O Homem de Palha (1973)
(The Wicker Man)
Data de Lançamento: 31/10/1974 (BR)
Direção: Robin Hardy
Distribuição: VTI Home Vídeo
Dizem que o medo é produção da mente humana quando se depara com o desconhecido, ou mais ainda, quando se depara com algo que não se propõe a entender. O medo do escuro, medo de monstros… todos esses elementos são construídos na nossa imaginação e nos amedrontam pelo fato de não serem compreendidos facilmente. O horror também está presente no feio, no repugnante, no sujo.
Como ressalta Larocca (sim, a Gabi) em sua dissertação de mestrado, a década de 60 e início da década de 70 foram marcadas por um movimento de políticas mais liberais no que se refere a relações afetivas, gênero e sexualidade. Porém, já no final da década de 70 ficaram mais comuns as críticas relativas a essa liberação, com políticos e influentes pregando a volta das “práticas cristãs” ou “bons costumes”.
Em meio a esse momento de transição de dogmas sociais, é lançado no Reino Unido em 1973 (no Brasil lançado quase um ano depois) o longa “O Homem de Palha” – ou “The Wicker Man”, no original – dirigido por Robin Hardy. O filme foi um grande sucesso no seu lançamento e mesmo 47 anos depois continua servindo de inspiração para o gênero do horror.
“O Homem de Palha” conta o drama do sargento Neil (Edward Woodward), que viaja para uma pequena ilha depois de receber uma carta anônima de uma mãe que relata o desaparecimento de sua filha há cerca de um ano. O referido sargento, enquanto realiza sua investigação, descobre que a ilha abriga mais segredos e mistérios do que ele pode imaginar.
O longa, que foi comparado a “Cidadão Kane”, é um horror musical, o que pode causar estranheza desde a sua cena inicial – que na versão estendida é uma cerimônia religiosa cristã –, uma longa música que toca enquanto mostra o sargento viajando à ilha no seu avião anfíbio.
O filme é baseado em um livro do autor David Pinner chamado “O Ritual” lançado em 1967 e rendeu um remake em 2006, de mesmo nome em inglês mas traduzido em português para “O Sacrífício”, estrelado por Nicolas Cage. Em 2011, Robin Hardy lançou um longa chamado “The Wicker Tree” que seria uma sequência indireta do longa de 1973, contando inclusive com participação de Cristopher Lee. Hardy tinha a pretensão de lançar um terceiro filme para a série, mas ele faleceu antes que pudesse acontecer.
A música é presente durante todo o filme – contando inclusive com dicas do que está acontecendo de forma subentendida na trama – contando com cenas que ativam nosso alerta de estranheza.
Desde o início é palpável a sensação de que algo ali não está certo, algo que o roteiro de Anthony Shaffer e a direção de Robin Hardy são muito competentes em mostrar. Aos poucos vamos sendo apresentados a situações cada vez mais estranhas e vamos montando as peças do quebra cabeça.
O filme é praticamente todo construído durante o dia, os cidadãos da ilha vestem roupas coloridas e chamativas – contrapondo o uniforme escuro e fechado do protagonista –, que são um show de produção, e estamos desde o começo na iminência de uma grande comemoração popular, o “May Day”. Porém, o que chama mais a atenção são as cenas remetendo a liberação sexual das mulheres da ilha, além dos momentos de sexo em locais abertos.
“O Homem de Palha” é um grande contraponto entre dogmas. A religião e os costumes cristãos representados pelo Sargento versus a religião pagã e liberal dos habitantes da ilha. Enquanto a investigação avança, nossa construção social vai preenchendo as lacunas das formas que representam a barbaridade de uma sociedade que não segue os pressupostos tradicionais.
O filme – na minha perspectiva – entre várias coisas, remete à selvageria de uma sociedade liberal. O abandono de Deus e a entrega a costumes pecaminosos que destrói a índole das pessoas. Remete muito, como dito no começo, à postura social presente no medo do que as pessoas podem fazer se não seguirem “a moral e os bons costumes”. O filme começa com uma celebração cristã e se encerra com uma celebração pagã. As dicas construídas nas músicas. O longa se constrói como uma bela ironia.
As atuações são o ponto chave para nos introduzir naquele estranho local. As maiores figuras de autoridade são o sargento de Edward Woodward e o Lorde da ilha, interpretado por Christopher Lee. Todos os embates entre eles são maravilhosos e exemplificam muito bem a rigidez de um contra a libertinagem do outro. Mesmo as mais torrentes brigas são quase como uma delicada dança onde cada um acaba fazendo sua parte diante da situação em que se encontram.
No fim, o filme se encerra com uma das cenas mais icônicas do cinema – não só de horror, mas em toda a arte. O encerramento é catártico e faz refletir bastante sobre o que é a moral e como podemos ser controlados facilmente através de nossos próprios preconceitos.
“O Homem de Palha” influenciou o gênero e recentemente duas obras abordaram quase que de forma direta os temas do longa. Em “Death of Me” (confira a crítica no site) temos uma pessoa estranha envolvida em uma sociedade completamente dissonante que acaba se vendo presa dentro de um ritual regional baseado em fertilidade feminina. Já em “Midsommar – O Mal não Espera a Noite” (confira a crítica e o nosso RDMCast sobre) temos praticamente um remake para os dias atuais. O filme bebe diretamente do longa – de maneira intencional ou não – trazendo vários símbolos do filme de 73 e incrementando o folclore um pouco mais. Vale ressaltar a rima que existe entre as músicas de “O Homem de Palha” e os bordados/pinturas de “Midsommar”, onde ambos carregam spoilers dos filmes.
“O Homem de Palha” é com certeza um dos maiores expoentes do cinema de horror dos anos 1970 e sempre merece ser revisto, pois, a cada assistida, novos segredos são desvendados.