Crítica | Marcas da Maldição

Marcas da Maldição
(China) / Incantation (EUA)
Data de Lançamento no Brasil: 08/07/2022 (Netflix)
Direção: Kevin Ko
Distribuição: Netflix

O cinema de horror oriental já nos presenteou com obras memoráveis, como os imortais japoneses Ringu (1998) e Ju-on (2000), ambos longas que renderam remakes estadunidenses amados pelos fãs do gênero (O Chamado e O Grito, respectivamente), além do sul-coreano The Wailing (2016) e tantas outras produções. A Tailândia, por exemplo, que já havia nos presenteado há quase 20 anos com Espíritos: A Morte Está ao Seu Lado (2004), nos trouxe recentemente o ótimo The Medium (2021), que nos mostrou como falsos documentários ainda podem cair como uma luva no gênero de terror. Seguindo essa mesma linha, a Netflix decidiu se responsabilizar pela distribuição do longa taiwanês, Marcas da Maldição, que também se apropria da estrutura dos pseudodocumentários para nos contar uma história horripilante sobre possessão demoníaca, rituais macabros e uma mãe tentando se reaproximar de sua filha, enquanto a protege de forças sobrenaturais malignas.

A partir de uma introdução extremamente atmosférica, que coloca o espectador no exato lugar que ele deve estar para sentir a angústia da protagonista e absorver a premissa do filme, presenciamos uma história conduzida em duas linhas temporais. Na primeira, que se passa 6 anos antes do presente, somos apresentados a uma audaciosa jovem chamada Li Ronan, (Tsai Hsuan-yen), que junto de seu namorado e alguns colegas jornalistas resolve montar um grupo de Caça-Fantasmas, no intuito de documentar acontecimentos inexplicáveis, quebrar alguns mitos sobre maldições e postar suas descobertas em um blog. Entretanto, após seu namorado receber um aviso urgente de sua família o chamando para voltar para um antigo ritual de culto familiar que ocorre uma vez a cada 20 anos, eles acabam vivenciando uma perigosa e antiga maldição local. Na segunda linha do tempo, acompanhamos Li Ronan tentando se reaproximar de sua filha de 6 anos após sair de uma clínica psiquiatra, na qual esteve internada todo esse tempo. Agora, enquanto uma entidade tenta possuir sua filha, Li Ronan precisa protegê-la das consequências de seus atos, anos atrás.

Com um uso de símbolos visuais, repetições tenebrosas de frases misteriosas, instrumentos e costumes típicos de Taiwan e elementos religiosos muito convincentes, Marcas da Maldição se destaca no cenário de horror atual e agarra com força a atenção de seu público. Somos convidados, ou melhor, arremessados para um mundo singular de mistério e eventos sobrenaturais gradativos que se apresentam de maneira autenticamente assustadora, sufocando facilmente os espectadores mais sensíveis e ansiosos. Ainda que alguns sustos previsíveis afetem nosso envolvimento com o valioso enredo do longa, a direção de Kevin Ko se mostra precisa o suficiente para manter o bom ritmo de sua narrativa. Sem pressa de resolver cada uma de suas cenas repletas de tensão, Marcas da Maldição deixa o público na ponta de suas cadeiras, implorando por um susto ou outro que venha dar fim aos longos, realistas e torturantes momentos de suspense.

Mesmo que a atriz principal (Tsai Hsuan-yen) e a jovem que interpreta a filha de Li Ronan realmente impressionem ao manter a carga dramática necessária entre a relação de ambas, sem permitir que os momentos horripilantes sejam desperdiçados, infelizmente o elenco secundário não cumpre tão bem com seus papéis. Os atores e atrizes trazem certos trejeitos caricatos que não somente quebram parte da considerável veracidade transmitida pelo roteiro, como também reforçam, tristemente, alguns dos principais argumentos usados para justificar a dificuldade de boa parcela da população em consumir filmes asiáticos do gênero. Ainda assim, por qualquer razão que seja, se privar de conferir este longa é se vendar propositalmente de preconceitos e falsas certezas.

A Netflix, especialmente, é conhecida por distribuir filmes asiáticos de terror que cometem o mesmo erro de tantos outros países, inclusive europeus, ao tentar criar enredos e ritmos narrativos semelhantes aos filmes hollywoodianos de grande orçamento. Isso previsivelmente acaba resultando em obras medianas ou simplesmente deploráveis, uma vez que tentam simular clichês e convenções do gênero sem possuir a mesma verba das produções estadunidenses, além de que o público simplesmente está cansado de consumir mais do mesmo. Felizmente, Marcas da Maldição se distancia deste estereótipo. Aqui, temos a incessante sensação de que estamos a ver algo proibido, sagrado e extremamente perigoso. Passamos a cogitar, em diversas situações, que também corremos perigo somente por assistir às filmagens “encontradas”. Nisso, a linguagem documental, aliada à construção dos cenários e ao ritmo do longa,  funciona surpreendentemente bem.

O longa prova como é muito mais vantajoso valorizar a sua própria cultura e a identidade cinematográfica de seu país, a fim de criar histórias que realmente mexam com o espectador e permaneçam com o mesmo. Afinal de contas, é aquela velha história: quando se fala com propriedade sobre algo que realmente se conhece ou tem experiência, a receptividade tende a ser bem mais positiva.

Imperdível para qualquer amante do horror ou do cinema oriental de gênero, Marcas da Maldição é uma ótima pedida para quem busca fugir das amarras hollywoodianas por alguns instantes, buscando um filme realista, que realmente amedronte não somente por seus recursos visuais e sonoros, mas principalmente pelas camadas religiosas, ritualísticas e culturais trazidas como segundo plano pelo roteiro, enfatizadas pela abordagem do falso documentário.