Crítica | Beau Tem Medo

Beau Is Afraid

Direção: Ari Aster

Ano: 2023

País: EUA

Distribuição: A24

Nota do crítico:

Ari Aster é perturbado e sabe perturbar na mesma medida. Em seu terceiro longa comercial, o diretor entra fundo na própria mente, nos próprios traumas e chama bons atores e atrizes para embarcarem na loucura com ele. Beau Tem Medo (2023) é uma viagem com alguns problemas, mas satisfatória. É um filme bonito de se ver. Lembrando, quando estava na fase de desenvolvimento, o diretor falou que faria sua primeira comédia. Sim, é uma comédia, mas no estilo perturbado dele…

Beau (Joaquin Phoenix) é um homem incapaz de tomar decisões. Ele é completamente dependente dos outros, em especial de sua mãe. No início do filme ele conversa com seu terapeuta sobre a viagem que fará à casa de sua genitora. Não há trilha, o ritmo é lento, o diálogo é extenso. Essa cena já nos dá o clima que o filme vai seguir.

O protagonista volta à sua casa. Um bairro perigoso, cheio de gente esquisita e aparentemente perigosa – há, inclusive, um assassino à solta, que mata pessoas pelado. Beau tem medo de tudo. Das pessoas na rua, dos vizinhos, dos bilhetes, até mesmo do remédio que toma. O maior medo de todos parece ser o de decepcionar sua mãe. Contratempos não o permitem viajar e ele fica cada vez mais desesperado para encontrá-la.

Contratempo é um eufemismo. Tudo o que pode dar de errado acontece com Beau. Ele é completamente impotente diante dos absurdos que se desenrolam e é conduzido por outras pessoas a novos problemas que passam a ser dele em um ciclo sem fim. Beau Tem Medo (2023) talvez seja o filme mais Ari Aster do Ari Aster. O tom se assemelha muito ao do (muito) perturbador The Strange Thing About the Johnsons (2011).

Não acredito que a duração de 179 minutos seja um problema. Filmes longos não são ruins por si só. Reclamamos de filmes longos demais quando há muitas partes desnecessárias ou que não levam a lugar nenhum. Não ceio que esse seja o caso de Beau Tem Medo. Aster dividiu a história em quatro atos. Os dois primeiros são incríveis, com altas cargas de tensão e esquisitice. O tempo passa rápido. O problema está nos dois últimos atos, em que há uma quebra de ritmo – em especial no último, que foi o único momento em que senti o tempo passar.

Joaquin Phoenix e Patti LuPone estão muito bem em seus papéis. Quando juntos em tela, acontece algo que só pode ser descrito como mágica. As interações entre mãe e filho deixam explícita a relação abusiva – e problemas com a mãe é um tema que o diretor gosta bastante, só lembrarmos de Hereditário (2018). O filme apela à psicanálise a todo instante. A relação com a mãe, o complexo de Édipo, a castração… Nada é tão complexo quanto a filmagem faz parecer.

Esse é outro problema de Beau Tem Medo (2023). Em especial nos últimos dois atos, há explicações em excesso, que não eram tão necessárias assim. Elas reduzem o brilho da construção narrativa. Apesar de chegar perto de uma construção “à la David Lynch”, Aster opta por inserir explicações e analogias óbvias demais, como que para ter certeza de que o espectador está acompanhando seu raciocínio.

Antes de entrar na seção com spoilers, fica a recomendação de assistir ao filme no cinema e desenvolver sua própria opinião sobre. Muito tem se falado nas redes sociais, críticas e elogios, até piadas com a duração do filme e o diretor. Ninguém é obrigado a gostar ou desgostar de filme nenhum. Beau Tem Medo (2023) é um daquelas experiências perturbadoras que valem a pena – mesmo que não se goste do filme.


Atenção!!! A partir daqui serão discutidos spoilers do filme!

O tema principal me parece ser a impotência, a castração. Recentemente temos diversos exemplos de jornalistas e influenciadores de direita que piram na chamada “crise da masculinidade” – a própria baboseira red pill provém disso. Lembro também de um “icônico” texto de um jornalista reacionário que escreveu um artigo desesperado a um jornal conservador do Paraná se perguntando “onde foram parar os machos?”.

Por que cito isso? Entendi a comédia de Aster, em partes, como um exagero desse medo masculino moderno. Beau não tem controle sobre sua vida, não tem iniciativa, ele vai para onde o levam, é conduzido pelas situações, completamente impotente, sem forças. Sua mãe tratou de tirar dele toda sua virilidade – uso esse termo por conta dos estudos dos papéis de gênero ao longo da história, em especial o terceiro volume de História da Virilidade – algo que é explícito na criação de uma história sobre seu pai que teria morrido ao atingir o orgasmo e Beau, sofrendo do mesmo sopro no coração, jamais poderia ter uma relação sexual na vida.

Quando adolescente, era completamente medroso. Sua mãe constantemente pergunta sobre seus interesses amorosos e fica furiosa quando uma garota surge em sua vida. Beau é tão passivo que esperou a vida toda por uma menina que conheceu um dia na adolescência. Sua mãe destaca o perigo de Elaine, por ela ser uma mulher independente, corajosa, determinada…

O ápice desse medo da castração é o pênis gigante que Mona Wassermann guarda no sótão. A criatura é incrível, muito bem feita, um choque de ver algo assim no filme. É inesperado. Mas é mais um reforço no tema da castração. Digo mais um, porque, novamente, Aster opta por apertar várias vezes a mesma tecla, mesmo quando já não há mais necessidade disso. Depois dos dois primeiros atos, fica bastante claro sobre o que o diretor está falando. Não precisava retomar tantas vezes a explicação nos dois últimos atos.

No final, a história se desenrola como um Show de Truman (1998) bizarro. Sua mãe, muito, muito rica, pagou diversas pessoas e montou um grande esquema de vigilância de Beau. Há um julgamento final de seus atos, sem muito direito à defesa, já que o advogado é jogado de um lugar alto. É angustiante a cena final pelo barulho constante do motor e a incapacidade do protagonista de se justificar.

Outra analogia muito presente – e repetida – é a saída do útero. No começo, é mostrado o nascimento de Beau e em vários outros momentos o personagem parece sair de um útero. Seja na banheira de casa, no dilúvio, ou na caverna que o conduz para uma noite estrelada – que depois se revela falsa. Há todo momento ele tenta fugir do controle da mãe, mas, na realidade, está cada vez mais dentro do esquema.

Apesar de alguns problemas de roteiro, Beau Tem Medo (2023) é uma boa experiência cinematográfica. O filme desperta diversas emoções. Há momentos de riso, de angústia, de ansiedade… É um filme perturbador que te acompanha do cinema para casa. Só um último comentário: Patti LuPone merece indicação ao Oscar.