Crítica | #Alive

#Alive

( #살아있다; )

Data de Estreia: 08/09/2020 (BR) | 24/06/2020 (Coréia do Sul)

Direção: Il Cho

Distribuição: Netflix

 

Desenvolvido como um projeto minimalista, chegou na Netflix o longa #Alive, que estreou na Coreia do Sul, seu país de origem, na reabertura dos cinemas locais, e despertou a curiosidade de fãs de terror mundialmente. O filme vem do mesmo país que o aclamado Invasão Zumbi (Train To Busan, 2016) – que acabou de ter sua continuação lançada – e, devido a isso, as comparações são inevitáveis.

No filme acompanhamos o gamer Oh Joon-woo (Ah-In Yoo) que, enquanto estava numa live com conhecidos, acaba descobrindo o início de um rápido e transmissível vírus, capaz de transformar pessoas em máquinas de matar super ágeis e insaciáveis. O primeiro ato do filme é completamente slowburning, mas totalmente imersivo. A identificação é muito rápida devido a estarmos todos (ou quase todos) enclausurados em casa por conta do surto de um vírus complexo e destruidor. O diretor, e também co-roteirista, Il Cho, sabe muito bem utilizar esse sentimento de solidão e agonia para nos deixar tensos durante a introdução desse universo.

Não apenas a direção e o roteiro, mas a maquiagem (apesar de alguns zumbis claramente pintados com tinta guaxe) e a ambientação ajudam muito na imersão. A completa degradação do complexo de apartamentos como também dos zumbis nos ajuda com a sensação do tempo passando, nos fazendo crer nas medidas tomadas pelos personagens, que se encontram em um beco sem escapatória.

Personagens estes que são muito bem interpretados. O carismático protagonista Ah-In Yoo, que também está no excelente Em Chamas (Burning, 2018), se sente  muito à vontade aqui. Seu timing cômico é muito bem empregado e ele convence muito bem tanto nos momentos de drama quanto nos de ação. Sua co-protagonista, Shin-Hye Park, famosa por vários doramas, dá vida a uma Kim Yoo-bin muito forte e decisiva para vários desdobramentos essenciais do filme. A química de ambos, mesmo nas cenas em que conversam à distância, quase que sem se entender, rendem bons momentos no filme.

O que pode ser um pouco prejudicial à experiência é a troca de gênero que se dá do segundo ato em diante. A partir do momento em que decidem sair dos seus apartamentos o filme, que até então se apresentava quase como um drama num mundo apocalíptico, se rende às mais comuns convenções do gênero e se torna um thriller de ação quase que incessante nos seus vinte minutos finais.

Eu, particularmente, não tive problemas com a mudança de gênero. Acompanhando a tempos os zumbis eu compreendo a necessidade da introdução de gêneros diferentes dentro desse subgênero de monstro, que serve tanto para a diversão quanto para a divagação sobre temas existencialistas. Nada melhor que um apocalipse zumbi para contemplar a natureza humana, suas hipocrisias e racismo (The Walking Dead, Madrugada dos Mortos, Operação Overlord), para enfrentar seus limites e conhecer a si mesmo de uma maneira mais profunda (Invasão Zumbi, Zumbilândia) ou para criticar o capitalismo desenfreado de uma sociedade hipocritamente consumista (Madrugada dos Mortos). Logo, todo o filme acaba homenageando muitas dessas obras.

Os zumbis aqui são ameaças muito latentes, eles lembram de resquícios de suas vidas passadas, se transformam muito rapidamente, são ágeis e incansáveis, estão sempre em hordas enormes e sempre estão em todo local, tornando-os bons antagonistas. Vale ressaltar as críticas e ao mesmo tempo o uso da mídia e de eletrônicos no longa. Ao mesmo tempo que um personagem morre ao tentar simplesmente conseguir sinal de telefone, os drones e walkie talkies são as formas que os personagens encontram de se comunicar. Se por um lado  vemos o quanto a TV consegue nos influenciar, principalmente diante do tédio do isolamento social, incentivando atitudes que racionalmente entendemos que não devíamos tomar, ela também é a porta voz das únicas notícias verídicas que temos sobre o vírus, seu alcance e consequências no corpo humano.

 Um conceito muito interessante que é muito bem empregado aqui é o da Arma de Chekhov que parte basicamente do princípio que: se uma “arma” aparece durante o filme ela necessariamente precisa ser usada, ou era melhor que nem aparecesse ali. No filme temos a introdução de vários objetos que vão se tornando úteis durante a trajetória de Joon-woo e Kim, inclusive, literalmente, de uma arma, que aparece no primeiro ato para ser muito útil no último.

#Alive causa uma identificação forte e, ao viajar entre gêneros, nos apresenta uma trama muito realista mesmo dentro do surrealismo de um surto zumbi. O cinema de gênero sul coreano em seu ápice traz um filme que, mesmo em seus tropeços, consegue se manter bem equilibrado.