Velvet Buzzsaw
Data de Estreia no Brasil: 01/02/2019
Direção: Dan Gilroy
Distribuição: Netflix
Vou começar este texto com uma constatação inusitada: até agora não consegui me decidir se acho que “Velvet Buzzsaw” é um bom filme ou não, apenas sei que gostei de assisti-lo e mantenho uma memória agradável quando a ele. Acredito que isso se dê pelo fato de o filme escrito e dirigido por Dan Gilroy (a mente por trás do excelente “O Abutre” (2014)) se esforce por fugir de uma estrutura mais tradicional de cinema, não contendo uma estrutura bem definida em 3 atos e tampouco protagonistas e antagonistas. Muito pelo contrário, “Velvet Buzzsaw” conta com um elenco estreladíssimo que se divide em pelo menos 3 personagens principais e mais uma grande quantidade de coadjuvante, todos ligados ao esnobe e milionário mundo da moda de Los Angeles. Por sua vez, o papel de “antagonista” da trama é assumido pela melancolia e mente torturada de Dease, um pintor amador cujas obras, logo um sucesso e avaliadas em milhões de dólares, trazem uma espécie de maldição para todos aqueles que lucram de sua venda.
Acredito que boa parte do sucesso que o filme alcança decorra da habilidade do roteiro de Gilroy em lidar com seus múltiplos personagens, dando um mínimo desenvolvimento a todos mesmo com o pouco tempo de tela dedicado a cada um deles. Aproveitando-se do elenco estrelado que conseguiu escalar para seu filme, o diretor joga com alguns estereótipos e imagens que temos estabelecidas sobre os atores para construir seus personagens de forma mais rápida. O Piers de John Malkovic, por exemplo, é desenvolvido em cima da persona estoica e com cara de “má-vontade” do ator; a Coco de Natalia Dyer (a Nancy de “Stranger Things”) é doce e jovem, apesar de moderadamente ambiciosa; o Damrish de Daveed Diggs é um artista de rua que sente-se mais confortável com a sua turma do que no meio dos esnobes artistas, críticos e compradores; já Bryson é construído em cima da persona e dos trejeitos de Billy Magnussen como o babacão que assedia suas companheiras de trabalho e se acha capaz de passar todo mundo para trás. Nesse sentido, a caracterização e maquiagem dos personagens é meticulosamente calculada para construir impressões sobre suas personalidades e rotinas.
Se há um certo descuido e simplicidade nos figurinos de Bryson e Coco, que tem cargos baixos dentro da galeria de arte, há uma elegância propositalmente “rebelde” nas roupas da milionária dona da galeria, Rhodora Haze, interpretada com o tom exato de frieza e pragmatismo pela ótima Rene Russo. É observável também uma evolução do guarda-roupa de Josephina, auxiliando a boa atuação de Zawe Ashton (embora um pouco caricata demais) em nos mostrar a crescente ganância e soberba que toma conta da secretária de Rhodora, que enriquece da noite para o dia quando encontra os quadros de Dease. Fechando o trio principal, Jake Gyllenhaal aparece muito bem também como o crítico de arte Morf Vandewalt. Trabalhando bem em uma linha tênue entre o estereótipo ofensivo e uma caracterização exagerada com viés satírico, Gyllenhaal cria trejeitos que nos convencem do pertencimento de Morf ao ácido mundo da crítica artística sem cair demais no âmbito de uma homossexualidade ofensivamente caricata. Destaco também a boa atuação de “jovem empreendedor/herdeiro de fortuna” de Tom Sturridge como o outro dono de galeria, Jon Dondon, e a divertida performance ácida e cínica de Toni Collete como a consultora Gretchen.
Tendo elogiado tanto a construção de personagens do filme até aqui, você deve estar se perguntando o porquê de eu ter afirmado lá no começo que tinha fortes dúvidas sobre “Velvet Buzzsaw”. Bom, o grande problema do roteiro de Dan Gilroy é que seus personagens habitam um mundo e sua história habita outro. Criando personagens que parecem pertencer muito mais a uma comédia satírica sobre ambição no mundo artístico (no melhor estilo “O Diabo Veste Prada” (2006), Gilroy não consegue de jeito nenhum encaixar este universo com a história sobre as pinturas amaldiçoadas de Dease. Embora eu goste das pinturas que foram criadas e da forma como sua direção trabalha com o aspecto macabro delas sem ficar nos mostrando as obras a todo momento, os efeitos de sua ação no universo daqueles personagens são muito mal construídos por Gilroy. Ao invés de uma gradual queda em direção a loucura causada pelas pinturas como uma espécie de canalização de algum “mal”, o roteiro acaba por fazê-las agir fisicamente no universo dos personagens, criando um tom thrash meio “pastelão” que simplesmente não combina com o restante do filme.
Chegando mais perto do terceiro ato, algumas atuações também sobem demais o tom de forma abrupta, principalmente a Josephina de Zawe Ashton, que se torna bitch sem coração e o Morf de Jake Gyllenhaal, que não resiste a uma cena de overact no pior estilo Al Pacino, em que grita com olhos esbugalhados e gesticula de forma frenética sobre as visões que está vendo e associa às pinturas. Acredito que um tom mais semelhante ao que o próprio Gilroy já fez em “O Abutre”, de sátira ácida, funcionaria muito melhor com o universo estabelecido do que as cenas de horror e mortes toscas que parecem pertencer muito mais ao universo de “Arreste-me Para o Inferno” (2009) (e não estou de forma alguma criticando o filme de Sam Raimi, aliás, adoro). No entanto, por mais tosco e brega que seja em muitos momentos, “Velvet Buzzsaw” nunca deixou de ser uma experiência divertida para mim, capaz de entreter mesmo em seus momentos de mais baixa qualidade cinematográfica. Por isso, volto a dizer sem medo: não sei até agora se “Buzzsaw” é um filme bom ou ruim, só sei que eu me diverti pacas.