(Relic)
Data de Lançamento: 03/08/2020 (EUA)
Direção: Natalie Erika James
Distribuição: IFC Films
Um ano tomado por uma grave pandemia dificilmente se destacaria entre um dos anos mais promissores para o cinema recente, muito menos para o terror. É evidente que 2020 apenas seguiu as previsões e tem nos deixado na mão quando o assunto são bons filmes comerciais de horror. Mas dentro do cenário independente, ainda há obras interessantes e com propostas originais sendo disponibilizadas para streaming e serviços on demand. Um desses casos é o filme Relic (ainda sem tradução oficial no Brasil), que consegue nos entreter com boas cenas e uma história intrigante, além de uma direção feminina formidável.
Na história, acompanhamos Kay (Emily Mortimer) e sua filha Sam (Bella Heathcote) em busca do paradeiro de sua mãe, Edna (Robyn Nevin), avó de Sam que desapareceu dentro de alguns dias, segundo relatos de pessoas do local. Após Edna reaparecer dentro de uns dias, Kay e Sam percebem que há algo muito errado com ela, algo que além de ser amedrontador, parece exceder os limites de uma doença como o Alzheimer, que Edna provavelmente possui. É quando coisas estranhas começam a acontecer na casa que tudo fica ainda mais misterioso e todas passam a correr risco de vida.
Trabalhando dentro de um cenário curiosamente ousado (as consequências do Alzheimer) e poucas vezes tão bem explorado no gênero de horror, a diretora Natalie Erika James, sem entregar respostas fáceis, opta por uma abordagem de direção que aguça a imaginação do espectador e o permite desenvolver diversas metáforas entre o que é mostrado visualmente, e o que está implícito na condição vivida pela personagem da Edna.
Felizmente, os aspectos técnicos da obra não falham ao se relacionar entre si. Diante de uma paleta de tons frios e ambientes sujos, a fotografia trabalha a escuridão como elemento essencial para sugerir e causar medo, explorando bem a profundidade de corredores e o potencial de cantos pouco iluminados, enquanto a montagem dita um ritmo lento que propicia a atmosfera necessária para que o drama avance vagarosamente por debaixo dos panos.
O que também chama a atenção em Relic são as atuações responsáveis das atrizes, que extraem bem os sentimentos interiorizadas das personagens, sem exagerar ou parecer artificial. Todas intérpretes colaboram para um conceito, que apesar de ser fortemente feminino, é traduzido de uma maneira que cativa e provoca questionamentos em qualquer tipo de público. E esses questionamentos vão de simples observações em relação à casa onde as personagens estão, até profundas reflexões sobre abandono e aceitação.
Mesmo trazendo boas sequências de tensão, a obra muitas vezes não consegue manter uma harmonia proveitosa entre o drama familiar e o terror/suspense psicológico, pois se os artifícios de enredo utilizados contribuem para sustentar um dos gêneros, ao mesmo tempo, acaba desfavorecendo o outro. Um exemplo é a forma como a personagem Edna é colocada, principalmente durante a segunda metade do filme, servindo como elemento antagônico e ameaçador do filme, o que por mais que proporcione cenas sinistras, interfere diretamente na capacidade do espectador de se identificar com a personagem, algo extremamente requisitado nos minutos finais.
Com suas limitações, Relic, que possui evidentes influências visuais e temáticas de filmes como A Visita (2015), ainda se mostra um dos filmes de horror mais alegóricos dos últimos anos, e faz o tempo investido valer a pena. Mesmo que não vá agradar completamente todos os públicos, é inevitável reconhecer as tamanhas qualidades de uma estreia tão empolgante de uma diretora estreante que demonstra saber flertar com a onda (controversa) do pós-horror, ao mesmo tempo em que não economiza em sua sensibilidade para trazer momentos delicados e dramáticos na hora certa.