente, em cenas criativas, convidando o espectador a se juntar àquele banquete de horrores humanos e desumanos.

O humor tem papel fundamental na construção da trama, pois é por meio deste que ambos os personagens encontram suas semelhanças, zombam de suas diferenças, e se conhecem a fundo. Conhecimento este fundamental para o chamativo terceiro ato da obra. Porém os outros dois atos anteriores se mostram quase tão chamativos quanto, simplesmente por demonstrarem um domínio audiovisual impressionante, desde a sujeira e os ambientes asquerosos onipresentes nos cenários, até o charme de uma fotografia preto e branca de luzes baixas, que casa perfeitamente com a sugestiva e angustiante trilha musical da obra.

Embora Pattinson e Dafoe mostrem o quão incríveis são suas capacidades interpretativas e a facilidade que possuem em permitir que a loucura tomem conta de seus corpos e suas mentes, é exatamente devido às cenas em que discutem, dançam, cantam e refletem sobre suas vidas enquanto bebados, que a obra perde força, por mais interessantes que essas cenas sejam. O problema é que essa atenção demasiadamente dedicada ao diálogo durante a segunda metade do segundo ato, corta quase que abruptamente o envolvimento do espectador com a possibilidade do sobrenatural e toda a tensão que este poderia trazer para a narrativa, como vinha trazendo até então. Não é impossível se entregar à uma pequena decepção, mas sem dúvidas a obra encontra um jeito de permanecer original, sugestiva, e forçando o espectador a pensar e conectar os elementos da história.

O Farol não é exatamente um filme de horror. É um suspense dramático recheado de elementos do inconsciente e elementos do audiovisual muito bem inseridos, que em muitos momentos flertam com o nossos medos. Dito isso, é justo dizer que aqui, as expectativas possuem um papel mais que relevante. Inclusive, para se deixar levar e se entregar completamente à experiência proposta por Eggers, é importante que o expectador esqueça o filme anterior do diretor – um terror assumido – para poder de fato compreender o quão poderoso pode ser seu novo filme. Porém por mais obrigatória que seja, essa tarefa não é nada fácil, principalmente por conta das incontáveis semelhanças de linguagem que ambas obras oferecem.

Robert Eggers se consolida como um gênio do cinema contemporâneo de horror, seja ele psicológico ou sobrenatural. O Farol é um reflexo da ambição e dos instintos humanos mais primitivos. É a denúncia de uma loucura que pode ser genética, desenvolvida, e até estimulada, como muitas vezes vemos Thomas fazer com Ephraim. Com um roteiro ousado (hora até interpretativo) e uma direção extremamente cautelosa e criativa, a parceria entre Eggers e o produtor executivo brasileiro Rodrigo Teixeira (RT Features), se mostra uma das mais promissoras e interessantes do cinema atual.