Horror Noire: A Representação Negra no Cinema de Terror
Editora: Darkside Books; 1ª edição (27 agosto 2019)
Autora: Robin R. Means Coleman
Capa dura: 464 páginas
Horror Noire é um trabalho da doutora e pesquisadora Robin Coleman, fruto de cerca de 10 anos de pesquisas até a construção de um livro sucinto, sem excessos e com uma linguagem comunicativa. O recorte histórico apurado pela autora é admirável logo de início. A Dra. Coleman escolheu abordar o tema da representatividade negra no cinema dos primórdios da mídia, partindo dos anos 1890 até os dias atuais. Neste instante fica claro que a meta não é simplesmente analisar as simbologias e clichês raciais do cinema, mas sim espessar uma análise que passa pela imagem do negro no imaginário coletivo, como essa imagem reflete na sociedade e como a sociedade a reforça e a reproduz.
Digo surpreendente porque, sabendo da dramaticidade da segregação racial estadunidense, não imaginei que a autora encontraria material que partisse de tempos tão primórdios. A leitura do livro, no entanto, tornou óbvia a escolha: não se trata de um livro sobre filmes com negros, e sim sobre como o negro vivencia o cinema enquanto etnia e segmento social.
O incômodo que motivou o trabalho de pesquisa é bastante claro. Segundo o livro, o público negro, na época da edição era cerca de 13% da população norte-americana e, ao mesmo tempo, um quarto da audiência de filmes de terror no país. Essa informação salta aos olhos quando lembramos algumas das máximas do gênero (negros sendo retratados como selvagens, como bandidos, morrendo sempre primeiro, etc.) Como pode um dos principais públicos dessas obras ser tão mal retratado?
Essas e outras questões permeiam o livro de maneira bastante orgânica, onde um elemento leva fatalmente ao outro sem que muito esforço retórico seja necessário para encadear as ideias, já que são todas extremamente coerentes e claras. A autora joga com a diferença entre filmes negros de terror e filmes de terror com negros; uma diferença que parece boba ou óbvia, mas que serve como porta de entrada para uma série de reflexões excelentes.
Horror Noire não é a primeira obra onde a Dra. Robin Coleman se presta a analisar a história negra no cinema americano, African American Viewers and The Black Situation Comedy é um trabalho não publicado no Brasil, mas que se dispõe a uma pesquisa similar, só que voltada à comédia.
A diferença entre eles é que Horror Noire, nos oferece reflexões mais profundas sobre o que consideramos como digno de medo, como a sociedade constrói e lida com esses signos em detrimento de minorias e culturas inteiras. Trata-se de uma leitura importante atualmente, em meio de tantos trabalhos que se dizem acadêmicos, mas que se dispõem a imbecilizar seus leitores, em tempos em que a irracionalidade e o desrespeito puro e simples a lutas de grupos minoritários parece ter se tornado, incoerentemente, símbolo de transgressão.
É uma leitura imprescindível para quem se interessa por narrativas de horror, aficionados por cinema e todas as pessoas que se interessam por estudos de representação. Para quem não é familiarizado com a linguagem e formatação acadêmica, Horror Noire também é uma excelente oportunidade de introdução porque a pesquisa é muito bem fundamentada e a escrita é fluida, com uma análise detalhada e linear. Da invisibilidade (antes dos anos 1930) à vingança (nos anos 2000) Coleman constrói uma narrativa potente que pode fazer até quem não se identifica tanto com o gênero encontrar motivos para, se não gostar, no mínimo, aprender e consumir com uma outra perspectiva sobre ser negra e consumir terror.
Além disso, a edição da Darkside Books que, embora pareça grande já que é repleta de extras, ficou leve e fácil de manusear, não deixa a desejar a nenhum best-seller de terror publicado pela própria editora no Brasil. É um prato cheio para quem busca uma obra divertida, reflexiva e educativa sem insinuações.
O extenso trabalho da Dra. Robin Coleman foi transformado, além de livro, em um documentário produzido e exibido pela Shudder, plataforma de streaming audiovisual de terror ainda não disponível no Brasil.
O documentário dirigido por Xavier Burgin foi lançado em 2019 e tem produção executiva da própria Dra. Robin R. Means Coleman, da educadora e escritora Tananarive Due, de Phil Nobile Jr, editor-chefe da Revista Fangoria e Kelly Ryan, da Stage 3 Productions, e é produzido e co-escrito por Danielle Burrows e Ashlee Blackwell que, aliás, contribuiu com um texto especial exclusivo para a edição brasileira do livro. O documentário será exibido na abertura do 11º Cinefantasy – Festival Internacional de Cinema Fantástico de 2021 no dia 16/04.
Horror Noire: A Representação Negra no Cinema de Terror é um livro fascinante e que conduz o leitor por capítulos nunca antes destrinchados da história do cinema de horror. Espere encontrar em suas mais de 400 páginas os horrores do blaxploitation mas também a luta contra o poder e contra a objetificação de pessoas. Um exemplar imprescindível não apenas para fãs do gênero, mas para aqueles que querem aprender e explorar as nuances do cinema. Afinal, um filme nunca é apenas um filme. Principalmente se você está falando sobre terror.