Boneco de Neve
(The Snowman)
Data de Estreia no Brasil: 23/11/2017
Direção: Tomas Alfredson
Distribuição: Universal Pictures
Houve um tempo em Hollywood, após a carreira de Michael Fassbender decolar, que ver o rosto do ator em um poster era garantia de um bom filme. Desde blockbusters como “X-Men: Primeira Classe” (2011) à indies como “Shame” (2011) e “Frank” (2014), Fassbender parecia infalível, escolhendo seus projetos com invejável precisão. Após a estreia de “Assassin’s Creed ” (2016), no entanto, a carreira do ator parece ter entrado em um povisório limbo. “Boneco de Neve” é só mais um dos casos, que aliás tem várias semelhanças com o filme que acabei de citar. Ao final da crítica vocês entenderão.
Me pergunto o que fez com que uma quantidade absurda de grandes nomes de Hollywood (o próprio Fassbender, Val Kilmer, Rebecca Ferguson, Charlotte Gainsbourg e J.K. Simmons) recebessem um roteiro intitulado “Boneco de Neve” e achassem que seria uma ótima ideia participar dele. Ok, o livro de Jo Nesbø no qual o filme se baseia é bastante aclamado e o diretor Tomas Alfredson dirigiu os excelentes “O Espião que Sabia Demais” (2011) e “Deixa Ela Entrar” (2008); mas um thriller que envolve bonecos de neve, sério? Na verdade, estou sendo duro demais com os atores; há aqui claramente algum tipo de luz no fim do túnel e uma qualidade dormente que me faz imaginar que o roteiro deva ser muito melhor do que o filme final. Infelizmente, no entanto, foi neste último que investi duas horas do meu tempo.
Após uma cena de introdução meia-boca que só faz algum sentido muito depois, o filme nos apresenta o detetive chamado Harry Hole, que mais tarde descobrimos fez sucesso investigando alguns casos no passado, mas agora amarga a condição de alcoólatra, chegando a dormir em bancos de praça e na delegacia onde trabalha. É significativo que em menos de meia hora de filme seus principais problemas já saltem de forma evidente e que sua única grande virtude acabe sendo também rapidamente percebida enquanto um problema. Em primeiro lugar, Hole deveria ter sido um ator bem mais velho para convencer como o arquétipo do detetive bem-sucedido niilista que já vimos em tantos outros lugares, como principal exemplo no Somerset de Morgan Freeman em “Seven”. Fassbender está sempre ótimo mesmo quando não tem nenhum material para trabalhar, mas sua escalação foi um grande erro e ele simplesmente não convence como Hole.
Há no filme uma série de conveniências e muletas de roteiro extremamente distrativas que saltam aos olhos rapidamente, mas a principal disparada é a locação. Quando disse que a única qualidade de “Boneco de Neve” é também seu principal defeito me referi ao interessante clima de mistério e silenciosa opressão que consegue criar com relação à cidade de Oslo, Noruega. No entanto, este é justamente um dos principais problemas. Todos os personagens moram na Noruega e falam inglês com um sotaque britânico. Ao invés de mudar o cenário do filme para os EUA ou o Reino Unido, algo que de forma alguma mudaria a trama, “Boneco de Neve” acha que pode escapar com este erro pavoroso como se fosse um filme hollywoodiano dos anos 1960. Ouvir personagens contemporâneos que supostamente são de outra nacionalidade falando inglês com sotaque britânico simplesmente não cola mais no cinema atual.
Dentre todos os nomes respeitáveis que aceitaram integrar o projeto, aliás, Alfredson é disparado o mais irreconhecível. Enquanto os atores fazem o que podem com as caricaturas que receberam para tornar o filme mais “assistível”, a direção do sueco é medonha. Chega ao ponto de eu ser obrigado a constatar que, em seus melhores momentos, ele simplesmente não atrapalha. Entre um jogo de zoom-in e zoom-outs enjoativos e sequências de ação terrivelmente mal filmadas e picotadas em 5 cortes por segundo, é quase impossível não notar a desastrosa condução do filme, que junto com uma das piores montagens que já vi, consegue contribuir para estragar completamente qualquer chance que “Boneco de Neve” tinha de ser um filme decente.
Aliás, a montagem é em si um dos piores problemas estruturais de um filme cheio deles. Justamente quando há alguma competente atmosfera de mistério, criada principalmente através de uma competente iluminação e design de produção, somos obrigados a acompanhar um perturbadoramente desfigurado Val Kilmer em flashbacks toscos que em nada servem à trama. Além disso, a transição entre cenas é incompetente e transforma o que poderia ser apenas um filme lento em uma experiência penosa.
Junto com o excesso de confiança em um CGI que seria considerado ultrapassado nos anos 1990, um ridículo terceiro ato coloca a pá de cal em qualquer chance de redenção de “Boneco de Neve”. Até ali eu estava minimamente interessado no mistério envolvendo os assassinatos e no clima que o filme havia criado. Contudo, as reviravoltas são tão toscas e torturantes que roubam o filme de qualquer mínimo mérito que tinha tido antes, me fazendo suspirar agonizantemente enquanto recebia o último golpe deste desastre que é “Boneco de Neve”. Para aqueles que querem uma premissa semelhante executada de forma infinitamente superior, recomendo o recente “Terra Selvagem”. Quanto a “Boneco de Neve”, é exatamente o que parece: um filme absurdamente tosco que nunca deveria ter sido tirado do papel, não tendo a decência de ao menos tirar sarro de si mesmo. Talvez houvesse uma história interessante ali, mas certamente não seria com Harry Hole e Cia. que a veríamos se desenrolar. Quando o filme estrear nos cinemas esta semana, passe tão longe dele quanto ele passou de ser bom.