Crítica | O Culpado

O Culpado
(The Guilty)
Data de Lançamento no Brasil: 01/10/2021
Direção: Antoine Fuqua
Distribuição: Netflix

Quando achamos que a onda de remakes norte-americanos desnecessários de filmes relativamente recentes está começando a frear após diversas críticas negativas, somos surpreendidos por um novo suspense dramático da Netflix, baseado no aclamado longa dinamarquês Culpa (2018), de Gustav Möller. Dirigido por Antoine Fuqua, responsável por Dia de Treinamento (2001), e roteirizado por Nic Pizzolatto, nome por trás do roteiro da série True Detective (2014), O Culpado se vende como uma produção ainda mais tensa e frenética do que o filme que o  originou. No entanto, acaba testando nossa paciência diante de situações desesperadoras, enquanto coloca em cheque nossa capacidade de ouvir sem fazer julgamentos.

Somos introduzidos de imediato ao policial Joe Bayler (Jake Gyllenhaal, também produtor executivo do longa) em mais um fatigante dia de trabalho na central de chamadas de emergência de Los Angeles, serviço para o qual foi rebaixado como forma de punição. Durante um incêndio florestal que se aproxima da cidade, Joe atende diversas chamadas de emergência de pouca relevância, até que recebe uma ligação inusitada de uma mulher chamada Emily (Riley Keough) que reporta discretamente seu próprio sequestro. A partir daí, o policial irá fazer o possível e o impossível para ligar os pontos e garantir a segurança de Emily e de seus filhos, enquanto tem que lidar com sua instabilidade psicológica na véspera de seu julgamento no tribunal.

Contando com vozes de diversos atores coadjuvantes conhecidos pelo público, como Ethan Hawke, Paul Dano e Peter Sarsgaard, a obra se aproxima, mesmo que minimamente, da proposta oferecida pela série Calls (2021), da Apple TV+, ao utilizar somente as vozes de seus intérpretes para nos cativar e nos deixar tensos. Jake Gyllenhaal, por sua vez, se prova competente em mais um papel difícil de sua carreira, incorporando a agonia do espectador diante das descobertas do policial e de sua incapacidade de agir. A direção e, principalmente, o ritmo da montagem de Jason Ballantine não permitem que tomemos fôlego o suficiente para sequer pensarmos em desviar a atenção. A narrativa realmente nos prende do começo ao fim, mesmo que em alguns momentos não equilibre os eventos da vida pessoal do protagonista com as demandas de sua vida profissional da melhor forma.

Mantém-se aqui questões pertinentes como a importância do sigilo e da discrição na comunicação com pessoas que correm risco de serem descobertas, mas o longa também nos faz questionar a simplicidade com que muitos de nós encaramos situações evidentemente complicadas, e a forma como decidimos formar certezas e tomar decisões sem peças suficientes para tal. Ainda que de forma menos intensa que o longa dinamarquês, a reviravolta da trama de O Culpado anuncia o possível despreparo de diversos profissionais do ramo, por mais nobre e relevante que sua função seja em nossa sociedade. O temperamento explosivo de Joe é algo que reflete intencionalmente os anseios do público, uma vez que nos cercamos de  um estilo de vida cada vez mais dinâmico, tecnológico e objetivo, sem a paciência necessária para lidar com problemas da forma correta.

Há definitivamente qualidade na produção estadunidense da Netflix, porém sentimos que o conteúdo bate muito em teclas já desgastadas. Trabalhando temas tão repletos de camadas significantes para nosso cotidiano, era de se esperar que o roteiro de O Culpado nos oferecesse mais situações surpreendentes que questionassem nosso senso comum e nosso código de conduta, o que inclusive justificaria de fato a realização de uma refilmagem da obra dinamarquesa. Obra esta que, por sinal, ainda se mostra muito mais eficaz ao nos chocar e entreter de maneira autêntica e genuína do que o longa dirigido por Antoine Fuqua.